A audiência pública realizada quinta-feira (24), na Câmara de Vitória, para discutir o uso da bicicleta como meio de transporte, mostrou que a capital capixaba ainda tem que superar desafios para se tornar menos hostil aos ciclistas. A fala inicial, do engenheiro da Secretaria Municipal de Desenvolvimento da Cidade (Sedec), Leonardo Shutle, apontou o embate com as vagas de estacionamento para instalar ciclovias.
Citou os 800 metros da ciclovia na Avenida Saturnino de Brito, que ligou a Praia de Camburi à Praça dos Namorados. A obra, inaugurada em 2014, foi embargada três vezes. A disputa judicial foi provocada para a manutenção dos estacionamentos sobre as calçadas.
A implantação da ciclovia da Avenida Rio Branco é o mais novo capítulo dessa história. Shutle explicou que a equipe técnica da prefeitura elaborou pelo menos seis opções de projetos cicloviários para o local. A melhor é uma via bidirecional entre a Ponte Ayrton Senna e a Avenida Leitão da Silva, que elimina cerca de 90 vagas de estacionamento. “Para nós, era melhor eliminar as vagas de ambas as faixas, com duas ciclovias unidirecionais”, ressalvou.
A ciclovia da Rua da Grécia, entre a Praia do Canto e o Barro Vermelho, também está nos planos da prefeitura. “Ali, a gente tem, por incrível que pareça, atropelamento”, destacou. O tráfego ali é intenso: segundo Shutle, o trecho registra quase 120 ciclistas nas horas/pico, a sair para atravessar a rua.
O engenheiro também mostrou como ciclovias oferecem mais segurança ao ciclista: não há registro de mortes de ciclistas na região da Ciclovia do Porto, no Centro. Antes, disse, a taxa era de uma, ou até duas, por ano. Ali foram removidas 130 vagas de estacionamento.
Membro do Programa Vida no Trânsito, do Ministério da Saúde, ele destacou que o Centro e a Avenida Fernando Ferrari estão entre os pontos mais críticos da cidade no registro de acidentes.
O secretário municipal de Trânsito, Transporte e Infraestrutura Urbana, Tyago Hoffmann, destacou o Bike Vitória, o programa municipal de compartilhamento de bicicletas. Ele contou que os principais dias de uso das bicicletas são segunda e quarta-feira, nos horários de pico matutino (6h às 8h) e vespertino (17h às 18h), o que indica que o uso para trabalho pode ser maior que o para lazer.
Hoffman também destacou que a Avenida Maruípe é um grande desafio cicloviário. A avenida já foi alvo de protestos de cicloativistas cobrando instalação de ciclovias. “Há uma grande demanda de instalação de Bike Vitória lá. Mas não temos segurança de colocar o equipamento. As pessoas que circulam por lá já não se deslocam com segurança”, disse.
Integrante de um grupo de pesquisa sobre mobilidade urbana da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), a estudantes Malena Ramos Silva deu um dado preocupante: segundo levantamento feito pelo grupo, 70% dos entrevistados apontaram a sensação de insegurança como principal aspecto de desestímulo ao uso da bike. Por insegurança, entende-se o alto risco de acidentes.
Representante da União dos Ciclistas do Brasil (UCB), Fernando Braga destacou que 90% dos leitos de traumatologia nos hospitais estão ocupados por vítimas de acidentes de trânsito. “As pessoas falam muito do 1,5 metro, mas gosto muito de reforçar o artigo 220 [do Código Brasileiro de Trânsito], que fala de redução de velocidade ao passar pelo ciclista”.
Representante do projeto Bike Anjo, Luiz Son chamou atenção que a audiência falou pouco das pessoas. “Todas as ferramentas estão aí, mas por que as coisas não acontecem? A gente bota a culpa no trânsito, mas quem é o trânsito senão as pessoas?”. Ele ponderou que o Bike Anjo não ensina pessoas a andar de bicicleta, mas integra as pessoas.
Na abertura das falas, o membro do Movimento Organizado de Valorização da Acessibilidade (Mova), José Olympio Rangel, cobrou de Hoffmann o cumprimento da sentença judicial que determina melhorias no Porta a Porta, programa municipal de transporte de pessoas com deficiência.
Antonio Guerra alertou para um dos grandes problemas cicloviários de Vitória: quando os ciclistas agem como os motoristas nas ruas e se acham donos das calçadas. Ciclista afugentando pedestres com buzina é cena comum na Avenida Marechal Mascarenhas de Moraes, no Centro.
Luiz Son contou que já fez campanhas no local para minimizar o problema. “Eu sou ciciclista e fiz três campanhas junto com a associação de moradores do Centro para falar para o ciclista que ele não pode passar nos pontos de ônibus pedalando. Quase fomos atropelados por ciclistas. Portanto, a segregação não é a solução”, disse.
A solução, destacou, passa por campanhas pelo uso racional das vias. Luiz também disse que o problema está se repetindo no trecho da Rua de Lazer do Centro. “Quando começou, eu via idosos ocupando as ruas com cadeiras e crianças pulando corda”. O cenário mudou. “Hoje o que eu vejo é um monte de ciclistas pedalando não só na ciclofaixas, mas também na outra área estendida”, lamentou.
Ele sugeriu ao secretário Tyago Hoffmann a realização de campanhas educativas no local pedido para os ciclistas pedalarem devagar e respeitarem o pedestre. “A via também é do pedestre”. A audiência foi proposta pelo vereador Davi Esmael (PSB).