Ainda não há previsão de quando irão a júri popular os responsáveis pelo acidente de trânsito que vitimou fatalmente 11 integrantes do grupo de dança alemã Bergfreunde, de Domingos Martins (região serrana), em 2017. A impunidade impulsionou a realização de uma carreata, que cobra por justiça e será realizada na próxima quinta-feira (10), quando o desastre completa três anos.
Segundo a analista de Recursos Humanos Fernanda Endlich, que perdeu seu irmão no acidente, a manifestação é organizada pelos familiares e amigos das vítimas, com apoio da Prefeitura Municipal de Domingos Martins (PMDM), na gestão do prefeito Wanzete Krüger (PSD).
A carreata sairá da Praça Arthur Gerhardt, em Campinho, Domingos Martins, e vai percorrer as ruas de Campinho e do distrito de Soído. Os participantes, de acordo com divulgação feita pela Prefeitura nas redes sociais, estão convidados a levar um pano preto em sinal de luto. Também é solicitado que moradores e comerciantes da região pendurem um pano preto em suas portas e janelas no período de 10 a 22 de setembro.
O acidente aconteceu na BR-101, em Mimoso do Sul, quando o grupo, que estava em um micro-ônibus, voltava de uma apresentação em Juiz de Fora, Minas Gerais. O desastre, recorda Fernanda, foi causado por uma carreta que transportava granito. “Estava em alta velocidade e entrou na contramão, envolvendo o micro-ônibus, um Ford Ka e um caminhão. O caminhão bateu no micro-ônibus e pegou fogo”, relata Fernanda, cujo irmão, Aloísio Endlich, veio a óbito no acidente, que deixou nove sobreviventes.
A tragédia causou comoção na cidade, fazendo com que a Prefeitura e o Governo do Estado decretassem luto oficial de três dias e que algumas escolas municipais de Domingos Martins suspendessem as aulas. Uma das sobreviventes é a inspetora de qualidade Natalia Herbst, que na época coordenava o grupo. Ela afirma que o micro-ônibus tinha seguro, mas até hoje ninguém recebeu nenhuma indenização, tendo que arcar com os próprios recursos financeiros com tratamentos de saúde e aquisição de pertences pessoais perdidos durante a tragédia.
“Se eu dependesse da Justiça, do seguro, do dono do micro-ônibus ou da pessoa que causou o acidente, estaria enterrada ou dentro de um manicômio”, afirma Natalia, que destaca que, embora não tenha tido fraturas físicas, psicologicamente ficou muito abalada, tendo que fazer tratamento psicológico e psiquiátrico. “Se não fizer esse acompanhamento, você não vive, você vegeta”, diz Natália, que ainda hoje faz parte do grupo Bergfreunde, mas não está na coordenação. Ela recorda que chegou a ficar sete meses sem ir até Vitória por medo de ônibus e, também, de crises de choro.
Natália relata que por mais que saiba que não tem culpa do ocorrido, é muito difícil saber que “tinha menores sobre a minha responsabilidade e devolvi eles para as famílias no caixão”. A ex-coordenadora afirma que um dos sentimentos que ela tem é de impotência. “A gente se sente impotente. A pena mínima para esse tipo de caso, se não me engano, são 12 anos. Mas tem aquelas questões de réu primário e outras que podem causar a redução da pena. É muito injusto”, desabafa.
Para ela, o júri popular seria o fechamento de um ciclo, embora, pondera, não seja possível esquecer o ocorrido nem recuperar a convivência com as vítimas fatais.
Apesar do acidente, o Bergfreunde permanece de pé. “É um processo doloroso, mas sempre tivemos no coração que eles [as vítimas fatais] amavam muito o que faziam e tínhamos que continuar não necessariamente pela gente, mas por eles”, diz William José Mayer, coordenador do grupo e um dos sobreviventes. Assim como Natalia, ele buscou acompanhamento psicológico após a tragédia. “Eu sempre lembro do que aconteceu. É para o resto da vida, não é possível esquecer, e sim, aprender a conviver com isso. Eram pessoas que a gente via todos os dias nas ruas, meu melhor amigo de infância morreu, éramos todos amigos”, afirma.
A primeira apresentação do Bergfreunde após o acidente foi em janeiro de 2018, na Sommerfest, tradicional festa alemã da cidade. William destaca que, para dar prosseguimento às atividades, ex-integrantes retornaram e permanecem ainda hoje.
O Bergfreunde surgiu em 1984 e foi o primeiro grupo de dança folclórica alemã do Espírito Santo. Foi criado para “resgatar, preservar e divulgar a Cultura e a Dança trazidas pelos imigrantes alemães, que estava sendo perdida como consequência da II Guerra Mundial”, conforme o site oficial do Bergfreunde. O grupo coleciona em sua trajetória apresentações em diversas partes do Espírito Santo, em outros estados e outros países, como Uruguai, Argentina, Alemanha, Portugal e Estados Unidos.