sábado, abril 19, 2025
26.9 C
Vitória
sábado, abril 19, 2025
sábado, abril 19, 2025

Leia Também:

Governo regulamenta uso do nome social por servidores e estagiários

Agatha Benks diz que iniciativa representa um reforço importante às normativas já existentes

Acervo pessoal

O Governo do Espírito Santo regulamentou, por meio de uma portaria, o uso do nome social por servidores ativos e estagiários transexuais e travestis em toda a Administração Direta, Autárquica e Fundacional do Poder Executivo Estadual. A medida foi adotada em resposta à Recomendação Conjunta nº 01/2024, elaborada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e pela Ordem dos Advogados do Brasil – seccional Espírito Santo (OAB/ES).

Para a vice-presidente do Conselho Estadual LGBT+ (CELGBT+ES), Agatha Benks, a iniciativa representa um reforço importante às normativas já existentes que garantem o respeito à identidade de gênero no ambiente institucional. “Essa portaria já chega para somar, junto com as outras leis vigentes, portarias e decretos que amparam o uso do nome social. É mais um reforço para que os espaços institucionais compreendam a importância de não cometer transfobia nem ferir os direitos das pessoas trans”, afirma.

Segundo Agatha, embora a discussão sobre o uso do nome social tenha ganhado visibilidade nacional há anos, muitas instituições ainda falham em cumprir esse direito básico. “Infelizmente, muitos ainda não cumprem por escolha. O desrespeito ao nome social é uma forma de transfobia. Precisamos usar os mecanismos legais, porque temos uma legislação que equipara a LGBTfobia ao crime de racismo”, ressalta.

A nova portaria garante o uso do nome social em diversos documentos e processos administrativos, como formulários, prontuários, e-mails, crachás, comunicações oficiais, certificados de cursos e registros funcionais, mesmo que o nome ainda não tenha sido retificado em cartório.

Contudo, Agatha alerta que o respeito ao nome social é apenas o ponto de partida em uma longa jornada por direitos e dignidade. “O nome social é o mínimo, a problemática é extensa demais. A gente precisa avançar em políticas públicas realmente efetivas, que atinjam essa população de forma plena”, reitera.

Entre as principais barreiras enfrentadas pela população trans, está o acesso à saúde pública. “A transfobia nas unidades básicas de saúde afasta as pessoas trans do SUS. Falta atendimento digno, hormonização e acompanhamento especializado. Isso deveria ser garantido em qualquer postinho de saúde, mas não é”, critica.

No Espírito Santo, o Ambulatório Trans do Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes (Hucam), da Universidade Federal do Estado (Ufes), é referência no atendimento a pessoas trans, oferecendo hormonioterapia, suporte psicológico e acompanhamento para cirurgias de redesignação sexual. No entanto, desde 2019, o hospital deixou de realizar essas cirurgias por falta de estrutura e pessoal, o que motivou a abertura de um inquérito pelo Ministério Público Federal (MPF). O caso foi encaminhado ao Ministério Público Estadual (MPES), que ainda não apresentou medidas concretas.

A precariedade da saúde e a ausência de políticas públicas específicas empurram a população transgênero para a marginalização, alerta Agatha, destacando também o desafio crucial de empregabilidade. “Você vai a um supermercado, a uma loja, e não vê pessoas trans trabalhando nesses espaços. Isso se deve à exclusão e à falta de oportunidades, o que acaba levando muitas ao submundo da prostituição como única alternativa de sobrevivência. O Estado precisa pensar onde estão as pessoas trans”, defende.

A violência e o transfeminicídio continuam marcando a realidade da população trans no Brasil. O país lidera, pelo 17º ano consecutivo, o ranking global de assassinatos de pessoas trans, conforme revela o dossiê da Rede Trans Brasil de 2024. “A insuficiência de políticas públicas reflete diretamente na violência que enfrentamos. O Brasil continua sendo o país que mais mata pessoas trans no mundo. Precisamos de políticas urgentes de segurança, educação, saúde e emprego”, enumera.

Na área da educação, a Reitoria da Ufes assumiu o compromisso de criar dois grupos de trabalho (GTs) para discutir a implementação de cotas e políticas de permanência estudantil para pessoas trans, com convocação prevista ainda para este mês de abril. A medida é resultado da pressão de lideranças estudantis, docentes e ativistas LGBT+, que exigem um compromisso mais efetivo com a inclusão, nos moldes do que já é praticado em outras instituições, como a Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) e a Universidade Federal do ABC (UFABC), que adotaram cotas para transexuais e travestis.

Mesmo com alguns avanços garantidos pela luta histórica da militância LGBT+, Agatha expressa o alerta para o retrocesso imposto pelo avanço do conservadorismo e defende a necessidade dos movimentos sociais e apoiadores da população transgênero seguirem vigilantes. “Vivemos sob a sombra de uma cultura ideológica racista, machista e excludente. A era trumpista e o conservadorismo global e local têm usado a perseguição às pessoas trans como palanque político e ameaça esses direitos conquistados”, reflete.

Mais Lidas