Integrantes do grupo se deslocaram para vários municípios. Nem todos conseguiram aluguel social
Aguardar o final do processo judicial relativo à ocupação do terreno na comunidade Bom Jesus, em Conceição da Barra, norte do Estado, foi a decisão das 120 famílias que ocupavam o território, mas tiveram que deixá-lo devido à decisão do juiz Antonio Moreira Fernandes. O magistrado determinou o cumprimento da ação de reintegração de posse em favor da Suzano Papel e Celulose (Ex-Aracruz Celulose e ex-Fibria), condenada em 2021 por grilagem de terras. As famílias manifestam sentimento de “fragilidade” e agora estão “fragmentadas”, espalhadas por vários municípios após a saída.
Algumas famílias conseguiram aluguel social, outras não. Há pessoas que foram para a casa de parentes, principalmente em Conceição da Barra e São Mateus, também no norte do Espírito Santo. Em sua decisão, o juiz determinou a reintegração de posse para esta terça-feira (23), mas elas optaram por sair aos poucos. O último grupo, segundo pessoas que estavam na ocupação, mas preferem não se identificar por medo de represálias, saiu nessa segunda-feira (22).
A famílias, que se encontravam no local desde 2019, afirmam que preferiram não permanecer porque, caso a situação se reverta na Justiça, “é mais fácil colocar de volta tudo que foi tirado do que enfrentar a possibilidade de violência por parte das forças de segurança”. Elas lamentam ter tido que “tirar em sete dias o que foi construído durante anos”.
Na reunião preparatória ocorrida nessa terça-feira (16), foi solicitado um prazo maior para a saída das famílias, que sugeriram de duas semanas a um mês, mas o pedido não foi atendido. Participaram representantes da Comissão de Conflitos Fundiários do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES); da Polícia Militar do Estado (PMES); da Suzano; do mandato da deputada estadual Camila Valadão (Psol), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa; e integrantes da própria ocupação.
Uma das motivações para o pedido, afirmam as famílias, é o fato de que elas trabalhavam com a agricultura na região, por isso, havia algumas plantações, como as de maracujá e abóbora, que já estavam próximas da colheita. Assim, seria possível colher e vender a produção, “gerando renda para quem futuramente vai ter que sair de lá com uma mão na frente e outra atrás”.
“Agora o caminhão chega e passa por cima de tudo”, lamentam as famílias, que afirmam ter contribuído para mudar a economia da região, vendendo maracujás para uma fábrica de Boa Esperança, e outros produtos agrícolas para moradores e estabelecimentos comerciais da localidade.
O Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação em 2013 no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (processo 0000693-61.2013.4.02.5003), pedindo a anulação da titulação de 30 imóveis, localizados em Conceição da Barra e São Mateus, concedidos pelo Estado à Suzano nos anos 1970. Parte dessas áreas se sobrepõem aos territórios quilombolas do Sapê do Norte. O MPF também solicitou a suspensão de qualquer financiamento direto do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) à papeleira.
Fraudes nas titulações foram descobertas pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Aracruz, criada em 2002 pela Assembleia Legislativa. Na época, foi constatada a existência de um acordo entre a Aracruz Celulose e vários funcionários para que estes requeressem a legitimação da posse de terras públicas estaduais, nos anos 70, a fim de transferi-las à empresa. Uma primeira decisão judicial condenando a papeleira foi proferida em outubro de 2021, quando o juiz determinou a suspensão dos títulos de propriedade fornecidos pelo Governo do Estado à então Fibria. O processo ainda tramita no Poder Judiciário.