Teremos por acaso uma escassez de pedras nesse inverno?
O poeta vagava distraído quando de repente… no meio do caminho tropeçou numa pedra. Tropeçar todos nós tropeçamos, mas sempre teremos pedras para contornar ou escalar. O poeta deixou a sua onde estava e seguiu em frente – nos olhos de quem sabe ver, até pedra faz poesia. De pedra em pedra pavimentei meu caminho, e cada uma delas guarda uma história que não inventei. Em quantas pedras tropeçamos, muitas para uns, poucas para uns poucos, leves às vezes, mas nem sempre. O empecilho de um pode ser a alavanca do que vem atrás.
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Momentos houve que pisei em chão de estrelas mas só vi pedras, momentos houve em que as pedras no chão viraram estrelas… é que tudo tem seu momento, e como Clarice, cada qual conhece sua hora de ser estrela. Victor Hugo fez da pedra uma utilidade: “Do atrito de duas pedras chispam faíscas; das faíscas vêm o fogo; do fogo brota a luz.” A jornada é longa e a estrada é estreita, a pedra em que tropeçamos pode ser o suporte para sentar e refletir sobre o que aprendemos durante a jornada.
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Sócrates: “Transforme as pedras que você tropeça nas pedras de sua escada”. Nos tempos em que Sócrates filosofava pelo mundo, houve um homem solitário que colecionava pedras. Saía cedo todas as manhãs, sempre na procura por uma pedra maior e mais bonita do que as que já guardava em casa. Pedras não faltam em qualquer lugar, e o homem nunca voltava de mãos vazias.
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Pra quê tantas pedras, perguntavam os vizinhos. Outros zombavam. Teremos por acaso uma escassez de pedras nesse inverno? O homem os ignorava, e mais pedras ia juntando… Morreu, como todos morrem, mas as pedras continuaram lá, enchendo os cômodos, agarrando-se às paredes, entulhando o quintal. Quando houve a grande enchente e as casas desmoronaram, correram todos para a casa abandonada do velho maluco, que as pedras mantiveram de pé…
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De Cora Coralina: “Fiz a escalada da montanha da vida removendo pedras e plantando flores”. Muitas vezes é a dureza das pedras que sustenta a fragilidade da roseira. De William Shakespeare, o bardo: “No mesmo instante em que recebemos pedras em nosso caminho, flores estão sendo plantadas mais adiante. Quem desiste não as vê”. Adélia Prado foi mais realista: “Deus de vez em quando me tira a poesia e eu olho pedras e vejo pedras mesmo… Eu olho Adélia e vejo poesia.
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Jesus disse: Pedro, tu és pedra. Somos todos pedras, filhos diletos do mesmo Deus, imbuídos com a mesma força para levantar a cada vez que tropeçamos e pés que nos empurram para a frente. Na próxima curva com certeza tropeçaremos em outras pedras – mas quem consegue andar sobre a areia movediça?