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Espírito Santo de ponta a ponta

De carro ou a pé, viajantes e caminheiros se jogam na aventura de conhecer todo o território capixaba

Assim como em 23 de maio de 1535 os portugueses chegaram em uma caravela para desbravar o Espírito Santo, hoje, seja a pé ou de automóvel, tem gente que continua a fazer mesmo. Porém, é claro, sem a ganância colonialista que trouxe violência, mortes e problemas sociais que perduram até a atualidade. São pessoas que se dispuseram a conhecer o Estado, colecionando histórias e curiosidades, personagens e lugares que jamais sairão da memória. 

Para conhecer cada um dos 78 municípios capixabas, o casal Ghaidy Souza e Márcio Francisco de Assis criou o projeto Paulistando no Espírito Santo. Ela, capixaba, morava há 20 anos em São Paulo, mas conhecia pouco seu próprio estado. Ele, da zona sul da cidade de São Paulo, conhecia cidades como Vitória, Santa Leopoldina e Vila Velha, porém, de acordo com ele, de maneira superficial.


O Paulistando foi motivado por outro projeto, o Pocando no ES, um encontro de blogueiros de viagem que reuniu pessoas do Espírito Santo e de outros estados, e por meio do qual Ghaidy e Márcio conheceram os litorais da Serra e Aracruz. “Depois um amigo nos convidou para ir a Santa Leopoldina e, como paulista, comecei a me questionar porque ninguém mostra o que tem no Espírito Santo. Isso aqui é grande, não é do jeito que muita gente pensa em São Paulo, por exemplo”, afirma Márcio. 

Somou-se a essa empreitada o também paulistano Roger dos Santos, de Osasco, amigo do casal, que é youtuber. Quem pensa que eles abandonaram tudo para viajar pelo Espírito Santo está enganado. De agosto de 2018, quando as andanças começaram, até hoje, o trio percorreu 72 municípios capixabas conciliando viagens e trabalho. Aos finais de semana, colocavam o pé na estrada e pararam somente por causa da pandemia do coronavírus, mas garantem que depois que ela passar visitarão os municípios que faltam percorrer por meio do projeto: Alegre, Cachoeiro de Itapemirim, Vila Velha, Vitória e Domingos Martins.
Roger e Márcio (de camisa branca) em Fundão, primeiro município visitado. Créditos: Caminha Gente

O primeiro município visitado pelo grupo foi Fundão. Ghaidy e Márcio afirmam que dos 72, o que mais gostaram foi Santa Maria de Jetibá, principalmente a comunidade pomerana de Alto de Santa Maria. “Conhecemos uma senhora pomerana que luta há anos para a preservação da cultura dos pomeranos, conseguindo, inclusive, a vitória, em 2010, da implantação do ensino da língua pomerana nas escolas”, destaca Ghaidy.
Casa Pomerana em Santa Maria de Jetibá. Créditos: Caminha Gente

Outros personagens que não saem da memória, diz Ghaidy, são um casal de idosos de Atílio Vivacqua, sul do estado. “Eles vivem no alto de uma montanha, perto do portal para a travessia Jequitibá Rosa. A senhora nos acompanhou para conhecer o lugar. Lá tem um pé de jequitibá de 150 anos. De tão grosso, ele pode ser abraçado por seis pessoas juntas”, recorda Ghaidy. 

Tem também aquelas atrações que eles nunca imaginavam que encontrariam no Espírito Santo. Uma delas é o que eles chamam de “cemitério de um homem só”, em Mucurici. O grupo conta que nessa cidade há uma barragem, com mirante, que atrai diversas pessoas, principalmente do Espírito Santo e da Bahia. Antes de sua construção, morava no local um dos primeiros habitantes dessa cidade. 

“Ele fez questão de ser enterrado lá, perto da casa onde morava, que está no local até hoje. Quando chega gente de fora na cidade, as pessoas logo contam essa história. A casa onde morou está fechada, mas o túmulo dele é muito visitado”, diz Ghaidy. Márcio recorda de outro atrativo que não imaginava encontrar no Espírito Santo: o terceiro maior Cristo Redentor do Brasil, em Colatina.

