Por volta das 18h desta quarta-feira (21), um protesto pegou o Centro de Vila Velha de surpresa. Um grupo de moradores vociferava contra a instalação de um Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP) na Rua Arariboia. Pedaços de madeira ao fogo interditaram um trecho da Rua Henrique Moscoso, entre a Arariboia e a Rua Coronel Sodré.
Fez-se uma hecatombe no trânsito. Com caminhão de som e faixas, os moradores alegavam que os assaltos, roubos e furtos aumentaram após a implantação do projeto. Diziam que o protesto só seria suspenso quando algum representante da prefeitura aparecesse.
Pouco antes, em Vitória, a situação da população de rua era debatida na Assembleia Legislativa, com a audiência pública Situação da População de Rua no Espírito Santo, proposta pelo presidente da Comissão de Assistência Social da Ales, Rodrigo Coelho (PT).
Compuseram a mesa a ex-moradora de rua e coordenadora estadual do Movimento Nacional de População de Rua Rosângela Cândido do Nascimento, além de representantes da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social (Sesp), da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), da Secretaria Municipal de Assistência Social, do Ministério Público Estadual e da Defensoria Pública Estadual.
Após as intervenções dos representantes da Sesp e Sesa, Rosângela foi à tribuna e fez uma fala dura. Primeiro, disse que as políticas de saúda para a população de rua estão “distantes e omissas”. Depois, rebateu a fala de Paulo Moraes, da Sesp: “Se há uma tratamento de direitos humanos, eu desconheço. A Polícia Militar e a Guarda Municipal são os primeiros a violar. Gostaria de saber que capacitação é essa”, criticou.
Como militante da área, ela vê cada vez mais violações de direitos humanos da população de rua. “A Guarda Municipal não permite que o morador se sente em uma praça”.
Segundo Rosângela, em março, em ação arbitrária, agentes da Guarda Municipal de Vitória recolheram cinco carrinhos de catadores de papel em Ilha de Santa Maria e dois carrinhos em Itararé, sendo que, em um destes, estavam pertences e documentos do proprietário. Em Jucutuquara ocorreu o mesmo. Em Bento Ferreira, agentes removeram moradores dormindo nas ruas.
No Centro, quatro moradores de rua denunciaram agressão por agentes com taser (arma de eletrochoque). Rosângela relembrou ainda um caso de tortura ocorrido ano passado, ainda por agentes da Guarda Municipal também com taser, a dois moradores na Praça Costa Pereira.
“Tá sendo feita a higienização”, disse, para uma constrangida secretária municipal de Assistência Social, Clarice Imperial, que pouco antes apresentara as ações e projetos da prefeitura para a população de rua.
Ela falou das oito equipes de abordagem social, que empreendem o monitoramento e mapeamento dos moradores de rua, do Centro Pop da capital, com capacidade para atender 100 pessoas por dia, dos sete abrigos e do pagamento de aluguel social. Destacou também que desde o ano passado a prefeitura realiza um trabalho maior de intersetorialidade. Andreia Teodoro, do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH) cobrou caráter intersetorial a ações e políticas para a população de rua.
Quando o microfone foi aberto para o debate, a presidente do Conselho Municipal de Direitos Humanos de Vitória, Heloísa Carvalho, reforçou as denúncias. “A gente vem recebendo no Conselho um grande volume de denúncias de violações por parte da Polícia Militar e da Guarda Municipal”, disse.
Heloísa também rebateu um fato apresentado por Clarice Imperial: o caso dos dois ex-moradores de rua que ingressaram no Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) de Vitória. “Uma coisa é o acesso, outra, é a permanência”, criticou. Há um EJA – ou Educação de Jovens e Adultos, uma modalidade de ensino destinada a um grupo social que não teve acesso ou não concluiu os ensinos fundamental e médio – no Centro Pop de Vitória.
Os dois alunos do Ifes são oriundos dali. A secretária citou o caso em tom de êxito. Mas Heloísa mostrou uma face menos animadora: por falta de uma política de acompanhamento – bolsa, moradia, material didático, auxílio-alimentação – os dois alunos tiveram que abandonar o Ifes.
A coordenadora também criticou o programa Onde Anda Você, da Prefeitura de Vitória, que, segundo ela, já acolheu quase 500 pessoas. “A gente queria saber que pessoas são essas? Eu estou na rua e sempre vejo as mesmas pessoas”.
Disse ainda que as políticas públicas para a população em situação de rua não podem se resumir ao combate ao uso de crack. Citou moradores com hipertensão, mulheres com necessidade de realizar pré-natal, a necessidade de dentista, de política de segurança alimentar, habitação e assistência social.
“Chega de política higienista e de violações. A gente quer comprometimento de cada uma dos representantes daqui. A gente não está aqui para pedir esmola ou um prato de sopa. A gente quer direitos”, desferiu.
Ao final, Rodrigo Coelho enumerou os encaminhamentos da audiência: solicitação para que o Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) elabore pesquisa com dados sobre a população de rua; a criação de um observatório para acompanhamento de políticas públicas para a população de rua; adesão do Espírito Santo à Política Nacional para a População em Situação de Rua; investimento na capacitação de servidores que trabalham com população de rua.