O fato do patrimônio público ter sido colocado à venda sem o mínimo debate com a sociedade vem causando uma série de manifestações da sociedade civil e autoridades estaduais e municipais desde a última semana, repercutindo também no imóvel do Centro Cultural Carmélia Maria de Souza, em Mário Cypreste, que seria afetado por tabela, dada a intenção da SPU de utilizar seu espaço como armazém para destinar os produtos que terão que sair de lá por conta da venda dos galpões do IBC.
Uma das propostas, feita pelo defensor público estadual Vinícius Lamego, aponta para a necessidade de realização de uma consulta popular pelo poder público, que poderia inclusive ter caráter vinculante, ou seja, que a decisão da maioria da população fosse deliberativa sobre os rumos dos imóveis. “A gente pode brigar pela realização de uma consulta pública neste caso, tendo em vista a importância desse debate para a sociedade capixaba”, disse Vinícius.
Ele cita o Estatuto das Cidades, que é lei nacional, e o Plano Diretor Urbano de Vitória (PDU) como documentos que pregam a participação popular nesses casos e preveem dispositivos do tipo. “Tem que ter uma audiência pública pelo executivo, depois de dez dias pode haver o requerimento de um debate, e então uma consulta pública que poderá ser vinculante na decisão da administração”, explica o defensor público.
Outra estratégia levantada na audiência pública é o tombamento dos prédios do IBC e do Carmélia como patrimônio histórico, por meio de pedido a ser enviado ao Conselho Estadual de Cultura. O professor e historiador Wallace Bonicenha defende que ambas edificações têm valor por refletirem parte da história econômica capixaba, representando o período de auge da produção de café, carro-chefe da economia do Estado por décadas.
O Carmélia havia sido abandonado das funções de armazém até ser transformado em centro cultural em 1986, no governo de Gerson Camata, mas ironicamente seria deixado de lado pelo poder público, voltando a ser cogitado para depósito. Já o IBC, devido à subutilização do espaço com a queda de café, é reivindicado desde a décadas de 1980 pelo movimento comunitário de Jardim da Penha como área para cultura lazer e serviços públicos. Na audiência foi lembrada a proposta elaborada por professores da Universidade Federal do Estado (Ufes) quando a associação de moradores era comandada pelo depois deputado estadual Otaviano de Carvalho, que incluía um centro cultural, um mercado popular e uma escola pública de segunda grau, reivindicação ainda pendente.
Wallace ainda solicitou que a Prefeitura Municipal de Vitória realize uma limpeza geral no Carmélia, considerando as precárias condições observadas.
Também participou da reunião o diretor do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado (Sinduscon-ES), Leandro Lorenzon, que explicitou o interesse do setor imobiliário. Ele apontou a classificação do campo do Santa Cruz como Zona de Proteção Ambiental no Plano Diretor Urbano (PDU), o que tornaria a exploração comercial dificultada pela impossibilidade de verticalização, podendo receber apenas atividades de baixo impacto, como as de cunho esportivo, ambiental ou educacional.
Por outro lado, voltou os olhos para o IBC, que aliás ocupa uma área muito maior, apontando o grande interesse das construtoras pelo local. Para ele, é preciso ouvir todas as partes, a SPU como proprietária, a comunidade e sociedade em geral, e a iniciativa privada. O diretor do Sinduscon avalia como possível trabalhar por meio de convênio ou parceria público-privada com o poder público, assumindo o papel de investidor e mantenedor, o que eximiria o governo dessas atribuições, citando o abandono do Carmélia como mau exemplo.
A visão de Leandro foi contestada pelo músico Marcão Lima, membro do Conselho Municipal de Políticas Culturais de Vitória. “Estamos discutindo terrenos que são da população, que pagou por aquilo através de seus impostos”, comentou. “Eu espero que a gente consiga reverter essa história de vender o campo do Santa Cruz, que é o último campo de várzea da Praia do Canto. A gente tem que defender isso e impedir a venda do IBC, para que se transforme num espaço público de cultura”, finalizou o conselheiro.
Sobre o Centro Cultural Carmélia, a PMV criou por decreto um grupo técnico para avaliar uma mudança no PDU que possa evitar que o espaço seja utilizado como armazém, mantendo seu caráter de centro cultural.
Movimento cultural protesta pela revitalização do Carmélia
https://www.seculodiario.com.br/cultura/movimento-cultural-protesta-pela-revitalizacao-do-carmelia
Arquitetos pedem paralisação do leilão dos galpões do IBC
https://www.seculodiario.com.br/cultura/arquitetos-pedem-paralisacao-do-leilao-dos-galpoes-do-ibc