sábado, fevereiro 15, 2025
31.9 C
Vitória
sábado, fevereiro 15, 2025
sábado, fevereiro 15, 2025

Leia Também:

‘Estão mantendo essas pessoas em condições desumanas’ 

Advogado denuncia violações de direitos em manifestação contra Samarco 

Pescadores da Associação Renovo do Vale permanecem nesta sexta-feira (14) no escritório da Samarco/Vale-BHP, em Baixo Guandu, noroeste do Espírito Santo, completando quatro dias de manifestação. O grupo protesta contra o “Termo de Transação para Indenização e Quitação Aplicável ao Programa de Indenização Mediada (PIM) – Lucros Cessantes Definitivos”, previsto no acordo de repactuação firmado para reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, em 2015.

O advogado que representa os pescadores, Paulo Moreira, divulgou um vídeo em que denuncia a violação de direitos e restrição de acesso a seus clientes dentro do escritório da Samarco. “Os pescadores de Baixo Guandu e Aimorés e Resplendor [os dois últimos, municípios de Minas Gerais] reivindicam o direito deles que foi cerceado pelas autoridades e instituições brasileiras quando firmaram o acordo da repactuação. Eles estão reivindicando o que é de direito deles aqui”, defende.

Arquivo Pessoal

Segundo ele, os manifestantes estavam sendo impedidos de se comunicar com a equipe de defesa, o que só ocorreu nesta sexta. “A prerrogativa de um advogado me garante um contato direto com os meus clientes. Isso é uma violação. Estão mantendo essas pessoas em condições desumanas aqui dentro. Irresponsabilidade. Mais um crime que a Fundação Renova está cometendo”, denuncia.

Paulo Moreira denuncia condições desumanas e violação de direitos fundamentais, como o cerceamento do direito de ir e vir e impedimento do contato direto com a família. “Eles vieram aqui no horário de funcionamento, sentaram e pediram o atendimento com a diretoria jurídica da Renova. Disseram que iriam conversar e dar um retorno, mas depois inventaram desculpas, enrolaram e a jurídica não veio atender”, afirmou. “O único avanço que conseguimos até agora foi a minha entrada para conversar com meus clientes”, relata.

Ele defende que os pescadores devem ter um atendimento e uma resposta formal sobre suas reivindicações. “A orientação que dei é que precisamos esperar esse direito de resposta”, pontuou. A única presença de um órgão público no local foi a da polícia, que, segundo ele, intimidou os manifestantes. “A polícia exigiu documentos e ameaçou conduzir os pescadores ao DPJ, mesmo sem haver crime ou violação de direitos. Isso é revoltante e inaceitável”, afirmou.

Wellington Pereira de Carvalho, presidente da Associação Renovo do Vale, reafirma que a ocupação continuará até que haja garantias documentadas de que suas reivindicações serão atendidas. “A polícia, quando chega, entra a hora que quer. E eles continuam violando nossos direitos”, relata. 

Os pescadores cobram a reabertura das negociações sobre os pagamentos de lucro cessante, que eram recebidos anualmente. Eles contestam cláusulas do acordo, especialmente aquelas que impõem quitação irrestrita, renúncia a futuras ações judiciais e descontos tributários sobre as indenizações. “A cláusula do acordo de repactuação não pode ser mudada, mas nós queremos negociar o acordo específico sobre lucro cessante”, explica Wellington. 

O advogado também criticou o acordo de repactuação, que teria prejudicado os pescadores ao prever indenizações insuficientes. “Na repactuação, na página 205, cláusula 31, está escrito que os lucros cessantes dariam quitação final e definitiva somente nesse item. Mas a proposta da Renova e da Samarco extrapola isso, afirmando que o pagamento dos lucros cessantes quitará todos os danos. Isso não pode acontecer. Os pescadores querem o que é de direito deles: uma indenização justa e a retirada dessa cláusula de quitação total dos danos”, explicou.

Ele reforça que continuará no local até que os pescadores recebam uma resposta. “Só vou embora daqui quando houver uma decisão. Vou dormir na porta esperando uma resposta, mas não deixarei essas pessoas desamparadas”, acrescentou.

No vídeo, o advogado pede providências da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e de órgãos de direitos humanos para coibir as violações. “Estou encaminhando esse vídeo para a OAB, peço à Erica, que é a nossa presidente estadual, que tome as providências”, afirmou. Ele solicita que as denúncias sejam encaminhadas para a Comissão de Direitos da OAB, para que acionem os órgãos de direitos humanos estadual e nacional em busca de providências, e a Corte Interamericana e Tribunal de Haia.

A repactuação prevê que a Samarco e suas acionistas, Vale e BHP, destinem R$ 31,5 bilhões para ações de reparação direta, abrangendo indenizações e assistência às comunidades atingidas. No entanto, os manifestantes apontam que ainda há incertezas sobre a forma como esses recursos serão distribuídos e consideram que os impactos do crime na vida dos pescadores não estão sendo devidamente levados em conta. Eles relatam que, desde a assinatura do acordo, não houve diálogo sobre as próximas etapas e alegam a falta de informações sobre o futuro. 

Outra preocupação do grupo está relacionada à substituição do Auxílio Financeiro Emergencial (AFE) pelo Programa de Transferência de Renda (PTR), que prevê um aporte de R$ 3,75 bilhões para agricultores familiares e pescadores. O programa estipula o pagamento de 1,5 salário-mínimo por até 36 meses, seguido de um salário-mínimo por mais 12 meses, mas, segundo o presidente da associação de pescadores, esse valor não é suficiente para compensar as perdas financeiras que eles continuam enfrentando. 

O presidente da associação relata que muitos pescadores hoje vivem com um salário mínimo e um adicional de 20% por dependente, uma realidade que nunca fez parte de suas rotinas. Além disso, destaca que vários deles agora problemas de saúde mental, enquanto suas famílias sofrem com depressão, ansiedade e pressão alta, em decorrência do crime socioambiental das mineradoras, que contaminaram o rio, elemento central para os modos de vida da comunidade.  

O grupo exige um posicionamento da Samarco e das instituições responsáveis pela gestão da reparação dos danos do desastre. Até o momento, não houve um pronunciamento oficial da empresa sobre as denúncias de violações e restrição de acesso aos advogados. 

Mais Lidas