Quanto à gastronomia capixaba, Márcio relata “que não achou muito top a moqueca capixaba”, mas a torta sim. Também achou diferente o hábito cotidiano de comer feijão, já que, em São Paulo, de acordo com ele, esse legume é apreciado principalmente nas quartas e sábados, com feijoada. O paulistano destaca outras diferenças em relação ao seu estado de origem. “Aqui tem muitas pedras, montanhas, pontões, isso me encanta demais”, diz Márcio, referindo-se principalmente aos municípios de Pancas, Ecoporanga, Boa Esperança, Baixo Guandu, Laranja da Terra e Água Doce do Norte.

Ghaidy e Márcio em Cinco Pontões, Laranja da Terra. Créditos: Caminha Gente

Para Márcio, o Espírito Santo tem condições de ser um dos destinos turísticos mais visitados do Brasil. “Basta investir. Aqui tem tudo perto: frio, calor, serra, cachoeira, mar, montanha”, destaca. As experiências vividas por Márcio e Ghaidy estão relatadas no blog do casal, o Caminha Gente, e também no canal de youtube Viagens do Roger, de Roger dos Santos. O grupo afirma que desde que o Paulistando no ES começou, já foram contactados por cinco pessoas de outros estados que se interessaram em conhecer o Espírito Santo e solicitaram que o trio acompanhasse. “Fora as pessoas que nos contactaram pedindo dicas e tirando dúvidas para preparar roteiro, mas não nos pediram para acompanhá-las”, destaca Ghaidy. 

 O casal tem novos planos para quando terminarem de desbravar o Estado. Eles compraram uma Kombi home. “Ela tem cama, sanitário e tudo o necessário para a gente morar nela e percorrer cada um dos estados brasileiros”, conta Márcio, que rebatizou o projeto de Viagem Infinita. 

Em outros estados, o casal, que não terá a companhia do amigo Roger, também percorrerão as cidades “com a cara e coragem”. Eles relatam que nem sempre foi possível estabelecer parcerias. Por isso, até o momento tiveram um gasto de cerca de R$ 30 mil com hospedagens, alimentação, gasolina, manutenção do carro, entre outras despesas, chegando até mesmo a armar barracas para dormir em praças.

Acampamento no balneário de Mucurici. Créditos: Caminha Gente

Já a andarilha Simone Capeletti, “uniu o útil ao agradável”. Em 2006 ela participou pela primeira vez da caminhada dos Passos de Anchieta. A experiência de caminhar e, ao mesmo tempo, conhecer novos lugares, fez com que ela criasse, em 2011, o grupo de caminhadas Oscanela Brasil. Ela guarda boas recordações de lugares do Espírito Santo que, segundo ela, somente é possível conhecer andando, pois automóvel não consegue entrar.

Em primeiro plano, Simone Capeletti com andarilhos do Oscanela Brasil. Créditos: Oscanela Brasil

Alguns desses lugares ela conheceu por meio de um projeto anual organizado pelo Oscanela Brasil: o Nas Areias do Verão. A iniciativa é feita em três finais de semana diferentes. No primeiro, as pessoas caminham de Bicanga, na Serra, até Nova Almeida, no mesmo município. No segundo, de Nova Almeida a Santa Cruz, em Aracruz. No terceiro, de Santa Cruz a Barra do Sahy, também em Aracruz. “Alguns trechos só é possível fazer a pé. Só assim a gente pode conhecer parte da restinga, corais e outras coisas muito bonitas que temos por aqui”, destaca.

Nesses nove anos de Oscanela Brasil, Simone já conheceu grande parte do Espírito Santo, mas afirma não se apegar a números. “Eu me apego somente aos frutos e a felicidade trazidos por essa experiência vivida”. A andarilha também afirma que as caminhadas pelo Estado têm auxiliado muita gente a sair da depressão e melhorar a qualidade de vida. 

Apesar de ter destacado as boas lembranças do projeto “Nas Areias do Verão”, Simone afirma não ter um lugar preferido. “Não tem um lugar melhor do que outro. Eu, por exemplo, já fiz a caminhada de Santiago de Compostela, mas também adoro a de Viana”, diz referindo-se à tradicional Caminhada Ecocultural de Viana, que acontece anualmente, em julho, em comemoração ao aniversário da cidade. 

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