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Em Paul, moradores mostram alívio, mas querem retirada dos tanques da Liquiport

 
Um poste canhestramente fora do lugar é o primeiro indício de que algo está errado no Morro do Atalaia. Quem aponta a bizarrice, num espanto indignado, é José das Graças Silva, 65, supervisor e encarregado de manutenção mecânica e industrial. Com o indicador, ele traça o itinerário dos fios de alta tensão, que saem do curso normal, atravessam a rua, para voltar novamente à calçada original. Um perigo.
 
Estamos no cume do morro. José das Graças explica que o poste foi deslocado em função das obras de instalação de um perigo mil vezes maior: os 10 tanques de armazenamento de combustíveis da Liquiport. Pelo menos cinco colossais estruturas, vazias por ora, se avizinham dos moradores do cume do Atalaia. Com razão, os moradores temiam um desastre incalculável caso o projeto seguisse em frente.
 
Hoje a sensação desse mineiro de Coronel Fabriciano, que mora há mais de 50 anos numa singela casa no Atalaia, é de alívio, já que a licença para a construção dos tanques está suspensa pelo Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) desde setembro de ano passado. “Agora tá tudo bem, graças a Deus”. Mas alívio não quer dizer paz: esta, segundo diz, só virá com a suspensão definitiva do empreendimento.
 
“A nossa indignação é que a empresa deveria ter avisado a comunidade, dito ‘olha, temos um projeto e vamos fazer uma votação para saber se vocês querem ou não’. Mas eles não fizeram isso. Chegaram a foram colocando as máquinas”, desabafa. 
 
José lembra que, depois de a comunidade expor os problemas, começou o indefectível jogo de empurra. “A prefeitura [de Vila Velha] empurrava para o Iema e o Iema empurrava para a prefeitura”.
 

Mineiro como José das Graças, mas de Ipatinga, o aposentado Elísio José de Barros compartilha com o conterrâneo do misto de alívio e revolta. “Eles falam que tem segurança… Que segurança que nada!”. Ele conta o que ouviu de um encarregado da montagem dos tanques: “Essa comunidade é muito frouxa de deixar que botem esses tanques aqui”. A Travessa do Atalaia é o único acesso ao morro. 

 
Elísio mora há 40 anos numa bela casa de frente para os tanques da Liquiport. A garagem ostenta um bem conservado Passat 79. Durante os períodos mais tensos do caso, pensou até em se mudar para Carapina, onde tem propriedade. Mas sair dali é difícil. “Esse morro é tranquilo, você pode dormir de porta aberta que ninguém vem te incomodar”.
 
Realmente. Ao entardecer dessa terça-feira (18), crianças soltando pipa no meio da rua junto a vira-latas latindo ao léu nos diziam que o sossego mora ali também – em que pese a Liquiport. Hoje a baía de Vitória só se mostra pelas frestas entre os tanques. Mas um pequeno esforço de abstração refaz o desenho original de um panorama deslumbrante do recorte sul da ilha. 
 

Dona Amélia se recorda muito bem o que via cada vez que ia à varanda. Os pequenos olhos azuis murcham numa tristeza resignada. “A vista daqui era linda…”, suspira. As reminiscências da infância no alto do Atalaia brotam sem esforço. Uma em especial: os banhos na chamada prainha de Paul, que o progresso transformou em porto.

 
A descendente de alemães Amélia Rossman tem 65 anos de idade, 56 dos quais residindo na última casa antes dos portões da Liquiport. Nasceu em Colatina. O pai, alemão, era ferroviário da Vale e teve que se mudar para trabalhar na antiga Estação Pedro Nolasco. A mulher e os dois filhos vieram junto, direto para o Morro do Atalaia.
 
Ela conta que a empresa chegou a fazer oferta pela casa de uma vida inteira. Oferta recusada. Os toneis vandalizam a paisagem, mas ainda assim aquele é um recanto de placidez invejável.
 

O alívio existe, mas com um travo de apreensão. Ninguém sabe qual será o epílogo dessa história. No segundo semestre de 2013, o caso repercutiu. Ganhou matérias em jornais e discursos nos plenários legislativos estadual e municipal. Sobretudo o estadual: os deputados sabem a pedreira que vão enfrentar para se reeleger em outubro. 

 
“De repente, os deputados apareceram aqui”, diz José das Graças, com um risinho maroto. O petista Roberto Carlos foi um deles: em um pronunciamento, fez da sua meninice em Paul um enredo de novela das seis. Euclério Sampaio (PDT), Gildevan Fernandes (PV) e José Esmeraldo (PMDB) também estiveram lá. Mas José das Graças não nega que a presença deles ampliou o alcance do alerta de perigo.
 
Contador de histórias, Elísio disse uma frase solta, entre uma e outra, que parece sintomática: “É a gente que faz o lugar. Se você se dá bem com todo mundo, então está tudo bem”.

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