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Julgamento da BHP: Engenheiro admite falhas, causando colapso da barragem

BHP usou ‘solução temporária’ por 3 anos antes do rompimento

Antônio Cruz/ABr

Durante o julgamento de responsabilidade da mineradora anglo-australiana BHP pelo colapso da barragem de Fundão, em Mariana (MG), um engenheiro indicado pela própria defesa da mineradora admitiu que a empresa manteve uma “solução temporária” por três anos, até o colapso, que provocou a morte de 19 pessoas e danos socioambientais ainda sentidos quase 10 anos depois. 

De acordo com o escritório de advocacia Pogust Goodhead, que representa os atingidos, o depoimento do especialista em engenharia geotécnica indicado pela BHP, Dr. Allen Marr, na última segunda (27) e terça-feira (28), reforça a tese dos atingidos de que a maior tragédia ambiental da história do Brasil poderia ter sido evitada se medidas adequadas tivessem sido tomadas. 

O tribunal ouviu que os engenheiros não utilizaram dados disponíveis para avaliar a estabilidade da barragem. Em vez disso, optaram por um ajuste temporário de alinhamento para criar um “recuo” que permaneceu ativo por três anos, o que comprometeu a estabilidade da barragem. Allen Marr admitiu que foi “imprudente” o uso de uma “solução temporária” para corrigir um problema estrutural por três anos, sem avaliar adequadamente os riscos.

O processo coletivo envolve cerca de 620 mil vítimas, 46 municípios e 1,5 mil empresas, e busca responsabilizar a BHP pelo maior crime ambiental da história do Brasil, ocorrido em 2015. A empresa e a Vale são controladoras da Samarco, detentora da barragem. Desde sua retomada em 13 de janeiro, o julgamento tem abordado questões ambientais e técnicas sobre as causas do rompimento.

O colapso da barragem, ocorrido em 2015, matou 19 pessoas, causou um aborto, pois uma gestante perdeu o bebê ao lutar contra a avalanche de rejeito de minério, destruiu comunidades inteiras e impactou mais de 2,5 milhões de pessoas em três estados da federação. Cerca de 45 milhões de metros cúbicos de rejeitos avançaram 55 km do rio Gualaxo do Norte e outros 22 km do rio do Carmo até desaguarem no Rio Doce, onde percorreu 684 km, e alcançou o mar no município de Regência, no Espírito Santo.

Segundo o engenheiro da BHP, não há evidências de que um projeto adequado ou uma análise de estabilidade tenha sido realizada para o recuo da barragem. Além disso, uma avaliação de risco de liquefação foi solicitada três anos antes do colapso, mas nunca concluída.

O especialista também confirmou que a liquefação estática é um modo de falha conhecido em barragens de rejeitos e explicou que, se o material estiver saturado e tiver tendência a se compactar quando pressionado, pode perder sua resistência e se comportar como um líquido, o que causa colapso. Dados de testes anteriores ao desastre já apontavam para essa possibilidade, assim como medições de pressão da água nos poros realizadas em 2014, que indicavam altos níveis de saturação.

Mesmo diante desses indícios, os responsáveis pela barragem aparentemente ignoraram os alertas. O especialista interrogado admitiu que os engenheiros não perceberam que o solo estava encharcado o suficiente para causar a liquefação. No entanto, reconheceu que testes antes do colapso já indicavam esse risco.

Ele foi questionado pelo advogado Andrew Fulton, que representa os atingidos, sobre o fato de uma solução temporária para reparos ter se tornado uma estrutura semipermanente na barragem. Em resposta se esse longo prazo era justificável, o Dr. Marr afirmou: “Ela estava sendo preenchida, portanto não era permanente, mas acho que concordo que três anos é muito tempo para restaurar algo que se pensava ser temporário”.

O tribunal também tomou conhecimento de vários incidentes nos anos anteriores ao desastre, como falhas nos sistemas de drenagem e infiltração, além do surgimento de rachaduras em agosto de 2014. O Dr. Marr aceitou que esses problemas indicavam saturação excessiva e que a drenagem existente era inadequada, aumentando o risco de liquefação. Ao ser perguntado se um engenheiro competente teria percebido essas falhas e conduzido uma análise adequada de estabilidade, respondeu: “Sim, acho que sim.”

Na visão da Pogust Goodhead, as revelações feitas no tribunal revelam a imprudência dos responsáveis, a negligência na avaliação dos riscos e a falha na implementação de soluções seguras podendo pesar na responsabilização da BHP. 

Após a conclusão da fase de depoimentos sobre a geotecnia, que se estendeu de 22 a 29 de janeiro, o julgamento avançará para a etapa em que as partes envolvidas começarão a preparar suas alegações finais, que serão apresentadas entre 5 e 13 de março. A decisão final do tribunal deve ocorrer ainda no primeiro semestre deste ano, segundo o Pogust Goodhead, e representa uma esperança por justiça para os atingidos e pode criar precedentes para a responsabilização de grandes corporações em tragédias ambientais.

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