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‘Não paga toda agressão que é feita’: ZPE em Aracruz preocupa moradores

Conselho autorizou mudança de local da Zona de Processamento para atender a empresas

Área adquirida em 2024 fica próxima ao porto Imetame – Foto Reprodução

O recente movimento do Grupo Imetame, autorizado pelo Conselho Nacional das Zonas de Processamento de Exportação (CZPE) a transferir a localização da ZPE em Aracruz, no norte do Espírito Santo, reforça os questionamentos sobre os impactos socioambientais da expansão dos empreendimentos industriais no território, já atingido pela Suzano (ex-Aracruz Celulose e ex-fibria), pelo Estaleiro Jurong e pelo complexo portuário formado pelo Portocel, da Suzano, e Nutripetro. A nova área de 500 mil m², localizada na Rodovia ES-010, próximo à comunidade de Barra do Riacho, formada por pescadores artesanais, foi adquirida por R$ 25 milhões, e é anunciada como promessa de gerar mais benefícios logísticos e tributários para o grupo, que já acumula um histórico de impactos na região.

Para os moradores do balneário, que ao longo das últimas décadas têm sofrido com a deterioração ambiental e social, a mudança da ZPE é apenas um reflexo de um processo que já está em curso há mais de 50 anos. Herval Nogueira, morador e ativista socioambiental, alerta para o agravamento das mazelas que afligem a comunidade. “As promessas de desenvolvimento não pagam toda agressão que é feita”, observa. Segundo ele, a instalação do terminal portuário do Grupo Imetame é parte de uma série de projetos que estão “abocanhando” o território local e exacerbando os problemas sociais e ambientais, como a poluição da água e do ar e o enfraquecimento das atividades pesqueiras, fundamentais para a economia local.

Arquivo Pessoal

Ele recorda a audiência pública de 2018, quando a comunidade se manifestou contra a expansão do terminal. A participação da população, no entanto, foi em vão. “Antes de o prazo técnico ser finalizado, já estava tudo deliberado. Nem as regras que favorecem a empresa são seguidas”, afirmou. Na época, recorda, o governo estadual, a Imetame e autoridades locais celebravam o avanço do projeto, enquanto a comunidade ainda aguardava informações técnicas completas sobre os impactos.

Herval alerta para a falta de clareza sobre quais empresas irão se instalar na nova ZPE ainda preocupa a população, diante da incerteza sobre os tipos de indústrias que ocuparão o local. “Não sabemos o que será instalado. Será fábrica de fertilizantes? Peróxido de hidrogênio? Qual é a garantia de que não será uma empresa tóxica?”, questiona Herval, que critica a falta de transparência e a desinformação por parte das autoridades responsáveis.

Para ele, esse episódio reflete uma constante nos processos de licenciamento e autorização de grandes projetos industriais na região, e a facilidade das autoridades públicas em atender aos interesses dos grandes empresários, ignorando o impacto sobre as comunidades locais. “É uma entrega sem nenhum debate, sem envolver os atores, e sem enriquecer a discussão”, critica ele, frisando a fragilidade nas estruturas de fiscalização ambiental que permitem que esses projetos avancem sem a devida análise e controle.

“O Iema [Instituto Estadual de Meio Ambiente] e a Secretaria de Meio Ambiente de Aracruz estão sucateados. Não há técnicos suficientes para garantir que as empresas cumpram suas obrigações. Fica muito fácil para os grandes empresários burlarem as regras”, afirma. Ele também denuncia a falta de debates públicos e o tratamento do processo “a portas fechadas”, em que os compromissos sociais são mínimos e mesmo assim não são cumpridos, avalia, ao recapitular o modus operandi dessas empresas. A constatação das lideranças comunitária é de que os projetos econômicos desenvolvidos na região beneficiam majoritariamente um pequeno grupo empresarial, que ainda recebe anistias fiscais significativas.

