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‘No Centro, a gente faz cultura sozinho’, critica dona do tradicional bar da Zilda

Gilvan da Federal foi ao bairro com a PM e a Guarda Municipal, apontando “caça a baderneiros” e que “parecia a entrada do inferno”

Ativistas da cultura, empreendedores e frequentadores do Centro de Vitória reagem às ações de repressão no bairro. No último final de semana, o vereador bolsonarista Gilvan da Federal (PL) foi em comitiva com forças de segurança até o local, “em busca de baderneiros”, dizendo que “parecia que estava entrando no inferno”. Para mobilizadores capixabas, a medida se trata de mais uma tática de repressão higienista em espaços voltados para a população preta e periférica.

“Aqui no Centro, a gente faz a cultura sozinhos, independente do poder público, que não ajuda (…) Ao invés de vir querer somar com a gente, vem fechar o estabelecimento. Ver se precisamos de ajuda, nunca veio”, pontuou Zilda Antônia de Aquino, proprietária do tradicional Bar da Zilda, um dos locais escolhidos por Gilvan no último fim de semana.

Com direito à transmissão ao vivo nas redes sociais, o vereador bolsonarista se direcionou ao local na madrugada de sábado (4) para domingo (5), repetindo que “queria encontrar baderneiros que querem fazer do Centro de Vitória uma zona”. O vereador foi acompanhado da Polícia Militar e da Guarda Municipal, informando que também tinha apoio da Secretaria de Desenvolvimento da Cidade e Habitação (Sedec).

Redes sociais

“Eu entendo que o ataque faz parte de um projeto higienista que a gestão tem para o Centro, assim como tem feito com a Curva da Jurema e outros espaços da cidade. Estão acelerando a gentrificação de Vitória, inviabilizando o acesso e direito à cidade a pessoas negras e periféricas (…) A gestão Pazolini trata a cidade como um templo dele”, critica a integrante do movimento Grito da Cultura, Karlili Trindade.

Outro integrante do coletivo, que estava presente no local no último sábado, afirma que a chegada da comitiva foi em tom de intimidação. “O bar já estava fechado, as pessoas estavam na rua (…) Pessoas que estavam em um sábado de lazer foram reprimidas, inclusive tiveram algumas abordagens e revistas em pessoas que, segundo eles, seriam ameaças para a sociedade (…) A alegação era fiscalizar o alvará, sendo que poderiam fazer isso na semana, durante o dia, mas a principal função foi constranger quem estava consumindo no local”, aponta o ativista, que preferiu não se identificar.

Zilda reforça que o bar já estava fechado quando Gilvan chegou ao local, por volta das 1h20, junto com as forças de segurança. A fiscalização municipal cobrou o alvará de licença ambiental do local, mas o protocolo de renovação do documento já estava em posse da empreendedora. “Eles vêm em uma comitiva bem grande para intimidar, fazer medo. Isso não existe. Eu faço reunião lá na Sedec, na secretaria do Disque Silêncio, com o secretário, exponho como eu trabalho aqui, como funcionam as coisas. Não estou fazendo baderna”, protesta.

O mobilizador do Grito da Cultura lembra que enquanto o Centro de Vitória vive uma ausência da ronda comunitária da Guarda Municipal, a Ronda Ostensiva Municipal (Romu), criada por Pazolini, tem sido usada como um instrumento de repressão da juventude.

“Principalmente da juventude periférica e das festas populares que movimentam o Centro de Vitória. Um exemplo é o Subúrbio, uma festa da juventude, periférica, da população LGBTQIA+, das mulheres, e onde sempre tem uma abordagem truculenta dessa Romu (…) São ações que não acontecem em outros lugares onde tem bares, como no Triângulo das Bermudas e nas casas de show privadas”, compara.

