Ex-presidente não pode se candidatar até outubro de 2030
Além da tentativa de golpe no final de 2022, Jair Bolsonaro (PL) esteve envolvido em outros esquemas que foram noticiados nos últimos tempos, tais como o caso das joias e o da fraude dos cartões de vacinação. O esquema de negociação ilegal de joias por delegações estrangeiras à Presidência da República, por exemplo, teve Bolsonaro e outras onze pessoas sendo indiciadas em julho do ano passado.
Neste caso das joias, Bolsonaro foi indiciado pelos crimes de organização criminosa, lavagem de dinheiro e peculato. No caso das fraudes dos cartões de vacinas, Bolsonaro, Mauro Cid e mais 14 aliados foram indiciados pelos crimes de associação criminosa e inserção de dados falsos em sistemas de informações. Este inquérito é o que envolve a suposta fraude de cartões de vacinação da Covid-19.
A investigação do caso dos cartões de vacinação começou a partir da suspeita, por parte da Polícia Federal, de que Mauro Cid, além de outros assessores, teriam ajudado na emissão de cartões falsos de vacina contra a Covid-19 do então presidente Jair Bolsonaro e de sua filha. Tal falsificação, por fim, era a garantia da entrada de ambos nos Estados Unidos no final de 2022, antes da posse de Lula como novo presidente.
Mesmo com Jair Bolsonaro negando seu conhecimento sobre a falsificação, a Polícia Federal detectou registros do acesso da conta associada ao ex-presidente no aplicativo ConecteSus, o sistema do Ministério da Saúde que emite o certificado de vacinação, de dentro do Palácio do Planalto, por Mauro Cid, para a emissão de comprovantes falsos de vacinação contra a Covid-19.
Por tal acesso ter sido feito no próprio Palácio do Planalto, a Polícia Federal levanta a hipótese de que Jair Bolsonaro estava ciente de tudo. Além disso, tal fraude se estendeu à emissão de cartões para Mauro Cid, sua mulher e as três filhas do casal, e mais dois assessores do então presidente. Todo este movimento estava ligado à entrada dessas pessoas nos Estados Unidos.
Jair Bolsonaro foi condenado, ainda, a oito anos de inelegibilidade. Tal condenação se fundamentou em dois processos separados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O primeiro foi em junho de 2023 e envolveu a condenação do ex-presidente por abuso do poder político no famigerado convescote que ridicularizou a diplomacia, o que se traduziu numa reunião de embaixadores estrangeiros, em Brasília, meses antes das eleições presidenciais, usando meios de comunicação do governo para persuadir das suspeitas e dúvidas levantadas contra a integridade do sistema eleitoral.
O segundo processo no TSE se deu em outubro de 2023, desta vez tanto por abuso do poder político como econômico, uma vez que Bolsonaro usou recursos públicos nas comemorações do Dia da Independência do Brasil, em seu bicentenário, em 2022, para fazer campanha eleitoral.
Toda esta movimentação de contestação das urnas e depois a tentativa de golpe fracassada dos kids pretos, além da série de prisões efetuadas contra fanáticos bolsonaristas que depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília, numa tresloucada, porém orquestrada, tentativa de golpe, levou a uma radicalização cada vez maior de parte da população que aderiu às ideias extremistas e reacionárias de uma direita antidemocrática e intervencionista, que muitas vezes pode se associar a um tipo de neofascismo, e nos bas-fonds mais obscuros, até ao neonazismo.
Foi neste contexto de radicalização que podemos inserir mais um caso exótico, tragicômico, em que um senhor, em surto delirante, morreu na Praça dos Três Poderes, deitado sobre um artefato que explodiu, isso depois de ter lançado explosivos na direção do Supremo Tribunal Federal (STF). Este senhor vinha de uma saga de postagens nas redes sociais, nas quais atacava o STF e pedia urnas eleitorais auditáveis.
Era um senhor em sofrimento psíquico, que ao fim deixou um recado de tom messiânico e se vendo como um tipo de mártir: “Não chores por mim! Sorria! Entrego minha vida para que as crianças cresçam com liberdade (…) Aqui de cima posso ver claramente as cores do nosso lindo e amado Brasil, verde, amarelo, azul e branco. Somos uma nação abençoada!”. Este senhor se chamava Francisco Wanderley Luiz e já tinha sido candidato pelo PL.
Na antevéspera do que seria a invasão dos Três Poderes em Brasília, no dia 8 de janeiro de 2023, Jair Bolsonaro, após a decretação do resultado eleitoral com a vitória de Lula, não reconheceu, de imediato, a sua derrota, rompendo a tradição política de manifestação pública dos candidatos após a divulgação do resultado das eleições.
Bolsonaro só se pronunciou 40 horas depois, com declarações ambíguas: “Os atuais movimentos populares são fruto de indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral. As movimentações pacíficas sempre serão bem-vindas, mas os nossos métodos não podem ser o da esquerda, que sempre prejudicaram a população”.
No caso da depredação das sedes dos Três Poderes, o episódio levou à detenção de mais de 2 mil pessoas nos dias 8 e 9 de janeiro de 2023, com 1,4 mil pessoas permanecendo presas nas primeiras semanas de 2023. A condução dos inquéritos foi conduzida pela PGR (Procuradoria Geral da República), realizando investigações em parceria com a PF (Polícia Federal), e ofereceu denúncias contra manifestantes ao STF.
Os casos aceitos pelo Supremo, por sua vez, fizeram com que investigados passassem a ser réus em ações penais na Corte, com pelo menos 1,5 mil denúncias da PGR aceitas pelo STF e que viraram ações penais. Por sua vez, familiares e defensores destes réus contestaram que os julgamentos sejam feitos na Corte ao invés de em instâncias inferiores.
Além destas contestações, foram registradas iniciativas de parlamentares de direita que atuam para o avanço de projeto de lei para a concessão de anistia a crimes políticos e eleitorais cometidos no contexto das eleições de 2022 e dos ataques de 8 de janeiro de 2023.
Sobre a PL da Anistia, o então presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), criou no fim de outubro uma comissão especial para discutir o assunto. Com isso, ele retirou a PL da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), evitando o tema no debate envolvendo a sucessão na Presidência da Câmara.
A comissão especial deverá ter 34 membros. Caso uma proposta seja aprovada ali, esta seria encaminhada, em seguida, para votação no Plenário. Não há, por enquanto, cronograma definindo a data de início do trabalho da comissão. Mesmo com a sensação de vitória para apoiadores de Jair Bolsonaro, com esta comissão especial, Lira também retirou a tramitação de outro projeto de lei de anistia, este de autoria do Major Vitor Hugo (PL-GO), da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
A questão da anistia virou moeda de troca no apoio a candidaturas à presidência da Câmara, com o PL condicionando seu apoio ao avanço da ideia, e o PT, o contrário. As duas Casas do Congresso elegeram Hugo Motta (Republicanos-PB) o novo presidente da Câmara, e Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), do Senado.
No Senado, por sua vez, existe outro projeto de lei de anistia, este de autoria de Hamilton Morão (Republicanos-RS), que foi vice-presidente de Jair Bolsonaro. O projeto está em consulta pública, com reclamações de parlamentares de oposição sobre a demora na tramitação no Senado. Para saber, a Constituição prevê que o Congresso Nacional possa conceder anistias. Contudo, também há projetos que buscam uma anistia a Bolsonaro no sentido de reverter sua inelegibilidade, pela qual o ex-presidente não pode se candidatar a nenhum cargo eletivo até outubro de 2030.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
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