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Famílias que lutam por moradia ocupam, agora, a Casa do Cidadão

Leonardo Santos, 18, mora de aluguel em São Pedro IV com a mãe, o padrasto e cinco irmãos. A mãe, faxineira, está desempregada; ele, o mais velho, também. O último trabalho foi de ajudante de pedreiro. O padrasto, funcionário de um supermercado em Porto Novo, Cariacica, é o único com emprego na família, o que garante os R$ 400 mensais do aluguel da casa. 
 
“Tô aqui para isso mesmo, para correr atrás dos nossos direitos. Nada vai cair do céu”, diz, deitado um canteiro sombreado, a cabeça apoiada no colchão enrolado junto a vasos de planta. 
 
Seu principal objetivo é tirar a mãe do aluguel, razão pela qual é uma das 200 pessoas que, após desocuparem o terreno entre os bairros Grande Vitória e Universitário, efeito de uma ação de reintegração de posse cumprida terça-feira (25) pela Polícia Militar, ocupam, agora, o pátio da cantina da Casa do Cidadão, em Itararé. Eles cobram diálogo com a Prefeitura de Vitória e a inclusão em programas de moradia. 
 
Uma reunião, não confirmada, entre representantes do movimento e das secretarias municipais de Assistência Social e de Direitos Humanos era aguardada para a tarde desta quinta-feira (27).
 
Na manhã desta quarta-feira, a principal atividade era coordenada por integrantes do Movimento Nacional de Luta pela Moradia: em uma mesa, realizavam o cadastro dos ocupantes para remeter à prefeitura, que, então, deve realizar uma triagem das pessoas que não estão inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico), programa do governo federal de coleta de dados para identificação de famílias de baixa renda. 
 
Cerca de 14 barracas se espalham pelo pátio. A um canto, um grupo de cinco mulheres se reunia em torno da cozinha improvisada com um fogão portátil a gás de duas bocas. Preparavam arroz, feijão, macarrão e salada para o almoço das 50 famílias. Ao lado, dois homens conversavam, apoiados no corrimão: Eu já espelhei currículo por tudo quanto é canto aí. O problema é todo esse: não tenho emprego e moro de aluguel”, disse um. O outro retrucou: “Tá difícil para todo mundo. Todo mundo aqui está desempregado”, pontuou. 
 
Os ocupantes têm acesso livre aos banheiros, que servem para passar uma água em utensílios e dar banho rápido nas crianças. O desempregado Dionélio Nascimento, 22, seguiu para a ocupação com o três filhos – duas meninas, de 2 e 4 anos, e uma menina de oito meses – e a mulher, a dona de casa Karollayne do Amaral, 20. Nascido em Vitória, Dionélio é filho de cearenses de Aiuaba, pequeno município do sertão, que migraram para o Espírito Santo três décadas em busca de melhores chances na vida.
 
Ainda não encontrou. Seu último emprego foi de auxiliar de serviços gerais em uma empresa na Serra. Acordava às 5h para entrar às 7h. Com filhos pequenos, não conseguia ter noites saudáveis, o que redundou em faltas que, com o tempo, se tornaram constantes. Foi demitido após nove meses. Há dois anos vive de bicos para pagar os R$ 500 de aluguel da casa em São Pedro III. “As coisas que mais quero são moradia e emprego”, diz. 
 
O movimento evidencia certo nível de organização. Às 12h, cerca de 100 pessoas se reuniram em círculo no pátio para receber informes de MC Tim Funk da Paz, um dos líderes da ocupação. Quando o burburinho geral suplantava-lhe a voz, ele gritava: “Ordem, ordem, ordem!”. E quando retomava o controle da situação, estimulava a participação os ocupantes: “Ordem para ter…”, e o pátio completava, “Progresso”. E de novo: “Ordem para ter…”, “Progresso”. E mais uma vez.
 
Arremata cada informe com um “Amém, irmão?”, um método retórico-religioso para prender a atenção da audiência e testar a compreensão geral da informação repassada. 
 
Falou primeiro da importância do cadastramento realizado pelos membros do MNLM para a organização do movimento. Em seguida, conclamou a solidariedade: destacou a simplicidade do almoço – “Hoje não temos carne, irmãos” – e sugeriu uma contribuição geral para a compra de salsicha, lingüiça e ovos. Tirou o boné da cabeça e emborcou-o nas mãos: imediatamente, um rapaz surgiu com uma nota de R$ 2 estendida para o boné. Entre moedas e notas miúdas, o boné de TIM amealhou R$ 35,60.
 
O almoço ficou pronto. A ocupação decidiu que as crianças, acompanhadas de mães e pais, seriam servidas em primeiro lugar. Foi decidido ainda que as porções deveriam ser moderadas para contemplar todo o movimento e que, após se servir, todos deveriam retomar o mesmo lugar. Em pequenos potes de plástico, potes de sorvetes e pequenos pratos de ágata, as mulheres chegaram uma a uma junto ao fogão e se serviram na caçarola com macarrão parafuso, na panela de pressão com feijão e nas vasilhas de plástico com arroz branco e salada.
 
A ocupação, no entanto, ainda enfrenta dificuldades e pede doação de alimentos, colchões, lençóis e roupas.

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