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‘Estão todos aterrorizados’: Vila Esperança enfrenta despejo no dia 8

Reunião preparatória decretou dia da reintegração de posse da ocupação em Vila Velha

A Polícia Militar do Espírito Santo (PMES) e o Poder Judiciário marcaram para o próximo dia 8 a reintegração de posse da área da ocupação Vila Esperança, consolidada na região de Jabaeté, Grande Terra Vermelha, em Vila Velha. A reunião preparatória, realizada nesta terça-feira (1), provocou preocupação entre os moradores e movimentos sociais, diante da vulnerabilidade das mais de 800 famílias . “Eles deixaram todo mundo aterrorizado”, ressaltou a presidente da ocupação, Adriana Paranhos, conhecida como Baiana.

Ela descreveu como terror psicológico o tom imposto aos moradores durante a reunião. “Disseram que vai ter Exército, Batalhão. Tem muita gente passando mal e algumas pessoas saindo de lá”, relata.

Lucas S.Costa/Ales

O encontro foi convocado por meio de um ofício assinado pelo coronel Jefferson Carlos Morais, que destacou a necessidade de “firmar tratativas com a proposta de ajustar condutas mútuas a serem desenvolvidas em cunho operacional, que visam o bom desenvolvimento e garantias de bons resultados de operação a ser realizada em cumprimento de ordem judicial”. 

A ocupação começou há mais de oito anos, durante a gestão de Rodney Miranda (Republicanos), relata o morador Vitor Gomes. Já no governo de Max Filho (PSDB), um acordo foi firmado com os empresários proprietários do terreno, que aceitaram ser indenizados para que a área fosse destinada à moradia popular. Por meio de suas redes sociais, Max Filho explicou que, como seu mandato estava quase no fim, o pagamento da indenização ficou para a gestão seguinte, do atual prefeito, Arnaldinho Borgo (Podemos), com os recursos estipulados já deixados em caixa, mas o procedimento não teve sequência.

O clima na Vila Esperança é de desespero, segundo relatos de moradores como Josué Santos, que participou da reunião preparatória. “A reunião que era de um conselho virou de amedrontamento’, desabafou. Ele descreve a postura das autoridades como agressiva, com ameaças de uso da força e remoção compulsória. “Vão entrar com 30 máquinas derrubando tudo e não importa se tem criança, se tem idoso, se tem pessoas com deficiência”, acrescenta.

Quando questionados sobre o destino dos moradores, a resposta foi ainda mais chocante, como relatam. Os policiais afirmaram que iriam “exercer a função, cumprir a ordem, pegar todas as coisas e botar eles na rua, em alguma via pública e deixar ali”, relembra Josué. Ele afirma que a declaração deixou os moradores se sentindo “pior do que cachorro”, como se não valessem nada e fossem apenas descartáveis. “A reunião deixou muita gente chorando, passando mal e tendo que tomar remédio. Foi uma humilhação”, enfatizou.

Ele descreve a tristeza e indignação com a revogação do decreto anterior, que previa a desapropriação da área para fins habitacionais. “O prefeito usa todo o poder que ele tem para investir contra a população da Grande Terra Vermelha”, denunciou. Além da Vila Esperança, outras comunidades da região estão sofrendo com ameaças de despejo, como a Vila da Conquista, Nova Jabaeté e Cidade de Deus, afirma.

A reunião resultou no agravamento da saúde dos moradores que necessitam de cuidados paliativos urgentes. Em resposta ao que a comunidade considera descaso do poder público, uma campanha de solidariedade foi lançada, buscando arrecadar fundos e medicamentos para amenizar o sofrimento. Para contribuir, os interessados podem entrar em contato diretamente através do número 27 99913-0868 e combinar a forma de doação.

Apesar do clima de tensão, Adriana afirmou que ainda há esperança de conseguir uma suspensão da reintegração e que movimentos sociais se mobilizam para prestar apoio. Para ela, as posturas das gestões de Renato Casagrande (PSB) e Arnaldinho Borgo (de saída do Podemos) demonstram “falta de compromisso com a segurança dos moradores de Vila Esperança”. Ela reforça a crítica à falta de propostas concretas de alternativas habitacionais para as famílias, que se encontram em um cenário de extrema vulnerabilidade.

A decisão judicial de reintegração de posse, proferida em 27 de fevereiro deste ano, reacendeu a luta da comunidade por seus direitos. A ocupação surgiu como resposta à falta de acesso à moradia digna na região. Os moradores construíram suas casas com recursos próprios, acreditando no decreto do ex-prefeito Max Filho (PSDB), de 2020, que declarou a área como de interesse social e possibilitou a desapropriação do terreno para fins habitacionais. No entanto, em 2022, Arnaldinho Borgo (Podemos) revogou o decreto, abrindo caminho para a reintegração de posse e a ameaça de despejo.

A desembargadora Janete Vargas Simões, responsável pela decisão de reintegração, argumentou que o terreno pertence a empresários, que têm o direito de construir no local. Adriana Paranhos afirma que o mandado de reintegração de posse beneficia interesses imobiliários em detrimento das necessidades habitacionais da população mais vulnerável. 

