Valdirene afirma que postura de Rafael Barbosa (PDT) em sessão da Câmara será judicializada

A vereadora Professora Valdirene (PT) e professoras da rede municipal de ensino de São Mateus, no norte do Estado, denunciaram o também vereador Rafael Barbosa (PDT) por violência política de gênero durante a sessão da Câmara realizada nessa segunda-feira (14). A acusação foi feita após a presidente do Conselho Municipal de Educação, Fabiane Gonçalves, ser repetidamente interrompida por Barbosa enquanto discursava na tribuna da Casa para apresentar a reivindicação da categoria pelo cumprimento do piso salarial nacional da educação básica. O caso será judicializado.
Fabiane havia sido eleita em assembleia da categoria para realizar a intervenção. O episódio foi transmitido ao vivo pelos canais oficiais da Câmara no YouTube e Facebook. Além de Fabiane e Valdirene, a dirigente do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de São Mateus (Sindserv), Rafaela Fávero, também denunciou ter sido alvo de agressões verbais e atitudes desrespeitosas por parte do vereador durante a mesma sessão.
Rafaela relata ter sido confrontada de forma agressiva no plenário e que ouviu de Rafael a frase: “lugar de chorar é na cama”. Valdirene, que também foi interrompida ao tentar garantir o direito de fala da representante do Conselho, afirmou que vai protocolar representação formal junto à Mesa Diretora da Câmara, pedindo a apuração dos fatos e a aplicação de medidas cabíveis previstas no Regimento Interno, além de ingressar com uma ação judicial para responsabilizar Rafael e garantir que situações de violência política de gênero não sejam toleradas.
“Eu sofri violência política de gênero. Eu quero, inclusive, que o Código de Ética e o decoro parlamentar seja instalado, porque isso não pode acontecer. Bater na mesa, mandar a mulher não falar e impedir de falar, isso é violência política de gênero. E nós não podemos admitir isso na nossa casa, senhor presidente, eu não tolerarei nem um dia que isso seja feito”, afirmou na ocasião, diante da tentativa de silenciamento das representantes da educação em luta por direitos.
A demora do presidente da Câmara, Wanderlei Segantini (MDB), em cortar o microfone de Rafael para garantir a fala, assim como a passividade da maioria dos parlamentares durante a sessão, também é criticada pelas envolvidas.Apenas Valdirene e o vereador Branco da Penal (PL) tentaram intervir na situação. Para elas, omissão diante de abusos configura um ato de conivência que não deve ser naturalizado. “Quando tentam silenciar uma mulher, a democracia também corre risco, porque não é feita de um único gênero, precisa ser feita pela coletividade”, defende a parlamentar.
Fabiane destacou a conotação sexista no comportamento do parlamentar. Ela relata que, enquanto discursava, Rafael a interpelava constantemente para “provocar”, exigindo que fosse feita uma “negociação”, mesmo se tratando de uma lei já vigente. Em um desses momentos, ele questiona: “Vocês chegaram a algum momento fazer alguma reunião com o prefeito [Marcos da Cozivip, do Podemos]? Vocês, sindicato, alguém do magistério responsável, chegaram a fazer?”. Sem esperar resposta, continua falando por cima: “Não, né? Pois é”.
Fabiane afirmou que o contato havia sido feito, ainda que esteja em discussão o descumprimento de uma legislação federal. “Quando se trata de legislação, o que cabe é o cumprimento. Mas como os nossos governantes sequer fazem o mínimo, que é o cumprimento da legislação, não nos resta outra alternativa”, rebateu. O parlamentar ainda retrucou que “Agora já era. É só no ano que vem”. Diante da atitude, ela não se calou. “Desculpa, vereador, mas quando você não permite a fala dos demais, você desrespeita a todos, inclusive a população”, criticou.
A dirigente do Sindserv, Rafaela Fávero, acrescentou detalhes sobre a agressividade do vereador. “Durante a fala dela, o vereador Rafael Barbosa começou a proferir ofensas, dizendo que no momento de ser aprovado no início do ano, nós mesmos votamos a favor de que não precisava [do piso salarial].” A questão mencionada pelo vereador se referia à aprovação da lei para a contratação de professores em regime de Designação Temporária (DT) para o início do ano letivo, explica, uma medida aprovada em acordo com a categoria pelos vereadores, com exceção dele, para garantir o início das aulas diante da ausência de reajuste salarial nos últimos oito anos da gestão anterior de Daniel Santana (PSDB).
“Foi lá onde eu estava, apontou o dedo na minha cara, falou que lugar da gente chorar era na cama e não ali, que nós éramos só um povinho que não mostrava força nenhuma. Então foi muito agressivo e cruel”, descreve.
Para Valdirene, o ocorrido dentro da Casa Legislativa evidencia a urgência da instauração de uma Ouvidoria da Mulher no no Legislativo mateense. “Já temos a lei, criada por uma vereadora da gestão anterior, porém esse espaço ainda não existe”, explica. “Imagine você. Se um vereador dessa Casa teve coragem, diante das câmeras, de fazer o que fez com uma vereadora e com outras mulheres que estavam no plenário, imagine o que pode um homem violento dentro de suas casa, o que são capazes de fazer”, alerta.
Na semana anterior ao episódio, a vereadora participou de um encontro na Assembleia Legislativa com a deputada Iriny Lopes (PT) e outras parlamentares para debater a implementação desse instrumento, com o objetivo de acolher denúncias, fiscalizar e propor políticas públicas de enfrentamento à violência política de gênero. “E ontem, quando cheguei para fazer essa discussão também aqui na casa, sofri essa violência de gênero”, ressalta.
A presidente do Conselho também relatou que uma dirigente do PDT, partido de Rafael Barbosa, a procurou após o ocorrido: “Ela me pediu desculpas e disse que o correto seria que o vereador se retratasse. Mas, não acontecendo isso, enquanto mulher e dirigente do partido, quis pedir desculpas por aquele comportamento inadmissível”.
Para as professoras, o caso representa a dificuldade das mulheres em ocupar e se manter em espaços políticos e públicos. “Às vezes, criticamos a falta de mulheres na política, mas só estando aqui para entender por que muitas mulheres não querem estar nesse espaço, que ainda traz dor, quando encontramos pessoas com ações sexistas como esse vereador. E nós não podemos permitir que isso continue acontecendo”, enfatizou.
Segundo Fabiane, o caso expõe não apenas uma questão de gênero, mas também de desvalorização histórica da categoria docente. “A classe dos professores nunca foi elitizada. Sempre foi desmerecida, desvalorizada aos olhos dos nossos governantes”, observa. Em São Mateus, aponta que geralmente as gestões são lideradas por pessoas ligadas ao setor empresarial, que não vivem a realidade da população. “Precisamos de representantes que usem o serviço público, que frequentem as escolas e unidades de saúde do bairro. É necessário que a classe tenha consciência de quem de fato a representa”, conclui.