Ativistas articulam criar um museu no distrito de Ecoporanga, onde houve grandes revoltas contra latifundiários
O distrito rural de Cotaxé, em Ecoporanga, noroeste do Estado, próximo à divisa do Espírito Santo com Minas Gerais, foi palco de longas e fortes disputas entre camponeses e latifundiários, em lutas que cruzaram décadas e perduram até os dias de hoje. A memória desses períodos, embora pouco evidenciada nos locais, ainda persiste nas lembranças de alguns. Neste domingo (9), um ato simbólico no local marcou o início de um novo sonho para o lugar: ter um museu ou ponto de memória permanente sobre a questão.
Uma caravana formada por 17 pessoas da Grande Vitória se juntou a outra formada por camponeses do sindicato rural e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) de acampamentos e assentamentos das proximidades, que foram recebidos por moradores locais para instalação provisória de uma placa em homenagem aos acontecimentos, que diz o seguinte:
“MEMORIAL COTAXÉ
À resistência camponesa dos posseiros de Cotaxé e região, pelo exemplo de coragem, luta e organização pela posse da terra.
Das pessoas admiradoras desta comunidade e do Ponto de Memória Cotaxé.
09-01-2022 “
O memorial foi instalado em um espaço privado, mas de circulação de pessoas. A meta é que a placa possa ser realocada na praça do distrito, estando pendente terminar os trâmites necessários para que possa ser instalada em local público. Porém, o letreiro é visto pelos presentes como marco para início da construção do local permanente de memória, para o qual o grupo quer somar forças com movimentos camponeses, sindicatos, universidades, escolas agrícolas e poder público para buscar um local e as condições para construir uma espécie de museu comunitário ou ponto de memória, com base na ideia de museologia social.
A iniciativa da instalação do memorial está ligada ao grupo organizador do Seminário de Humanidades de Cotaxé, que teve seis edições desde 2013, além de outras atividades associadas, e vem contribuindo para visibilizar a questão, colher depoimentos de pessoas e incentivar produções e difusões acadêmicas e culturais sobre as lutas camponesas da região. Trabalho que levou o militante de direitos humanos Perly Cipriano, um dos integrantes da caravana, a definir Cotaxé como “capital da luta camponesa no Espírito Santo”, algo que muitos gostariam de ver estampado na entrada da localidade, em um portal.
Vander Costa, coordenador do Seminário de Humanidades, ressaltou que o memorial instalado foi doado pelos visitantes vindos da Grande Vitória. “Nosso trabalho não para por aqui. Esse momento abre perspectivas, já que percebemos que há interesse cada vez maior no tema e pessoas dispostas a levá-lo adiante. Não havia nenhuma construção desse tipo em Cotaxé, nem um tijolinho levantado em prol da memória dos posseiros e posseiras. Então ainda que esteja em um local provisório, passa a ter algo que lembra esses acontecimentos”, diz Vander, filósofo e poeta nascido em Ecoporanga que também coordena o Ponto de Memória Cotaxé, que funciona de modo virtual, reunindo textos, documentos, vídeos e fotos sobre a questão camponesa local.
“O resgate histórico da memória das lutas camponesas traz pertencimento e esperança, o que é muito importante nesse momento histórico que estamos vivendo no Brasil, na luta pelo resgate da terra, da democracia e dos direitos dos trabalhadores. Precisamos fortalecer nossa esperança e recobrar os ânimos para as batalhas que estão por vir em 2022”, diz Pedro Ferreira, militante do MST morador do Assentamento Carlos Lamarca, em Nova Venécia.
No início da década de 1950, sob liderança de Udelino Alves de Matos, lavradores, posseiros e sem-terra se unem contra os latifundiários para lutar pelo acesso à terra na região de Cotaxé. A luta é fortemente debelada por militares e jagunços, que leva à fuga e morte de vários camponeses e lideranças, fazendo valer os interesses de fazendeiros e madeireiros da região.
Porém, a insatisfação da população segue e é novamente organizada anos depois, já sob liderança do Partido Comunista do Brasil (PCB), num conflito que se estende até os primeiros anos da ditadura civil-militar iniciada em 1964.
Com a terra nas mãos de poucos, Ecoporanga, teve o início de sua economia moderna com a extração madeireira, seguida pelo café, que com a política de erradicação foi sendo substituída pelo gado leiteiro e de corte, que hoje ocupa grande parte do território, em sua imensa maioria desmatado, com uma população humana que decresceu ao longo das décadas enquanto a população bovina crescia e a superava. Mais recentemente a indústria de mármore e granito também vem ocupando destaque na economia, com base no extrativismo mineral.
Porém, esse histórico não fez desaparecer as lutas pela posse das terras, retomadas com força a partir da década de 1980 pelo MST, que conquistou alguns assentamentos na região. Há 10 anos, o movimento luta para a criação de um novo assentamento no atual acampamento Derli Casali.