Simone Chieppe não nega a qualidade sofrível do transporte público capixaba. “Ele é péssimo. E é péssimo porque está esgotado”, diz a empresária e presidente do Sindicato das Empresas de Transporte Metropolitano da Grande Vitória (GVBus), que reúne os operadores do Transcol. Hoje o sistema absorve 700 mil pessoas por dia, com média de 18 mil passageiros hora/sentido em momentos de pico.
Se está esgotado, a solução que ela defende para reanimar a tristeza cotidiana do transporte de massa da Grande Vitória é o BRT. O principal projeto de mobilidade urbana da gestão Renato Casagrande (PSB) tecerá uma rede viária de 35 quilômetros na região.
O valor das obras chega a R$ 800 milhões. A licitação está suspensa a pedido do Tribunal de Contas do Estado (TCE).
Antes, um preâmbulo. Simone traz um dado comparativo de dois anos atrás: na Grande Vitória, enquanto a frota veicular cresce 10% ao ano, as vias se expandiram em 4%. Daí os engarrafamentos e a deixa para citar outra pesquisa, segundo a qual a tarifa é a quinto elemento mais importante para o passageiro. O primeiro é o conforto. “E o que é isso para ele? Tempo. Hoje o transporte perdeu esse conforto”.
Quando o assunto é transporte público, qualidade e eficiência não são valores absolutos. Não existe bom, nem ruim; existe o adequado ou inadequado para cada realidade.
O metrô, por exemplo. Simone puxa o exemplo de Curitiba. Em meados dos anos 70, a capital paranaense apresentou ao mundo o revolucionário BRT; 40 anos depois, o sistema se esgotou e, agora, recorre-se ao metrô: serão 17,6 Km por R$ 4,56 bilhões, ou seja, cerca de R$ 260 milhões por quilômetro. O custo é pesado.
“E o metrô tem uma coisa muito boa, que é a capacidade dele”, diz Simone, pontuando que o sistema transporta 40 mil passageiros hora/sentido. “Ou seja, é um modal de grande capacidade”.
A capacidade do BRT está um pouco abaixo: 35 mil passageiros hora/sentido. “E quanto custa um quilômetro dele? Bota aí, estourando, com desapropriações, entre R$ 10 e R$ 20 milhões. Vamos ser pessimistas, vamos botar R$ 20 milhões. Então, você está falando de um negócio que custa quase 15 vezes menos, numa cidade que tem aterro e pedra. Como é que você vai fazer um metrô em Vitória?”.
A empresária também reprova o VLT, que ganhou fama em Vitória ao ser hasteado como a grande promessa de campanha do então candidato a prefeito João Coser. “Por que não o VLT em Vitória? Porque o VLT não resolve o transporte de massa. Nós já estamos em Vitória em torno dos 18 passageiros mil hora/sentido. Se você botar o VLT, além de não conseguir fazer essa rede como a do BRT, ele já nasce esgotado”.
O VLT seria um transporte complementar, dada a sua capacidade de transporte, 13 mil passageiros hora/sentido. A questão custo-benefício também conta: o VLT custa pelo menos o triplo do BRT. “Você tem um transporte de massa, hoje são 700 mil pessoas por dia, que tem de ser resolvido. Aí depois você cria linhas, pontuais, com o VLT”, argumenta. Simone ainda elogiou o projeto do Aquaviário, que será integrado ao Transcol.
Com o BRT dando ao passageiro aquele conforto de que hoje ele não desfruta nos corredores do Transcol, Simone até prevê uma renúncia ao transporte individual. “Por que as pessoas não deixam o carro em casa? Porque o transporte não é de qualidade”. Para ela, a tendência do BRT é trazer o passageiro do carro: projeta-se um incremento de 20% de passageiros, oriundos do carro.
A chefe do GVBus não cogita um esgotamento do BRT antes de quinze ou vinte anos, em um cenário de expansão de demanda por transporte público a 1,5% ao ano – índice registrado na última década mas que, segunda ela, deve se manter pelos próximos anos.
Vinte minutos após o início da entrevista, chegamos ao ponto crucial da questão. Seria o BRT uma tecnologia adequada para Vitória e seus com módicos 90 quilômetros quadrados, ruas estreitas e rede viária altamente interseccionada?
“Em linhas gerais, você não vai fazer omeletes sem quebrar ovos. Porque isso é igual ponto de ônibus, né: todo mundo quer na sua rua, mas ninguém quer na sua porta”, diz. Simone não vê o BRT como uma estrutura fria e impessoal que vai cruzar a capital capixaba. “O BRT, onde ele passar, vai dar um tratamento em todo o entorno, com calçada maior, paisagismo, não vai ter mais ponto de ônibus do lado direito”.
Ela lembra outra cidade que implantou triunfantemente o BRT: Bogotá, onde, assegura, áreas antes degradadas ganharam uma valorização pós-BRT.
O caso Praça do Cauê brota naturalmente. Simone reproduz o discurso da revitalização da praça através da implantação das vias exclusivas. “Hoje a pracinha do Cauê… Não tem nada ali, sabe? Você tem até negócio de crack e de droga”, diz. “No BRT, você vai ter uma redução de 30, talvez até 40% no tempo de viagem. Então, assim, você se apegar numa praça, sabe, para impedir um projeto desse…”.
Também chegamos aos armazéns do Porto de Vitória. Ela discorda da visão de que a transformação dos armazéns em estação do BRT seja uma ideia ruim. “Ruim é uma coisa hoje que não é usada”. E ressalta a livraria, o café virado para o porto, que, acredita, irão desmistificar essa “ideia ruim”.
Mais importante que pensar nos impactos, é considerar as contrapartidas. “E essas 700 mil pessoas que vão ter a viagem reduzida em 30, 40% do tempo? É nesse pessoal aqui que a gente tem que pensar, porque se a gente não pensar nelas, a gente vai ficar pensando em dois, três, em quatro. Na Pracinha do Cauê tem dez que não querem…”.
A presidente do GVBus não vislumbra outro modal que se encaixe tão bem no perfil de Vitória como o BRT. “De todos, é o que infinitamente vai trazer maior custo-benefício e transportando a massa”. “Agora, é preciso que as pessoas acreditem, porque, não sei, tem uma coisa aqui em Vitória, que parece aquela coisa assim: tudo que vai fazer, as pessoas ficam contra, entendeu?”.
A tese de que a Vitória pós-BRT será transmudada em mero corredor de passagem também é rebatida. A razão é simples e direta: “Vitória já é um corredor de passagem. E de má qualidade. Então, o que se quer é qualificar esse corredor de passagem”.