Se todo ser humano perdeu sua metade, alguém por aí está com a minha!
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Nilda tem muitos predicados e as amigas a invejam por isso, mas Nilda inveja as amigas – todas casadas, algumas já com filhos, outras na segunda ou terceira tentativa – ela é a única solteira! Mesmo bem educada e cheia de charme, Nilda nunca teve um namorado, um caso, um romance, um ficante, um amor, enfim – alguém que se materializasse na sua frente como a outra metade perdida nesse vasto mundo. Se todo ser humano perdeu sua metade, alguém por aí está com a minha!
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Nilda esquece que a felicidade é maleável e não depende de milagres, mas já tentou de tudo e nunca alcançou o almejado final feliz. E nem é exigente, qualquer um que bater em sua porta será bem-vindo, sem discriminação de raça, cor, credo, religião, status social, conta bancária, tipo de sangue, ficha limpa ou manchada, tendência sexual, nacionalidade, preferência esportiva, classificação de filmes, ou tipo de exílio: legal ou correndo do Trump?
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Mas onde encontrar essa ovelha desgarrada do rebanho disponível no mercado? Em sua busca incansável, Nilda se tornou adepta de todos os esportes, seja na areia, no ar ou nas vias aquáticas. Frequenta qualquer estádio e torce pelo time de quem sentar sozinho ao seu lado. Não perde corrida de cavalo nem de carro, briga de galo ou de boxe. Sai todas as noites e frequenta todos os locais citados na mídia. Mesmo assim…
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Domingo tem jogo, e lá vai Nilda enfrentar mais um embate. Terminada a partida…minha senhora, esse guarda-chuva é meu./ Senhora não, senhorita, faz favor!/ Desculpe, só quero meu guarda-chuva…/ Está insinuando que roubei esse objeto? / Não, apenas vejo que a senhora… / Senhorita! / Desculpe, mas eu vim com um guarda-chuva e quero voltar com ele. / O senhor está certo, mas…/ Não sou senhor de ninguém…
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A discussão se estica e Nilda sugere: Não tem mais ninguém aqui, alguém pode aparecer e roubar meu guarda-chuva…/ Seu, não! Tenho certeza que esse… / Vamos resolver esse assunto ali no quiosque da esquina… dividimos uma Coca-cola. / Só tem Pepsi! / Podemos dividir uma pizza… / Não, só quero o guarda-chuva que peguei emprestado e preciso devolver. / Sorte que não choveu… ah, vagou uma mesa ali… / Olha, gentileza, tenho que pegar o último ônibus… / Posso te deixar em casa, afinal, você perdeu seu guarda-chuva e ainda pode chover… / Não perdi, está na sua mão…
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Nilda: Está insinuando que ando por aí roubando coisas? / Não disse que roubou, mas está confundindo alhos com bugalhos… / Olha, anota o número do meu celular… quando chegar em casa e encontrar seu guarda-chuva, liga pedindo desculpas. / Isso não vai acontecer. / Então me dá seu número que eu ligo. / Nem pensar! / Última prova: me diz o nome do fabricante do seu guarda-chuva… / O quê? Nenhuma pessoa normal saberia … / Está na etiqueta por dentro!
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Comemorando as Bodas de Prata vinte e cinco anos depois, ele levanta o copo de Pepsi: um brinde ao guarda-chuva, e nem choveu naquele domingo! Nilda: E eu nunca tive guarda-chuva!