Finalmente, as autoridades capixabas admitiram que o secretário de Justiça Ângelo Roncalli tinha conhecimento do esquema de corrupção instalado no Instituto de Atendimento Socioeducativo do Espírito Santo (Iases). Nessa quinta-feira (6), o delegado Rodolfo Laterza, que comanda a operação (Pixote) que apura irregularidades nos contratos entre a autarquia subordina à Sejus e a Associação Capixaba de Desenvolvimento e Inclusão Social (Acadis) – entregou o relatório das investigações ao Tribunal de Justiça (TJES).
O relatório aponta que o secretário fora informado sobre os indícios de corrupção nos contratos firmados com a Acadis, organização social comandada pelo colombiano Gerardo Mondragón, que continua preso, assim como a ex-diretora-presidente do Iases, Silvana Gallina.
Embora as revelações sobre o esquema estejam sendo tratada como novas, as informações do relatório foram reveladas em uma série de reportagens publicadas por Século Diário a partir de outubro de 2011, ou seja, quase um ano atrás. Apesar de as reportagens estarem apoiadas em farta documentação, as autoridades capixabas, assim como a imprensa corporativa – que agora recebe em primeira mão informações privilegiadas da operação -, ignoraram os indícios de corrupção apontados pelo jornal, que também revelou o envolvimento do deputado estadual Josias da Vitória (PDT) e do juiz Alexandre Farina no esquema de corrupção montado no Iases.
A primeira reportagem da série, publicada em 8 de outubro de 2011, revelava, em detalhes, o esquema de corrupção. A matéria chamava atenção para os altos valores repassados à Acadis e explicava como o esquema fora montado por Gallina e Roncalli para favorecer a entidade do colombiano.
Após fazer um exaustivo trabalho investigativo – não recebemos nada de mão beijada das autoridades -, Século Diário teve acesso ao relatório técnico de servidores do Iases que apontavam graves irregularidades nos contratos entre a Acadis e empresas terceirizadas. Veja um trecho da reportagem publicada há um ano: De acordo com o relatório da servidora do Iases, é flagrante a quebra de contrato e o mau uso do dinheiro público. Diz um trecho do relatório: “Observados em todos os contratos a falta das tabelas referenciais; falta dos mapas comparativos de preços; justificativas para contratação; contratos com vigência indeterminada e sem numeração, quando tem aditivo, não tem numeração”, adverte.
Entra as diversas irregularidades encontradas nas contas da Acadis, a técnica destaca um contrato firmado pela Associação com a Stoffel Tour Locadora de Veículos. Segundo o relatório, o valor do contrato mensal para locação de veículos passa de R$ 19 mil. Ela chama atenção para o fato de a empresa Ajures Assessoria Jurídica – que não tem registro na OAB-ES -, embora preste serviços jurídicos, também loca carros à Acadis. Entretanto, para locar por R$ 10.500,00 uma van Renault Master, a Ajures fez o contrato por meio da Stoffel. Intrigada, a técnica pergunta se as duas empresas seriam do mesmo dono.
Mais à frente, a reportagem aponta irregularidades nos contratos com a Garra, do empresário Claudio Farina Lopes, que também foi indiciado no relatório do delegado laterza apresentado nessa quinta (6). Releia: O contrato com a empresa Garra Escolta Vigilância e Segurança também deixou a técnica encafifada. Ela informa que os gastos mensais da entidade com segurança patrimonial armada e desarmada são de R$ 67.505,58. “No dia 09/03/2010, o contingente do CSE foi reduzido a um posto de 24 horas, no valor de R$ 10.426,58, sendo transferido um posto de 24 horas desarmado noturno para a Casa da Família (Enseada do Suá), onde funciona a sede da Acadis”, informa o relatório. A técnica pergunta ao presidente da entidade, Gerardo Mondragon, por que a segurança foi transferida para local diverso ao previsto no contrato, o que seria ilegal, uma vez que o serviço deveria ser exclusivo para o CSE, detentor do contrato do contrato.
Mondragon responde à técnica que fez a transferência com a anuência da diretora-presidente do Iases, Silvana Gallina. Ele alegou ainda que no local são ministrados cursos e palestras para adolescentes da Casa República, que fica em Vila Velha. Diga-se de passagem, é deste mesmo contrato que sai também os R$ 8 mil mensais pagos mensalmente à empresa Única Negócios e Participação Imobiliária pelo aluguel da casa com piscina que fica no bairro de Itapoã.
A mesma reportagem também revela a ligação entre Mondragón, o juiz Alexandre Farina e do deputado Da Vitória, ambos indiciados no relatório da Operação Pixote entregue ao TJES nessa quinta (6). Inclusive a matéria publica fotos dos três em viagem à Espanha, com tudo pago por uma ONG articulada pelo colombiano. Na reportagem publicada no mês seguinte, em novembro de 2011, Século Diário apontou irregularidades nos contratos da Acadis com empresas da família do deputado Da Vitória.
Leia mais este trecho da primeira reportagem, à época, ignorada pelas autoridades. Durante o último ano do governo Hartung, os aliados de Mondragon trabalharam forte para manter a Acadis como referência no atendimento de adolescentes em conflito com a lei, já que se aproximava a transição para o novo governo.
Mandragon fez sua parte. Em novembro de 2010, levou para Madri, Espanha, o deputado Josias da Vitória (PDT) e o juiz Alexandre Farina. De acordo com Mondragon, palavras dele, “o objetivo da visita aos centros penitenciários foi conhecer os programas de ressocialização dos internos e da efetiva inclusão dos mesmos no contexto comunitário, social e laboral, como prevê as legislações vigentes”.
Os convidados voltaram satisfeitos da Espanha e Mondragon com a certeza de que o Modelo Pedagógico Contextualizado (MPC), sua maior descoberta, teria novos aliados para defendê-lo.
Após o final do governo Hartung, mas com a dupla Roncalli e Gallina mantida pelo governo Renato Casagrande, iniciaram-se as articulações políticas para estender o contrato da Acadis. O deputado Josias da Vitória, encantado com o trabalho desenvolvido pelo amigo, promoveu, este ano, até uma audiência pública na Assembleia Legislativa para exaltar o trabalho da Acadis.
Nas reportagens seguintes, Século Diário publicou novos detalhes do esquema, mas que não foram suficientes para sensibilizar as autoridades e tampouco a imprensa corporativa, que publicava matérias exaltando Mondragón e o seu “método mágico”.
Quase um ano depois, finalmente, o relatório “sigiloso” do delegado Laterza confirma os indícios levantados por este periódico eletrônico. Reconhece inclusive o envolvimento de Roncalli, Farina e Da Vitória no esquema.
Os três, que gozam de foro privilegiado, aguardaram agora o posicionamento do Ministério Público Estadual, que devem analisar o relatório da Polícia Civil e decidir se os suspeitos serão denunciados.