Dona de bar denuncia perseguição

Essa não é a primeira vez que Zilda denuncia receber um tratamento diferente da fiscalização municipal. Em março deste ano, durante o feriado de Carnaval, o estabelecimento teve o equipamento de som apreendido e recebeu multa de R$ 1,3 mil, após uma operação do município. Na ocasião, ela informou que tinha se reunido com o secretário municipal de Cultura, Luciano Gagno, e com a Associação de Moradores do Centro de Vitória (Amacentro), e foi informada de que o bar poderia funcionar.

Zilda, que está no endereço há quase 30 anos, sendo conhecida pelas tradicionais rodas de samba, reprova a atitude de Gilvan da Federal no último fim de semana e cobra políticas públicas efetivas para a cultura do Centro de Vitória

“Se ele acha que vai ganhar eleição em cima de calúnia dos outros, está muito errado. Cadê o entretenimento do Centro de Vitória, a cultura, que não tem? A gente faz aquilo que já está acostumado, da nossa forma. Há muitos anos que eu estou aqui”, enfatiza.

Ela lembra ainda que, além de ser um dos poucos pontos de encontro da cultura popular no município, o estabelecimento gera renda para quem está no local. “São famílias que trabalham aqui. Minha família trabalha toda dentro do meu bar, me ajuda e eu ajudo eles, principalmente depois da pandemia, que ficou muita gente desempregada e precisando de serviço. Eles não enxergam que isso também faz parte da cultura”, destaca.

Projeto diz que já procurou apoio

No caso do projeto Subúrbio, que também foi alvo do vereador no último final de semana, os organizadores alegam que a perseguição pela fiscalização acontece há dois anos, mesmo com a documentação toda em dia. “Pagamos impostos altos, imposto que inclusive chega na prefeitura ( …) A perseguição acontece e é reforçada por quem deveria criar políticas públicas para nossa proteção. O corpo preto é, diariamente, marginalizado e a cultura das periferias aceita pela elite é sempre determinada por eles. O que foge disso é tido como balbúrdia, folia desnecessária ou até mesmo bandidagem”, destacaram em publicação nas redes sociais.

Os responsáveis pelo projeto afirmam que já procuraram a Prefeitura de Vitória em busca de apoio, para que os frequentadores do projeto tivessem mais segurança, mas não obtiveram respostas.

“Também propomos arcar com banheiros químicos e com a limpeza da região. Porém, em troca, a resposta é uma live nos tratando como bandidos! Somos muitos e o subúrbio tem forte apoio popular, principalmente dos jovens. Nos colocamos à disposição ao Bar da Zilda, Afrokizomba, Puta Bloco e todos os outros comerciantes da região que viram o Centro de Vitória reviver com ocupação da Subúrbio, para uma união de forças, resistência e diálogo, a quem, com muita dificuldade, continua fazendo cultura e fornecendo lazer à população da Grande Vitória”.

Negação do direito à cidade

Karlili Trindade que, além de ser integrante do movimento Grito Cultura, é pesquisadora no campo da comunicação e territorialidades na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), acredita que ações como as do último final de semana fazem parte de um projeto da atual gestão municipal. “O medo é uma ferramenta importantíssima para negar o direito à cidade e violentar corpos pretos e periféricos. Quanto mais aprofundam a gentrificação, mais violência, mais espaço militarizado, mais dos nossos mortos, mais acesso negado”, explica.

Ela prossegue: “A militarização do espaço público é tática pra encurralar preto e periférico nas favelas. Até que as favelas tenham valor de mercado também. É a geografia das desigualdades, racismo ambiental e necropolítica na veia. Apagar nossa identidade e memória faz parte. É nos eliminar por inteiro, corpos, identidades e memória. Nós não temos direito a memória”.

O presidente do Grupo Orgulho, Liberdade e Dignidade (Associação Gold), Diego Herzog Peruch, lembra que a ação se direciona a locais que também são massivamente frequentados por pessoas LGBTQIA+ em Vitória, e isso tem um motivo. “É uma perseguição a tudo aquilo que eles não consideram como certo nesse padrão fundamentalista cristão, então tudo que não for ‘Deus, Pátria e Família’, perseguem e querem exterminar”, conclui, citando o bordão de Gilvan da Federal.

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