Um sonoro “não” à proposta da Prefeitura de Vitória foi dito pelos esportistas que utilizam a guarderia mantida há onze anos pela ONG Centro Náutico Capixaba (CNC) na Curva da Jurema, durante audiência pública realizada nessa terça-feira (29).
Presentes no evento, organizado pela Companhia de Desenvolvimento, Turismo e Inovação de Vitória (CDTIV), os usuários da guarderia reafirmaram que desejam sim melhorias no espaço, mas que a gestão não deve ser concedida para uma empresa privada, com fins lucrativos, e sim deve continuar sendo feita pela ONG, que oferece serviços de apoio logístico aos remadores e nadadores, como guarda-volumes, bicicletário, banheiro e ducha.
Desde 2015, um projeto de reestruturação da guarderia está pronto na Prefeitura, tendo sido feito pela própria equipe do município, com orientação do CNC. O valor de R$ 300 mil, necessário para sua implementação, informa Edmar Zouain, diretor do Centro Náutico, chegou a receber suporte de uma emenda parlamentar do então deputado Lelo Coimbra (MDB), mas o dinheiro teve que ser devolvido, pois a prefeitura impediu a implementação de seu próprio projeto.
Em seu lugar, a Companhia de Desenvolvimento escolheu a proposta de mais de R$ 2 milhões de uma empresa privada que quer iniciar a exploração comercial do ponto, numa área de 1.400m².
“A prefeitura tinha que ter a humildade de agradecer à nossa entidade pelo trabalho que eles não conseguem fazer. Nosso modelo deu certo, apoia a gente!”, clama Edmar Zouain, em nome dos 270 associados ao CNC e demais usuários que utilizam o espaço gratuitamente.
“Centenas de pessoas hoje remam e nadam porque tem a guarderia. Hoje já chamam a praia da Guarderia de 'Nova Bacutia'. A população precisa unir e transformar Vitória em uma ilha de esportes e vida saudável. A cidade é uma ilha! Precisa aproveitar melhor sua costa”.
A proposta do município e da ONG, conta o diretor do CNC, começou a ser construída em 2013, já na gestão anterior de Luciano Rezende (Cidadania), quando o prefeito convocou secretaria e procuradoria para elaborar o projeto junto com o Centro Náutico. Foi o ano em que a convênio estabelecido na gestão de João Coser (PT) vencia e era preciso renovar o trabalho.
Mas, surpreendentemente, numa decisão de gabinete, a proposta foi preterida. “A prefeitura nos ligou dizendo que tinha escolhido o projeto da empresa privada. Só depois fazem a audiência pública”, critica Edmar, acrescentando que a entidade soube da audiência pelo jornal. “Não nos avisaram!”, indigna-se.
No debate, mais algumas surpresas, sendo duas especialmente consideradas chocantes. A primeira, que, ao final, o município informou que o projeto que havia sido apresentado já não era mais válido, pois a empresa fizera outra proposta, que estaria disponível na prefeitura para consulta em mãos. A outra desagradável surpresa foi a exibição de fotos do CNC tiradas horas antes da audiência, num momento em que os voluntários organizavam os barcos, em meio a um cenário de bagunça temporária, normal numa operação de organização de tantas embarcações.
A manobra causou indignação. “Quiseram dizer que o trabalho que fazemos há 18 anos [os primeiros sete anos foram em Camburi] é uma bagunça”, protesta Edmar.
'Ilegalidades'
A ONG já acionou o Ministério Público Estadual (MPES) para que investigue possíveis ilegalidades do processo em curso, alicerçado no projeto da empresa privada. “É uma área de preservação ambiental, não pode tirar vista do Convento da Penha. Vimos muita ilegalidade, vimos barbaridades escritas ali. E não vimos nesse processo as licenças de meio ambiente, do Iphan [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional], da Marinha”, enumera.
A área, estabelecida em um aterro, complementa Edmar, é do Estado do Espírito Santo, que já havia afirmado não poder haver exploração comercial. A cessão ao município teria sido feita na gestão de Hermes Laranja, apenas para fins de lazer e esportes. “Agora a prefeitura diz que o Estado autorizou exploração comercial”, apontou.
Em uma petição online, os esportistas pedem apoio para “solicitamos que fique definido que a nova Guarderia continue exercendo papel de apoio logístico e higiênico aos Nadadores”, sem custos, como já ocorre há mais de uma década por iniciativa da ONG.
“O CNC nos oferece esse apoio fraternalmente, atendendo bem a todas as pessoas, gratuitamente”, atesta o nadador Marcos Cesar de Souza, presente na audiência pública. “Nos cedem água, banheiro, higienização e guardam nossos pertences enquanto a gente nada”, conta.
“Vitória tem 34 km de costa. Essa empresa poderia assumir outros espaços físicos da prefeitura e aferir lucro como pretende, mas não ali onde já existe uma entidade e funciona muito bem”, propõe.