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Ufes aprova cassação de títulos de ditadores

Decisão anula honrarias concedidas a Médici, Castelo Branco e Rubem Ludwig

A cassação dos títulos de Doutor Honoris Causa concedidos aos ex-presidentes Emílio Garrastazu Médici e Humberto de Alencar Castelo Branco e de Rubem Carlos Ludwig, ministro da Educação no governo João Batista Figueiredo, foi aprovada por unanimidade pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). A decisão foi debatida nesta quinta-feira (27), em reunião do Conselho Universitário, e será oficializada em solenidade realizada no dia 1º de abril, quando o golpe militar completa 61 anos.

Castelo Branco em solenidade de entrega de título de Doutor Honoris Causa. Foto: Arquivo/Ufes

O relatório em defesa da cassação foi apresentado por Maurício Abdalla, professor do Departamento de Filosofia e integrante da Comissão de Assuntos Didáticos, Científicos e Culturais, que tem como uma de suas atribuições avaliar as cessões de títulos de Doutor Honoris Causa.

Maurício, no momento do debate, fez críticas àqueles que afirmam que, com a iniciativa da universidade, a instituição de ensino “está tomando posição”. “Muita gente fala que a universidade está tomando posição, como se fosse uma questão partidária, ideológica”, disse. Ele exemplificou com a discussão sobre o formato da Terra, já que muitos insistem, embora a ciência diga o contrário, que ela é plana.

“Quando se diz que a Terra é plana, isso não vai ser colocado no currículo dos cursos de Física e Astronomia, por ser a opinião de alguns. A universidade vai tomar posição e dizer ‘a Terra é esférica”. E acrescentou: “assim como toma posição diante dos fatos históricos levantados por ela por reconhecimento rigoroso”.

A vice-reitora, Sonia Lopes, defendeu que a universidade deve “revisar criticamente sua história” e que a cassação dos títulos é um ato de defesa da “democracia, direitos humanos e justiça histórica”, além de “reforçar o papel da universidade como guardiã da memória e da democracia”. Destacou, ainda, que a ditadura militar foi marcada por “grave violação de direitos humanos, censura e restrições a liberdades fundamentais”. O reitor, Eustáquio de Castro, informou que, apesar de estar de férias em abril, vai participar da solenidade de cassação dos títulos virtualmente.

O título de Doutor Honoris Causa é a maior honraria da universidade e, segundo o estatuto da Ufes, é destinado para pessoas que contribuíram para ações da ciência, artes e cultura, e causas do país e da humanidade.

Comissão da Verdade

O debate sobre a cassação dos títulos foi provocado, inicialmente, pela Comissão da Verdade da Ufes (CVUfes), que em 2017 apresentou um relatório na instituição de ensino com recomendações, uma delas, a cassação dos títulos. Maurício Abdalla representava a Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória (CJP) no Comitê Estadual para a Prevenção e Erradicação da Tortura no Espírito Santo (Cepet), para onde levou a discussão.

O Cepet, então, com base no parecer da Comissão da Verdade, solicitou à Reitoria, que na época era comandada por Reinaldo Centoducatte, a cassação. Contudo, não houve resposta por parte da universidade. Em 2018, Maurício contatou novamente a Reitoria sobre o assunto, e permaneceu sem resposta. Contudo, em março de 2024, o Ministério Público Federal (MPF) expediu um ofício para a Reitoria, comandada na ocasião por Paulo Vargas, recomendando a revisão de homenagens e títulos concedidos pela universidade a apoiadores e autoridades da ditadura.

O assunto foi tratado na primeira sessão do Conselho Universitário daquele ano, em março. No mês seguinte, já na gestão do reitor Eustáquio de Castro, foi encaminhado um oficio ao Conselho para apreciação do tema. Como o documento do MPF fazia menção somente a Emílio Garrastazu Médici e Rubem Carlos Ludwig, Eustaquio, no ofício, incluiu o nome do marechal Humberto de Alencar Castelo Branco após uma conversa com o professor Pedro Ernesto Fagundes, membro da CVUfes, que informou que Castelo Branco também havia recebido o título. No caso da concessão do título a Castelo Branco, não há registros documentais na universidade, somente fotográficos.

Relatos

Segundo Maurício, o ofício do MPF, com base na Comissão da Verdade, relatou diversas ações de violação de direitos humanos no âmbito da universidade durante o regime militar, começando em 1964, ano do golpe, quando o então reitor, Manoel Xavier Paes Barreto Filho, foi destituído. Recorda, ainda, que em 1968, no XXX Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), em Ibiúna, São Paulo, no qual mais de 700 estudantes foram presos, 13 eram alunos da Ufes e da Faculdade de Farmácia.

Outra situação de violação relatada foi em março de 1971, durante o Governo Médici, quando nove pessoas foram presas e levadas para o quartel do 3º Batalhão de Caçadores, em Vila Velha, atual 38º Batalhão de Infantaria do Exército. Entre essas pessoas estavam quatro estudantes da Ufes, submetidos a torturas no DOI-CODI. Uma das estudantes, Laura Maria da Silva Coutinho, inclusive, teve um aborto por causa da violência praticada contra ela, que incluiu, por exemplo, pau de arara, palmatória, choques elétricos na vagina, nos seios e na língua. 

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