Financiamento coletivo vai ajudar a criar primeiro imóvel do tipo no Estado e apoiar morador que vive em barraco em Vitória
A situação de moradia de Seu Manoel, um senhor de 60 anos que vive no bairro Consolação, em Vitória, mobilizou coletivos e profissionais na apresentação de um modelo de imóvel de baixo custo e replicável, que pode ajudar na solução dessa e de outras moradias em condições precárias nas cidades do Espírito Santo. Para implantar, ajudar o morador e construir a primeira casa nesse projeto, foi criada uma campanha de microdoações para financiar a construção por meio da plataforma Benfeitoria.
Com menos de nove metros quadrados, a residência de Seu Manoel é feita de madeira e com muitas frestas laterais e no teto. Não possui instalações elétricas, água, nem banheiro. Chegou a ser interditado pela Defesa Civil, mas ele não tem para onde ir. Foi essa situação que jovens do Coletivo Beco, que atua nos bairros do Território do Bem, e do Fórum Estadual da Juventude Negra (Fejunes) encontraram enquanto faziam doações de cestas básicas e kits de higiene nas comunidades diante da pandemia de Covid-19. A condição precária das habitações é um fator que deixa moradores das comunidades em situação de maior vulnerabilidade diante do novo coronavírus.
Ex-marinheiro, Seu Manoel perdeu o trabalho depois de um acidente e não recebeu nenhuma auxílio, vivendo de favor até conseguir ajuda para construir seu barraco, no qual vive há 18 anos. Numa situação de negação de direitos básicos, ele não tinha sequer documento de identidade, que pôde ser conseguido com ajuda da mobilização dos coletivos juvenis, que também auxiliaram no seu cadastramento no CadÚnico para receber ajuda da assistência social.
Visando solucionar a questão também urgente de moradia, o Coletivo Beco acionou o BR Cidades, grupo nacional que defende o direito à cidade e à moradia digna e atua também no Espírito Santo. A mobilização ganhou apoio dos professores do departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Clara Miranda e Augusto Alvarenga, e de Clara Pitella Cassino, pós-graduanda da Universidade de Tóquio, no Japão, que se inspiraram na proposta de um sistema modular argentino chamado CAUH, que pode ser adaptado para ser aplicado no local.
Trata-se de um formato que tem “um design interessante de fácil e rápida montagem, passível de autoconstrução, e não requer mão de obra qualificada para montagem”, como afirma o texto da campanha de doações. A ideia é usar materiais leves, que facilitem também no transporte para cima dos morros, como é o caso de Seu Manoel, além de permitir que os próprios moradores a construam por meio de mutirão com seus vizinhos, usando proteção contra a Covid-19 e evitando a circulação de pessoas de outros locais diante da pandemia.
“Para casos que exigem pequenos espaços, cerca de 30m, o sistema construtivo proposto pode vir a ser uma das soluções possíveis, por ser pragmática e adaptável a diferentes tipos de terrenos”, explica a campanha, que pretende arrecadar recursos para os custos de construção em madeira, que será projetada, cortada e testada por uma empresa contratada, revestimentos, cobertura, corte de peças e transporte até Consolação.
A campanha para construir a casa de Seu Manoel destaca que pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que os bairros do Território do Bem possuem setores chamados “domicílios rústicos”, aqueles “caracterizados por suas condições de insalubridade, acarretando desconforto, vulnerabilidade, insegurança aos seus moradores, trazendo risco de doenças respiratórias e de contaminação por doenças crônicas ou endêmicas”. Entre elas estão as respiratórias, que representam uma comorbidade que aumenta o risco de morte diante do coronavírus, e que foram o segundo problema de saúde mais citados na comunidade na Pesquisa Saberes, Fazeres e Perfil dos Moradores do Território do Bem, realizada em 2019.
Também lembra que segundo relatório do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), cerca de 8% dos domicílios do Espírito Santo são classificados como em situação de déficit habitacional, devido às precaridades e limitações de suas estruturas, que não garantem as condições mínimas de dignidade aos moradores. Os dados de 2015 apontavam mais de 200 mil pessoas no Estado em situação de déficit habitacional, por não ter residência ou habitar em situação inadequada. Em Vitória, o problema atinge mais de 6 mil famílias.
“As situações de inadequação ou de extrema precariedade são diversas no território brasileiro, de modo que este tipo de experimento pode ser aplicado em casos semelhantes ao do Sr. Manuel, observando contexto, condicionantes socioambientais, econômicos e técnicos. Nesse sentido se coloca a validade desse experimento”, avalia a mensagem dos grupos organizados em torno da proposta que vem sendo iniciada no Espírito Santo.