Proposta do Governo Federal de vender imóvel público sem diálogo com a sociedade provocou polêmica em 2020
O tombamento provisório feito pelo Conselho Estadual de Cultura (CEC) para salvaguarda do imóvel, que ainda pode ser revertido ou mantido como permanente, representou um ponto aparentemente crucial para deter a venda, cujo edital de leilão estava prometido para novembro em termos ainda desconhecidos. A Superintendência de Patrimônio da União do Espírito Santo (SPU-ES), responsável pelo projeto de privatizações, encontra-se atualmente sem superintendente, depois da recente exoneração de Márcio Furtado, no final de novembro.
Além do IBC, outro terreno que se pretendia vender em Vitória era o campo do Santa Cruz, em Santa Lúcia, que também encontrou rejeição pela comunidade do entorno e teve o processo de venda paralisado. Os planos de privatização comandados pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e pelo ex-secretário especial de Desestatização Salim Mattar, despontam entre os grandes fracassos da primeira metade do governo de Jair Bolsonaro.
Mas deixando de lado as disputas políticas, pode-se ver nos projetos experimentais dos estudantes um pouco do que poderia ser realizado a partir dos diferentes interesses envolvidos, como a criação de espaço público e verde, alternativas para cultura, esporte e educação, moradia e uso comercial.
Alguns pontos interessantes mostram o eixo de localização dos galpões do IBC, que marcam o início da ocupação moderna de Jardim da Penha, que tem apenas pouco mais de meio século de história. Em termos de ecossistema, o bairro se encontra justamente entre o mar e o mangue, além de estar entre duas avenidas troncais para a capital: a Fernando Ferrari e a Dante Michelini. As características naturais também contam como importantes no planejamento, considerando o trajeto do sol e o vento sul predominante, que se bem usados, propiciam conforto térmico.
Em todos projetos, o que se observa em comum é a preocupação de proporcionar múltiplos usos e também com a permeabilidade, que possa ser um espaço de circulação e permanência para a comunidade e para a sociedade em geral. Nesse sentido, a atual estrutura com 12 galpões enfileirados, com a estrutura enclausurada de armazéns, parece ser um problema para a maioria dos projetos realizados.
Alguns deles implicam a total demolição dos imóveis e outros apontam para a preservação parcial dos mesmos, seja realizando aberturas entre os edifícios ou mantendo uma parte deles para conservar o marco arquitetônico ou fazendo aberturas nas laterais para maior circulação, projetos que poderiam ter problemas caso o tombamento se torne definitivo. A manutenção da memória também é pensada a partir da criação dentro do espaço de um Museu do Café, que possa abordar a importância deste produto, que encontro nos galpões do IBC um marco para o desenvolvimento econômico e social do Espírito Santo.
O que interessa observar dos projetos, porém, é a capacidade de sonhar os usos possíveis do IBC, sendo que muitos grupos ouviram associação de moradores, empresários e gestores de instituições educacionais como o Instituto Federal do Estado (Ifes) e Ufes.
Jardim da Penha possui uma população mais antiga em processo de envelhecimento e, ao mesmo tempo, uma população jovem com frequente renovação por conta dos estudos na Ufes e outras instituições de ensino nas proximidades, mas também população de meia idade. Há uma demanda histórica por uma creche no bairro, que é incorporada em alguns projetos.
O entorno chama a atenção para a rua da tradicional da feira livre, apontada por moradores como pouco segura, especialmente durante a noite. Algumas proposta enxergam a possibilidade de planejar um espaço de praça que dê amplitude à feira aos sábados, servindo como local de extensão, além de projetos que sugerem a criação de um mercado público permanente para alimentos, artesanatos e outros produtos locais.
Também é pensado em alguns casos a conexão com a Rua da Lama, formando um eixo de movimentação noturna com bares, restaurantes, lanchonetes e outros atrativos que contribuam para gerar maior circulação de pessoas, o que é visto como elemento que geralmente traz maior sensação de segurança.
Quadras, piscinas, bibliotecas, espaços para exposições, cinema ao ar livre, centro de assistência psicossocial, escritórios, espaços para co-working, fomento da economia criativa e funcionamento de startups estão entre as sugestões trazidas pelos projetos dos estudantes de Arquitetura e Urbanismo, que também prezam muito pela circulação de pessoas e espaços amplos, arejados e repletos de arborização e fluxo de águas.
A suspensão do leilão abre brecha novamente para a dimensão do sonho, no melhor sentido da palavra. O que a sociedade gostaria de ver para aquele espaço? Com um planejamento participativo e democrático, o que desejamos para aquele local? Afinal, a quem mesmo pertence o patrimônio público?