Movimento de atingidos critica programa Sementes do Rio Doce
O programa de fomento ao empreendedorismo nos municípios impactados pelo crime socioambiental da Samarco/Vale-BHP, Sementes do Rio Doce, ignora demandas históricas e emergenciais das comunidades atingidas, ao priorizar iniciativas empresariais como solução para a sustentabilidade econômica. A avaliação é de Heider José Boza, coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), que critica a lógica por trás do programa. “Segue a lógica da reparação via iniciativa privada, privatização e mercantilização. Não que o empreendedorismo não seja relevante, mas se tivessem minimamente em diálogo com o MAB, saberiam que entre inúmeras demandas emergenciais, essa não é uma prioridade”, afirmou.
Ele destaca que demandas urgentes como indenizações, auxílios financeiros, acesso à água, segurança alimentar e assistência à saúde continuam sendo as principais necessidades das comunidades atingidas.
Elaborado em 2024, o Sementes do Rio Doce é conduzido pelo Governo do Estado, por meio da Secretaria Estadual da Ciência, Tecnologia, Inovação e Educação Profissional (Secti) em parceria com a Fundação Renova e a Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes). O programa pretende beneficiar 50 projetos inovadores nos municípios afetados pelo rompimento da barragem de Mariana (MG), em 2015, incluindo Serra, Colatina, Linhares, Baixo Guandu, Conceição da Barra, Fundão, Marilândia, São Mateus e Aracruz.
Cada projeto selecionado receberá R$ 100 mil e participará de um programa de aceleração de seis meses, promovido pelo IEBT Innovation, uma organização com expertise no desenvolvimento de negócios, inovação corporativa e transformação digital. Além do apoio financeiro, os participantes terão acesso a mentorias e capacitações voltadas para áreas como liderança, gestão, comunicação, marketing, vendas e finanças.
No entanto, o representante do MAB ressalta que o formato do programa está distante das necessidades urgentes dos atingidos e evidencia a falta de diálogo do governo estadual com os movimentos sociais. O evento de lançamento, realizado na Associação dos Empresários da Serra (Ases), contou com a presença de lideranças políticas, startups e empresários, o que reforça a abordagem de soluções baseadas no mercado, observa o coordenador do MAB. Ele destaca que a exclusão das comunidades atingidas do processo de planejamento reforça o abandono histórico e a negligência. “Trazem setores alheios à luta e às demandas históricas das comunidades atingidas, para apresentar supostas ‘saídas’ para a reparação”, apontou.
A iniciativa foi elaborada em 2024, antes da assinatura do acordo de repactuação do crime, homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em novembro último. Entre as mudanças estabelecidas pelo novo pacto está a extinção do atual modelo de governança e participação social vigente no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC-GOV) e da Fundação Renova, criada para gerir ações de reparação e compensação, como parte do Termo de Transação e Ajuste de Conduta (TTAC). A fundação foi amplamente criticada por perpetuar as violações de direitos dos atingidos. Com a repactuação, as responsabilidades em andamento foram transferidas para a União e os estados, que deverão executar as ações de reparação e as políticas públicas.
Heider José Boza avalia que o governo estadual tem agora a oportunidade de realizar uma reparação diferente, com acesso a recursos significativos e gestores técnicos de carreira, mas critica a forma como essa estrutura está sendo organizada. “A Renova foi a privatização da reparação, controlada pelas empresas criminosas, e perpetuou o crime com práticas que geraram mais adoecimento. Não houve participação em todo o processo, e muitas comunidades tiveram direitos negados ou cortados ao longo dos anos”, considera.
Apesar disso, o governo do Espírito Santo segue sem promover o diálogo com os atingidos, aponta o coordenador. Ele cita como exemplo a criação da Secretaria do Rio Doce, que não envolveu a participação dos movimentos sociais nem foi estruturada com mecanismos de diálogo.
“A secretaria foi criada sem consulta prévia e segue sem nenhum tipo de mecanismo de participação e diálogo institucional. Propusemos a inclusão de um comitê gestor, baseado na Política Nacional dos Atingidos por Barragens (PNAB), para garantir a participação e o diálogo institucional, mas essa proposta foi vetada”, ressalta.
Para o MAB, as políticas de fomento ao empreendedorismo podem ser relevantes, mas sem a resolução das questões mais básicas, a iniciativa perde efetividade. “A demanda por indenização segue gritante. Estamos falando de emergências como segurança alimentar, acesso à água e reestruturação econômica. Como propor um programa de empreendedorismo para pessoas que têm sua base econômica e social esfacelada?”, questionou o coordenador da organização.