Conheça o local que já foi point intelectual e cultural de Vitória, se reinventou e existe até hoje
Da calçada cheia de letreiros ao lado da avenida e seu fluxo de carros, passa despercebido o belo e cuidado sobrado em cujo térreo está o Café e Bar Santos. A pequena placa com o nome do local também não chama a atenção que um olhar mais atento para dentro pode indicar: trata-se de um dos mais antigos estabelecimentos comerciais de Vitória, com quase cem anos de existência.
O balcão e móveis antigos, a disposição das pequenas mesas, incluindo algumas de ferro fundido e mármore carrara, da época de criação do bar, dão o tom de tradição do local. Nas paredes, forma-se quase um museu da história do comércio familiar que se reinventa e persiste ao tempo entre o Parque Moscoso e a Vila Rubim, dois pontos históricos da capital capixaba.
Foi fundado em 1927 como um bilhar por dois portugueses, Joaquim José dos Santos e seu cunhado Antônio João Ferreira, com o nome inicial de Café e Bilhares Santos. Nas paredes de hoje figuram quadros com imagens desbotadas de Póvoa da Várzea, cidade natal deles, e de Vitória, onde se estabeleceram e sobreviveram por meio do comércio, hoje tocado por descendentes.
Em 1945, já sob direção de dois filhos de um dos fundadores e um primo deles, o bilhar virou um café-bar que marcou época por décadas na cidade. “Era um bar de políticos, vinham muitos políticos, governadores, senadores, para conversar sobre política. Existia um painel sobre azulejos que em tempo de eleições se colocava tudo quando é santinho de candidato, não importava se era de um partido ou de outro. Era para todo mundo, a democracia já existia aqui”, conta José Sarto, neto de um dos fundadores, que hoje administra o Santos junto com seu irmão Jorge Luís.
Por ali passaram figuras como o ditador João Figueiredo, em 1979, após a inauguração da Segunda Ponte, e Tancredo Neves, primeiro presidente eleito na redemocratização, em 1981, pouco antes de ser governador de Minas Gerais. As visitas de ambos estão registradas nos quadros que decoram as paredes do Bar e Café Santos. José lembra que os que frequentavam desde muito tempo o local costumavam lembrar das dificuldades que passaram na Segunda Guerra Mundial e no período do regime militar. “Os clientes mais antigos que tínhamos, alguns já morreram e outros não estão mais saindo de casa por causa da pandemia”, conta o proprietário, que entretanto registra que uma senhora de 84 anos ainda vem diariamente ao local almoçar, tomar um copo de vinho e comer um pudim.
Alguns dos petiscos daquela época seguem no cardápio até hoje, como a canoinha, pão de sal sem miolo cortado ao meio com presunto e queijo levados ao forno. Outra marca consagrada que segue sendo servida é o creme americano, um doce feito com ovos, maizena, leite e calda de ameixa, que era sucesso entre os remadores do Clube Álvares Cabral, que vinham repor as energias após os treinamentos nas proximidades do café-bar.
“Os artistas capixabas também sempre vinham pra cá. Primeiro iam tomar uma cervejinha no Britz e depois lanchavam aqui”, lembra José, mencionando outro bar que marcou época no Centro de Vitória. Imagens registram também a passagem de Waleska e Sérgio Bittencourt após um show no Teatro Carlos Gomes em 1978. A foto mostra a aglomeração em torno dos artistas. Naquelas mesas, também estiveram artistas como João Bosco e Maysa. Foram célebres as serestas que ocorriam às sextas-feiras, impulsionadas pelos estudantes que vinham estudar nos primeiros cursinhos da cidade, nos anos 1970.
Mas quem chega no Bar e Café Santos hoje, entretanto, não vai encontrar um bar e sim um restaurante self-service. O tradicional café da manhã permanece, mas há 28 anos o forte da casa é mesmo o almoço caseiro. Se alguém quiser tomar uma cerveja no antigo bar é possível, pois ainda se serve lata, de Heineken, mas o horário de funcionamento é pouco propício aos hábitos alcoólicos da maioria: de segunda a sábado de 7h às 14h30.
O vídeo produzido pelo projeto Obanga Botecando registra imagens do atual ambiente.
A família proprietária chegou a fechar o espaço por dez anos, entre 1983 e 1993, tendo funcionado ali algumas lojas sem muita longevidade. A decisão de voltar com o Santos se deu num período de muitas mudanças sócio-políticas e espaciais na cidade. A localização que antes fora central na dinâmica da capital, se tornou um lugar essencialmente comercial, que fica deserto no início da noite e é visto como espaço inseguro por comerciantes e transeuntes. Na avenida, tampouco há mais local para estacionamento como outrora, quando os clientes podiam parar os carros em frente ao bar. Por isso os dois irmãos e seu pai, falecido poucos anos após a reabertura, sabiam que era preciso mudar para o estabelecimento ressurgir, mantendo porém o estilo antigo.
Com o grande sucesso da reabertura, em 1995, os donos criaram um mezanino para poder atender a mais clientes no restaurante. Apesar de ser um novo espaço, também remete ao estilo tradicional. Mesmo sofrendo com as dificuldades do comércio durante a pandemia, a intenção dos atuais administradores é manter o local como self-service, mas sem deixar de se atualizar e se adaptar. “Sempre houve transformações aqui. Começou como bilhar, virou bar e depois restaurante. Vamos evoluindo mas mantendo o espaço”, diz o José Sarto.
No ano passado, o Café e Bar Santos começou uma consultoria para pensar como incrementar os serviços para além do self-service, investindo em marketing e no destaque à sua tradição. Entre as ações, está a criação e atualização de um perfil na rede social Instagram, que mostra um pouco da história e das delícias proporcionadas pela permanência do espaço. Quem vai visitar pode levar de lembrança uma caneca tradicional de café, comemorativa dos 90 anos do empreendimento familiar, hoje com 94. E com vontade de virar centenário.