Processo foi julgado no TRT, e empregadores ainda podem recorrer da decisão
Uma trabalhadora rural resgatada em 2023 de trabalho análogo à escravidão no Sítio Paraná, em Colatina, na região centro-oeste do Estado, ganhou uma ação na Justiça do Trabalho em segunda instância, conseguindo indenização por danos morais de R$ 32 mil. Desse total, R$ 30 mil se referem à condição de trabalho a que ela foi submetida, e outros R$ 2 mil pela ausência de assinatura na Carteira de Trabalho.
O acórdão dos magistrados da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 17ª Região é do último dia 26 de novembro, mas foi divulgado pelo TRT nessa sexta-feira (31). Na decisão da primeira instância, a trabalhadora já havia conquistado o direito a verbas indenizatórias de R$ 10 mil, além de horas extras pelo período em que atuou no sítio, de 24 de abril a 29 de junho de 2023. O valor inicial da indenização por conta da condição de trabalho análogo à escravidão foi de R$ 15 mil, depois majorado pela decisão do TRT.
A trabalhadora outros 13 adultos e quatro crianças foram resgatados em condições precárias do Sítio Paraná, propriedade rural de Ademir Biazatte Lonardelli e Carla Lonardelli, com 38 hectares (o que equivale a 380 mil metros quadrados), que cultivava 12 mil pés de café.
De acordo com o relatório de inspeção dos auditores do trabalho, citado no processo, os trabalhadores ficavam alojados em quatro quartos pequenos, adaptados de depósitos de fertilizantes. Havia cinco beliches em uma área de 7,5 metros, apenas com colchonetes e espumas e sem fornecimento de roupa de cama. Foi encontrada uma abertura na cobertura de fibrocimento, permitindo exposição à água da chuva e ao frio, e uma fiação elétrica também ficava desprotegida.
Ainda segundo o relatório, a água consumida vinha de uma caixa-d’água sem cobertura, com acúmulo de lodo e corpos estranhos, sem filtragem, e trabalhadores sofreram disenteria e diarreia. Existiam apenas dois sanitários no alojamento, em condições precárias de higiene e limpeza, sendo que a água para o banho era proveniente de um cano na parede de um dos banheiros. Não havia água quente, apesar do frio. Além disso, “o esgoto sanitário era despejado na parte posterior do alojamento que, apesar da fossa, permitia o vazamento para o exterior quando cheia e por ocasião das chuvas, exalando mau cheiro”.
Outro ponto relatado é que “não existiam alimentos disponíveis, o freezer e a geladeira contavam apenas com mandiocas e alguns condimentos, sendo destacado que os trabalhadores ainda não haviam se alimentado no dia da fiscalização, realizando a última refeição (mandioca cozida) no dia anterior”. Também não eram fornecidos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) aos trabalhadores, com exceção de algumas luvas, e também não havia sanitários nas frentes de trabalho. Os locais de refeição não possuíam cobertura.
A trabalhadora informou no processo que trabalhava de segunda a sexta-feira, das 6h às 16h, com intervalos de 20 minutos interjornadas. O salário pactuado foi de R$ 20 por saco de café por dia, sendo que colhia em média oito sacos diariamente, recebendo R$ 800 por semana e R$ 3.520 por mês (em média). Apesar disso, só recebeu R$ 3 mil durante todo os meses em que trabalhou no sítio.
De acordo com o relatório, os empregadores argumentaram na fiscalização que não havia verbas rescisórias devidas, porque as dívidas dos trabalhadores com aquisição de alimentos nos mercados autorizados por eles superava R$ 40 mil.
Durante o processo, os empregadores tentaram argumentar que não havia carteira assinada porque os funcionários ganhavam por produção. Sobre as condições de trabalho, pontuaram que “a atividade rural, por ser desenvolvida a céu aberto, com exposição ao sol e à chuva, é notadamente mais penosa e não deve ser confundida com trabalho degradante”.
Os empregadores também tentaram recorrer do pagamento das verbas rescisórias, por considerarem que os valores já haviam sido acertados após a fiscalização do Ministério do Trabalho, e da indenização por danos morais, pelo fato de terem arcado com R$ 20 mil por danos morais coletivos.
Entretanto, o desembargador Mário Ribeiro Catarino Neto, relator do processo do TRT, considerou que a multa por danos morais coletivos não era um impedimento para que a vítima buscasse seus direitos individuais. Além disso, restou comprovada a situação de trabalho degradante e o vínculo empregatício superior à jornada de 44 horas semanais, estabelecida como limite na legislação trabalhista nacional.
ES em sétimo lugar nacional
O Espírito Santo fechou o ano de 2024 com 59 pessoas resgatadas de trabalho análogo à escravidão. O número representa uma queda de 23,37% em relação a 2023, quando foram resgatados 77 trabalhadores. Ainda assim, o Estado capixaba foi o sétimo do Brasil com maior quantidade de pessoas retiradas desse tipo de situação no ano passado.
Os números foram divulgados nessa terça-feira (28) pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), na data em que se comemorou o Dia Nacional do Combate ao Trabalho Escravo e o Dia Nacional do Auditor-Fiscal do Trabalho – celebrada com uma programação especial em Brasília, com transmissão pela internet.
Em território capixaba, as colheitas de café são os locais em que mais se resgata trabalhadores em situação análoga à de escravidão. No Brasil, a cafeicultura foi a segunda atividade econômica com mais pessoas encontradas em situação de trabalho degradante (214) em 2024. Outras atividades econômicas com grandes números nesse incômodo ranking foram: construção de edifícios (293); cultivo de cebola (194); serviço de preparação de terreno, cultivo e colheita (120); e horticultura, exceto morango (84).
Ao todo, em solo capixaba, 990 trabalhadores em condições análogas a de escravizados foram resgatados pelas inspeções, desde o início da série histórica até 2023, de acordo com o Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil.
Os 15 municípios capixabas com mais autos de infração no período relacionados a essa questão incluem: Linhares (162); Conceição da Barra (156); Brejetuba (102); Rio Bananal (70); Pedro Canário (68); Vila Valério (59); Castelo (52); Pancas (47); Pinheiros (47); Governador Lindenberg (46); São Mateus (46); Jaguaré (44); Sooretama (42); Vargem Alta (38); e São Domingos do Norte (37).