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‘Estado precisa combater violência de gênero em todas as frentes’

Rosely Pires, do Fordan, avalia política de cotas em serviços públicos no Estado

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O governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), e a ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, assinaram, na última segunda-feira (27), um acordo para a implementação de cotas para mulheres em situação de violência doméstica e familiar nas contratações de serviços terceirizados dos governos estadual e federal. A medida reserva um mínimo de 8% das vagas para essas mulheres, visando ampliar sua inserção no mercado de trabalho e garantir condições de autonomia financeira.

A iniciativa está alinhada ao Decreto nº 11.430/23, assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Dia Internacional da Mulher, que regulamenta a Nova Lei de Licitações e Contratos (Lei nº 14.133/2021). O objetivo é impulsionar a empregabilidade de mulheres vítimas de violência, incluindo mulheres trans e travestis, com prioridade para negras e pardas.

A coordenadora do programa de extensão e pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Fordan: cultura no enfrentamento às violências, Rosely Pires, destaca a importância da implementação dessa política pública e os desafios para que ela tenha um impacto efetivo na vida das mulheres. “Esse decreto do presidente Lula foi resultado de  muito esforço, foram necessárias movimentações dentro da Câmara pelos nossos deputados federais como Jack Rocha e Hélder Salomão (PT), porque antes o percentual de reserva de vagas era menor, segundo a ministra da Tecnologia e Inovação”, explica.

Além da reserva de vagas, porém, a coordenadora do Fordan pontua que outras ações são necessárias para garantir a permanência dessas mulheres nos empregos, como a destinação de recursos para estruturar redes de apoio dentro dos locais de trabalho. “O Estado precisa atuar em todas as frentes para combater a violência de gênero. A verba desse projeto pode ser usada para políticas de acolhimento, como orientação jurídica, atendimento psicológico e encaminhamento das violências que vierem a sofrer”, sugere, pois a permanência no emprego pode ser comprometida por diversas razões relacionadas à violência que essas mulheres enfrentam.

Ela argumenta que é fundamental considerar as dificuldades que essas mulheres podem enfrentar no ambiente de trabalho, como eventuais atrasos e situações de adoecimento psicológico decorrentes das consequências da violência sofrida. Diante disso, reforça a necessidade de os gestores estarem preparados para lidar com essas situações sem acarretar em novas vulnerabilizações dessas trabalhadoras, demissões ou outras penalizações.

Para que essa política pública tenha um impacto real e duradouro, é fundamental que as empresas e órgãos públicos contratantes implementem ações que promovam o acolhimento adequado, de maneira a garantir que consigam permanecer e se desenvolver profissionalmente, rompendo definitivamente o ciclo de violência e vulnerabilidade que as afeta.

Para Rosely, garantir emprego para essas mulheres é um avanço significativo, especialmente no Espírito Santo, Estado que apresenta altos índices de feminicídio. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, a taxa de feminicídios no Estado é a maior entre as regiões Sudeste, Nordeste e Sul do país. No Espírito Santo, o número de feminicídios, conforme dados do Anuário da Segurança Pública e da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp-ES), permaneceu o mesmo em 2022 e 2023, com 35 casos por ano.

Em 2024, esse número subiu para 38 casos, conforme o Painel de Monitoramento da Violência Contra a Mulher da Sesp. Entre as vítimas, 20 eram mulheres autodeclaradas pretas ou pardas, o que revela a vulnerabilidade dessa população específica. Em janeiro de 2025, os números continuaram a crescer de forma preocupante. Apenas no primeiro mês do ano, já foram registrados cinco feminicídios no Estado, superando os índices do mesmo período nos anos de 2024 e 2023, quando foram notificados dois e quatro casos, respectivamente. 

Os crimes ocorreram em diferentes regiões: Colatina, no norte do estado; Itapemirim, na região sul; Marechal Floriano, na região serrana; e Guarapari e Serra, na região metropolitana. Das vítimas, duas eram brancas, duas eram pardas e uma não teve a cor/raça informada. Os feminicídios foram cometidos por parceiros ou ex-parceiros íntimos, sendo três assassinadas por namorados e duas por ex-companheiros.

Baixa escolaridade

A inserção das vítimas de violência doméstica e familiar no mercado de trabalho pode ser um caminho para romper o ciclo de abusos antes de chegar a um desfecho fatal, destaca. “As mulheres que mais são assassinadas no Brasil hoje, e o Espírito Santo está acima da média, são mulheres negras de periferia. E uma das questões preponderantes para que saiam do processo da violência é justamente a autonomia financeira”, afirma. 

No entanto, ela ressalta que muitas mulheres enfrentam dificuldades para acessar as vagas devido à baixa escolaridade e à falta de qualificação profissional.

A falta de formação e capacitação profissional é a principal barreira para essas mulheres ingressarem no mercado de trabalho, enfatiza a coordenadora do Fordan, com base na experiência do projeto, criado em 2005. Segundo ela, os dados apontam que grande parte dessas mulheres não concluiu o ensino fundamental, não tem ensino médio completo e tampouco acesso a cursos técnicos ou superiores. Essa defasagem educacional reduz as oportunidades de emprego e torna ainda mais desafiador o processo de inserção no mercado formal.

A falta de estrutura para a formação dessas mulheres é um problema que precisa ser urgentemente resolvido, porém muitas escolas de jovens e adultos estão sendo fechadas, o que reduz ainda mais as oportunidades de qualificação para mulheres em situação de vulnerabilidade, observa Rosely. Além disso, a logística do dia a dia, como a falta de creches para seus filhos, dificulta ainda mais sua capacitação e empregabilidade.

Ainda que a implementação da cota de 8% seja um avanço, ela defende que a melhor forma de garantir condições dignas de trabalho para essas mulheres seria a realização de concursos públicos. “Na nossa percepção, a terceirização de serviço é sempre precarização de mão de obra. O ideal é que fossem abertas vagas para que essas mulheres pudessem ser concursadas e, a partir disso, terem melhores condições de trabalho”, ressalta. 

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