Diante da iminência do despejo, moradores e movimentos sociais intensificam a pressão por diálogo com a Prefeitura e a Justiça. O objetivo é adiar a reintegração de posse até que soluções habitacionais dignas e viáveis sejam apresentadas às famílias.

Na última sexta-feira (28), a deputada estadual Camila Valadão (Psol), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia, protocolou uma indicação à Prefeitura de Vila Velha sugerindo adesão ao Novo PAC Seleções. A parlamentar defende que a captação de recursos federais pode ser uma solução viável para evitar a remoção forçada das famílias. “O despejo dessas famílias, sem alternativas habitacionais adequadas, configura uma grave violação dos direitos humanos e pode agravar ainda mais a desigualdade social na região”, destacou no documento.

Área vizinha

A comunidade de Vale da Conquista, que reúne 250 famílias, e fica ao lado da ocupação Vila Esperança, também é alvo da reintegração, mas aponta que não foi intimada na ação judicial, só sendo informada depois da inclusão da área na decisão.

Segundo Vitor Gomes, os moradores não foram formalmente notificados sobre as primeiras audiências que trataram a situação, pois a ação em questão tratava exclusivamente das glebas da Vila Esperança. A comunidade contesta a decisão, argumentando que os processos eram distintos, e que agora enfrentam um despejo sem ter para onde ir. 

Assim como Vila Esperança, a comunidade também denuncia que a gestão de Arnaldinho Borgo atuou para beneficiar empresários que adquiriram o terreno com o objetivo de construir um empreendimento imobiliário de luxo. 

Protesto e repressão   

A comunidade de Vila Esperança organizou um protesto no prédio da Prefeitura de Vila Velha há uma semana, para exigir um diálogo direto com o prefeito. A ação visava pressionar a administração municipal a apresentar alternativas concretas de moradia e garantir a dignidade das famílias da ocupação. Contudo, Arnaldinho se recusou a dialogar com os manifestantes e enviou representantes para atender a uma comitiva de dez pessoas, sem apresentar soluções efetivas. 

A situação se agravou quando, ao começar a dispersão do protesto, os manifestantes foram cercados pela Polícia Militar e pela Guarda Municipal, que usaram spray de pimenta contra os moradores. Durante o tumulto, o estudante João Otávio Lessa foi detido sob a alegação de ter agredido uma funcionária pública. No entanto, os moradores contestam essa versão dos fatos, afirmando que a prisão do jovem foi premeditada, pois já existia um mandado de prisão contra ele antes do fim da manifestação. A detenção de João, um jovem de 18 anos diagnosticado com autismo e Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), gerou repercussão, sendo denunciada por movimentos sociais e pela Associação Brasileira dos Advogados do Povo Gabriel Pimenta (Abrapo). 

Integrante de um movimento de juventude da região de Terra Vermelha, ele já havia se posicionado contra a gestão de Arnaldinho Borgo durante a campanha eleitoral, o que teria gerado desconforto ao prefeito, relatam familiares e moradores da ocupação. Em resposta à prisão, a família de João iniciou uma vaquinha solidária para arrecadar o valor de R$ 30 mil exigido para pagar a fiança e garantir a sua liberdade. O pedido de ajuda tem sido amplamente compartilhado nas redes sociais com a hashtag #LiberdadeParaJoão.

‘Descaso com a comunidade’ 

O prefeito Arnaldinho Borgo reafirmou sua posição contrária à ocupação no dia em que aconteceu o protesto na sede da administração municipal e defendeu a remoção das famílias em nota publicada nas redes sociais, dizendo que “Vila Velha não aceita mais ocupações irregulares”. “As identificadas pela prefeitura e passíveis de regularização, o município está trabalhando para que isso ocorra. Neste exato momento, estamos construindo 280 moradias sociais para acolher famílias em vulnerabilidade social. E temos mais programas de habitação social que serão iniciados. Chega de grilagem de terra e manipulação das famílias de bem de Vila Velha por meio de informações falsas”, concluiu.  

Em resposta, a comunidade publicou uma nota de repúdio: “Prezado Prefeito Arnaldinho Borgo, estamos tentando diálogo com você e com a gestão municipal há bastante tempo. Se você realmente se preocupa com a moradia das pessoas, como insiste em dizer, mesmo se recusando a dialogar, por que retirou a área de Vila Esperança da classificação de interesse social? E por que não apresentou nenhuma solução concreta para as 800 famílias e mais de 500 crianças que estão prestes a ficar sem lar?”. 

O documento prossegue: “muito se fala sobre acabar com as moradias irregulares em Vila Velha. Sendo assim, quando a prefeitura vai acabar com as moradias irregulares do Morro do Moreno? Queremos saber por que a política pública é seletiva e segue prejudicando o povo mais vulnerável. A oferta de 280 moradias para mais de 800 famílias é insuficiente e insultante. Vila Esperança exige respostas concretas e soluções eficazes para a crise habitacional. A comunidade merece respeito e dignidade!”, defende a comunidade. 

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