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Cesan e município são responsáveis por qualidade da água no programa Pró-Rural

Decisão judicial se dá em julgamentos de ações movidas em favor de comunidades rurais de Nova Venécia

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Às vésperas do Dia Mundial da Água, a ser celebrado nesta segunda-feira (22), uma vitória importante foi conquistada pelas comunidades rurais de Nova Venécia, no noroeste do Estado, inseridas no Programa de Saneamento Rural da Companhia Espírito Santense de Saneamento (Pró-Rural/Cesan) e submetidas ao abastecimento de água de péssima qualidade. Vitória que pode servir de modelo para que outras comunidades rurais em situação semelhante possam resguardar seu direito essencial à água potável.

Na última quarta-feira (17), o juiz da 1º Vara Cível de Nova Venécia, Maxon Wander Monteiro, reconheceu a responsabilidade da concessionária estadual e do Município em garantir água de qualidade aos moradores das localidades de Cedrolândia, Boa Vista, São Gonçalo, São Luiz Reis e Santo Antônio do XV, a despeito da vigência do Pró-Rural nas mesmas, em que a execução do serviço esteja sendo feita pelas próprias comunidades.

A decisão judicial se dá no âmbito do Processo nº 0001351-31.2019.8.08.0038, interposto pela Associação Nacional das Donas de Casa e Defesa dos Consumidores do Brasil para Cedrolândia, ao qual foram apensados pedidos semelhantes feitos pelo Ministério Público Estadual para as demais comunidades.

Século Diário tem acompanhado a luta dos moradores de Cedrolândia. Em 2018, a comunidade denunciou ao jornal a água amarelada e gordurosa que há anos chegava em suas torneiras, impossível de ser ingerida e prejudicial até mesmo para a lavagem de roupas e banheiros. Desde então, foram diversas manifestações públicas, requerimentos e denúncias aos órgãos competentes e pedido de CPI na Câmara de Vereadores e, em meio às reivindicações, surtos de diarreia na escola da comunidade, onde dezenas de crianças e professores sentiram diretamente os efeitos nocivos da água contaminada, levando a Prefeitura a abastecer a unidade escolar com carro-pipa por mais de uma vez.

Cesan e Prefeitura responsáveis

A sentença estabelece prazo de 90 dias para que a Cesan “assuma integralmente toda a operação de tratamento e distribuição de água potável nas localidades Cedrolândia, Boa Vista, São Gonçalo, São Luiz Reis e Santo Antônio do XV, bem como realize as obras necessárias à prestação do serviço público de forma adequada e eficiente, sob pena de multa diária a ser fixada em caso de eventual descumprimento”.

O magistrado também condena o Município de Nova Venécia “de forma solidária, de acordo com as obrigações assumidas dentro do contrato de concessão objeto dos autos”. O juiz Maxon Wander Monteiro ressalta que, apesar do contrato e da lei, “o que se delega é a execução do mesmo [serviços de tratamento de água e de esgoto] e não sua titularidade. Logo, continua, ainda que subsidiariamente, o ente federativo [Município de Nova Venécia] responsável pela prestação do serviço”.

O contrato em questão foi celebrado em julho de 2009 entre a prefeitura e a Cesan, pelo prazo renovável de 30 anos, com base na Lei municipal nº 2.907, de maio do mesmo ano, que autorizou esse tipo de concessão.

No contrato, o município concede à concessionária estadual a operação dos serviços de tratamento de água e esgoto. Ocorre que a Cesan, por sua vez, por meio do Pró-Rural, criado por ela em 1991, delega às próprias comunidades rurais a execução dos serviços, quando as mesmas são de pequeno porte, entre 50 e 1,5 mil habitantes, e, por isso, “não ocorre viabilidade econômica para implantação/operação/manutenção do sistema de abastecimento de água e/ou sistema de esgotamento sanitário, pela companhia de saneamento”.

O magistrado, no entanto, assevera que a descrição do programa e o contrato firmado colidem com a legislação municipal, pois “em nenhum momento o Poder Legislativo veneciano autorizou a concessão para prestação de serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário para a Cesan CONDICIONANDO a prestação desse serviço pela concessionária à sua viabilidade técnica ou econômica”.

Esta cláusula do programa, que se reproduz no contrato assinado em 2009, assevera o juiz, “serve apenas de frágil e repetitiva escusa da concessionária para não cumprir o que lhe cabe: prestar sob única e exclusiva responsabilidade um serviço público de qualidade em TODO o município de Nova Venécia, garantindo o fornecimento de água potável à totalidade dos venecianos”.

Indenizações

No que diz respeito ao pedido de indenização por dano moral coletivo, o magistrado o concedeu, no valor de R$ 100 mil, a ser pago ao Fundo Municipal de Saúde.

Ao fixa-la, ele se baseia em “um entendimento dominante oriundo do Colendo Superior Tribunal de Justiça no sentido de que ‘a privação do fornecimento de água e a irregularidade de tal serviço, lesa não só o indivíduo prejudicado pela falta de bem vital e pelo serviço deficiente, como também toda coletividade cujos diversos direitos são violados: dignidade da pessoa humana, saúde pública, meio ambiente equilibrado. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica quanto à possibilidade de condenação por danos morais coletivos sempre que constatada prática ilícita que viole valores e interesses fundamentais de uma coletividade'”.

No tocante à comunidade de Cedrolândia, a Associação das Donas de Casa irá recorrer do valor da indenização coletiva, pois ele é muito menor do que o que foi pedido e vai novamente pedir as indenizações individuais de oito mil reais, para cada um dos cerca de cinco mil moradores. Esses pedidos iniciais davam á causa o valor de R$ 50 milhões, bem acima dos R$ 100 mil.

“A indenização precisa ter caráter punitivista e pedagógico, pra que o causador do dano não continue repetindo o ilícito. Um valor insignificante não vai causar mudança de atitude”, justifica a advogada da Associação, Débora Pauli, sem antes reconhecer a importância das decisões do juiz ao reconhecer o direito à água potável como bem essencial ao desenvolvimento humano, bem como as responsabilidades da Cesan e do Município com a irregularidade do serviço prestado às comunidades requerentes, além do fato de ter admitido uma associação como competente para impetrar esse tipo de ação.


Ações coletivas
“É uma das sentenças mais bonitas que já li durante minha carreira na advocacia. Ao reconhecer a associação autora como legítima para pleitear direito coletivo, o magistrado demonstrou conhecimento e técnica moderna”, avalia.
De fato, em sua argumentação, o magistrado responde à contestação de que a Associação das Donas de Casa não poderia pleitear a Ação, citando a lei que rege a Ação Civil Pública – nº 7.347/85 –, cujo texto “dispõe que as associações são partes legítimas para deflagrarem tais demandas desde que estejam constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre as suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio artístico e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, turístico e paisagístico”.

Esse tipo de ação coletiva em favor das águas servidas a pequenas comunidades, contextualizou a advogada, é muito comum nos Estados Unidos, já tendo sido tema até mesmo de longas-metragens. No Brasil a ação coletiva chegou nos anos 1990, inspirada na experiência estadunidense, mas muitos juristas ainda não a reconhecem. “Ainda há muito debate acerca de associações fazerem essas ações. Juízes mais conservadores ainda restringem esse direito ao ministério público, sindicato e defensoria pública. É um mecanismo de defesa social ainda pouco explorado”, expõe.

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