Entidades devem intensificar reivindicação para que galpões que podem ser vendidos pelo governo federal tenham uso público
Apontado como uma “vitória parcial da população capixaba” pelo Núcleo do BRCidades no Espírito Santo, a suspensão do edital de venda de parte dos galpões do antigo Instituto Brasileiro do Café (IBC) abriu uma brecha para nova disputa de narrativas sobre o patrimônio federal, que teve sua maior parte cedida ao Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes), após mobilizações da sociedade civil e políticos. A venda da área de cerca 6,6 mil m² dos 33 mil m² totais do imóvel completo, que seria leiloado dia 12 de abril, foi adiada até que o edital seja retificado.
Uma ação civil pública da Associação de Moradores de Jardim da Penha (Amjap) junto com as Defensorias Públicas da União e do Espírito Santo pediu que o edital fosse reformulado para que conste a informação de que o imóvel está em processo de tombamento provisório pelo Conselho Estadual de Cultura (CEC). Agora, o governo federal tem prazo de 15 dias desde o dia 8 para reformular o chamado. Com o atraso, entidades querem reforçar o debate público sobre o uso do bem.
“Agora cabe à população capixaba se mobilizar e lutar para impedir a venda dos Galpões do IBC e garantir que esse imóvel se reverta para o uso coletivo da sociedade!”, disse o BRCidades ES, comentando o adiamento do leilão. O próximo passo deve ser a realização de uma audiência pública sobre o tema na Câmara de Vitória, a ser anunciada em breve.
“É uma bandeira muito antiga, que vem desde 1984. Existe um sentimento de pertencimento entre a comunidade e aquele espaço, para que seja de usufruto da sociedade de maneira geral. A cessão para o Ifes atendeu parcialmente essa demanda, mas queremos a totalidade”, alega Angelo Delcaro, diretor da Amjap e advogado responsável pela ação.
Para ele, a estratégia do governo federal, que era de entregar o espaço para a iniciativa privada e setor imobiliário para provável construção de edifícios, além de poder destruir um patrimônio histórico, implicaria impactos negativos para o bairro, já adensado e com serviços públicos que considera insuficientes como escolas, postos de saúde e centros de acolhimento. Já o uso público como o do Ifes e outras possíveis iniciativas, contribuiria para fortalecer a comunidade, movimentar o comércio do entorno, a sensação de segurança e outros impactos positivos, sem tensionar os valores imobiliários e serviços públicos, como no caso de construção de unidades habitacionais de alto padrão.
O Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Espírito Santo (CAU-ES), autarquia federal que possui a função de “orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de arquitetura e urbanismo, zelar pela fiel observância dos princípios de ética e disciplina da classe em todo o território nacional, bem como pugnar pelo aperfeiçoamento do exercício da arquitetura e urbanismo”, também se posicionou de forma assertiva contra o leilão, entendendo que um “empreendimento desta magnitude deve envolver amplo estudo e debate entre os diferentes agentes da sociedade”.
Com base da defesa da gestão democrática das cidades para garantia do direito social de acesso à cidade, de forma sustentável e com redução das desigualdades sociais, o CAU-ES destaca os impactos diretos e indiretos não só para a comunidade local mas para toda cidade, no caso de modificações no uso de imóveis de tal envergadura. O Conselho lembra que um dos motivos de questionamento à venda é o valor da construção como patrimônio histórico que remonta ao início do bairro de Jardim da Penha, sendo uma de suas primeiras construções, e à história da produção e comercialização do café, um dos principais produtos da economia capixaba desde o Século XIX até os tempos atuais.
“Sabe-se que o espaço já não é mais utilizado para a sua finalidade original e encontra-se ocioso em sua maior parte (o Ifes deu início ao processo de ocupação de parte dos galpões). Assim, a necessidade da requalificação integral do espaço é atual e urgente”, corrobora o CAU-ES, apontando que o espaço deve cumprir função social que garanta segurança, acessibilidade, sustentabilidade e que movimente a economia local.
“Esse debate deve ser realizado de forma horizontal, contemplando os moradores da região, o empresariado, a administração pública e, sobretudo, com ampla participação de arquitetos e urbanistas, categoria profissional habilitada para planejar e executar atividades relacionadas ao urbanismo e patrimônio cultural”, reivindica o órgão, que ressalta, também, o processo de tombamento em curso, pedindo que o empreendimento não seja negociado comercialmente antes da conclusão do mesmo, iniciado em novembro de 2021.
A parceria entre órgãos públicos e a iniciativa privada é apontada como melhor caminho para manutenção e utilização do espaço do que a venda. “Nesse sentido, o Conselho sugere que se promova amplo debate, por meio de consultas públicas e assembleias, a partir da estruturação de um grupo de trabalho interinstitucional para analisar a situação a partir do Plano Diretor Municipal (PDM); e a realização de estudos técnicos e a ampla atuação de Arquitetos e Urbanistas, a fim de fundamentar uma proposição ampla para a destinação e usos futuros das áreas em questão, que contemplem as demandas de todos os entes envolvidos (populações locais, mercado imobiliário, conselhos, prefeituras, dentre outros)”, conclui o CAU-ES.