A história da expansão industrial em Aracruz, que inclui a mudança de poligonais para favorecer a então Aracruz Celulose (atual Suzano e ex-Fibria) e a concessão de licenças ambientais à Imetame sem os devidos estudos completos, revela um padrão de práticas que prejudicam as comunidades locais. “Barra do Riacho é a mais destruída social, econômica e ambientalmente. O que vemos é a usurpação do território da comunidade, com um preço altíssimo para a qualidade de vida de quem ali vive”, conclui Herval, que há anos luta contra os danos ambientais e sociais impostos pelas grandes indústrias na região. A questão ambiental também se intensifica com a construção de um quebra-mar no litoral, uma obra que, segundo Herval, tem afetado a geografia marítima da região, assoreando praias e prejudicando a pesca local. “O impacto é profundo para a comunidade”, reforça.

A trajetória do porto da Imetame é marcada, entre os muitos desmandos, pela cessão, em 2016, de R$ 70 milhões de financiamento, por meio do Fundo do Desenvolvimento e Participações do Estado (Fundepar-ES), que é operado pelo Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo (Bandes). A instalação do porto da Imetame na margem direita do Rio Riacho, voltado para atender a Petrobras, e do porto da Nutripetro na margem esquerda, destinado às plataformas de petróleo, tem agravado a perda dos espaços de pesca e lazer da comunidade. Além disso, o licenciamento ambiental da primeira fase do porto da Imetame foi envolto em polêmicas, especialmente após a autorização, em 2014, para o desmatamento de 11 mil hectares de restinga, decisão tomada pelo Conselho Regional de Meio Ambiente (Conrema).

Com a ampliação da ZPE e as indefinições sobre o impacto das empresas que ali se instalarão, ele denuncia que a comunidade de Barra do Riacho continua a ser marginalizada nos processos de decisões cruciais sobre seu futuro, sem garantias contra os efeitos devastadores da expansão econômica sobre o território.

Mesmos grupos

A Zona de Processamento de Exportação (ZPE) de Aracruz é a primeira ZPE privada do Brasil, criada por decreto presidencial assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em outubro de 2023. As ZPEs são consideradas zonas primárias de controle aduaneiro, destinadas à produção de bens voltados à exportação e à prestação de serviços relacionados a essa atividade. Empresas instaladas nessas zonas recebem incentivos fiscais e tributários, além de uma redução significativa na burocracia, por um período mínimo de 20 anos.

A secretária de Governo de Aracruz, Jeesala Coutinho, destacou que a alteração foi uma medida adotada pelo governo federal e explicou que a nova área adquirida está mais próxima ao Porto Imetame, tornando a mudança uma escolha mais adequada. “No ano passado, o município realizou o leilão de uma área adquirida pelo grupo e essa área está mais próxima do porto do que a área que inicialmente eles tinham pensado para fazer a ZPE. E com a aquisição desta nova área, eles pediram a transferência para este local”, afirmou.

Após a resolução do CZPE, o próximo passo será o processo de licenciamento ambiental, de responsabilidade da empresa, explicou o secretário de Desenvolvimento Econômico de Aracruz, José Eduardo Faria de Azevedo, que comandou a mesma pasta no governo Hartung. Ele justifica que o principal fator que motivou a solicitação de mudança foi a infraestrutura já existente na nova área, com acesso direto ao Ramal Piraqueaçu, da Ferrovia Vitória-Minas, energia elétrica, abastecimento de água e maior proximidade com os portos da cidade.

A decisão favorável do Conselho também favorece negociações que estavam em andamento e dependiam da definição sobre a localização da ZPE. “A ZPE é um equipamento essencial para atrair bons projetos para a região e para a cidade. Ela contribuirá para a geração de empregos e o desenvolvimento de atividades alinhadas à nossa vocação portuária e de exportação, tendo forte sinergia com os projetos portuários já existentes”, enfatiza.

No entanto, lideranças comunitárias denunciam que os projetos econômicos desenvolvidos na região beneficiam apenas o conglomerado de empresas das áreas de logística, petróleo e gás, que recebe anistias fiscais significativas, enquanto as promessas de empregabilidade não chegam para os moradores da comunidade tradicional. Ressaltam, ainda, que apesar do impactos contínuos causados por grandes empreendimentos, as oportunidades de trabalho, quando ofertadas, são em funções de menor remuneração.

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