sábado, novembro 23, 2024
22.1 C
Vitória
sábado, novembro 23, 2024
sábado, novembro 23, 2024

Leia Também:

Famílias são expulsas de ocupação em colégio no Morro do Romão

Gestão de Pazolini conseguiu inflamar comunidade contra as famílias, que agora estão todas no acampamento na PMV

As famílias da ocupação Chico Prego não se encontram mais na Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Irmã Jacinta Soares de Souza Lima, no Morro do Romão. Todas elas foram para o acampamento em frente à Prefeitura de Vitória, que já dura 22 dias. Isso porque foram despejadas do colégio depois de a gestão de Lorenzo Pazolini (Republicanos) inflamar a comunidade contra as famílias, após várias tentativas malsucedidas de retirá-las do espaço de maneira ilegal.

Leonardo Sá

A militante do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), Rafaela Regina Caldeira, relata que, nessa quarta-feira (27), representantes da prefeitura se reuniram com a comunidade para uma reunião do projeto de apresentação da obra de construção da EMEF, que está fechada desde 2013. Durante a atividade, foi dito que o início das obras dependia da saída das famílias da ocupação e, inclusive, que a licitação já havia sido feita, com possibilidade de perda da verba caso a ocupação não fosse encerrada. 

Diante disso, prossegue Rafaela, dezenas de pessoas que participaram da reunião foram até a escola, onde ameaçaram retirar os pertences das famílias, as xingaram e ameaçaram agredi-las fisicamente. “Um carro da prefeitura apareceu e ainda se prontificou a tirar nossas coisas de lá”, diz, acrescentando que, em meio à confusão, a comunidade deu um prazo para que as famílias se retirassem do local, que foi nessa quinta-feira (28) até meia-noite.

“Somos um grupo menor, que estava ainda mais reduzido, porque parte dele estava no acampamento da prefeitura, por isso, resolvemos sair. Enquanto retirávamos nossas coisas, algumas pessoas da comunidade nos vigiavam até o último pertence ser colocado no caminhão”, conta. Um sindicato cedeu um galpão por oito dias para guardar os pertences das famílias, que foram transportados para lá após os movimentos sociais fazerem uma vaquinha para pagar o frete.
Agora a situação das famílias está ainda pior, uma vez que cozinhavam na escola e levavam a comida para o acampamento, além de utilizarem a água do colégio.

“A Prefeitura de Vitória age de maneira truculenta. Eles não querem resolver a situação, e sim, coagir. Essa possibilidade de perda de verba não procede, pois enquanto tem ordem judicial a ser cumprida, não pode ser destinada para outra obra”, aponta Rafaela, referindo-se à decisão do juiz Mario da Silva Nunes Neto, que acatou o pedido da prefeitura de retirada dos moradores com uso de força policial, mas, como pré-condição, estabeleceu que seja garantido um local digno para abrigá-las, bem como seus pertences, por um período mínimo de seis meses, o que não aconteceu.

A gestão municipal chegou a fazer tentativas ilegais de retirar as famílias da ocupação. Em 12 de abril foram enviadas para o local viaturas e guardas da Ronda Ostensiva Municipal (Romu), acompanhadas de guardas municipais fortemente armados, e também um caminhão de lixo e dois tratores, conforme relataram os ocupantes. Acionada, a Defensoria Pública Estadual (DPES) foi imediatamente à escola, e apontou a ilegalidade de ação, por descumprir a ordem judicial. Na véspera dessa ação ilegal, a prefeitura já havia enviado guardas da Romu para a escola, que fizeram muitas fotos e alegaram estarem fazendo “um levantamento”, mas sem informar o objetivo.
Divulgação

A Justiça Estadual negou, recentemente, o pedido da gestão de Lorenzo Pazolini para a retirada das famílias da ocupação Chico Prego sem cumprimento das condicionantes para a reintegração de posse impostas em sentença publicada no último mês de março. A Prefeitura de Vitória tentava, desta forma, reverter decisão do juiz Mario da Silva Nunes Neto. “Aliás, pelo contrário, em homenagem aos princípios da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial, outras [condicionantes] se fazem necessárias”, acrescentou o magistrado. 

‘É como fazer o bolo e não ter direito a comer uma fatia’

Neste sábado (30), a prefeitura entregará 35 unidades do Residencial Santa Cecília para famílias de baixa renda. Entretanto, nenhuma delas faz parte da ocupação Chico Prego, cujos integrantes ocuparam o prédio em 2017, impulsionando o debate sobre a função social do imóvel, o que culminou em sua restauração e entrega para os novos moradores. “É como fazer o bolo e não ter direito a comer uma fatia”, ressalta Rafaela.
Leonardo Sá

“A gente fica feliz pelas famílias que receberão o imóvel no Santa Cecília, mas nos sentimos humilhados de não ter o mesmo direito. Estamos sendo bombardeados por mentiras há cerca de cinco anos, como a de que há pessoas aqui que têm casa. Ninguém aqui tem moradia, ninguém ficaria em um acampamento, nas condições em que estamos, sem lugar nem para tomar banho, se tivesse casa”, diz.

A militante do MNLM destaca que o debate sobre a função social da propriedade e a cobrança para que ele acontecesse não tinha tanta repercussão, mas ganhou visibilidade através das mobilizações das famílias que fazem parte da ocupação Chico Prego. “Foi impulsionado pelas nossas manifestações que Luciano Rezende [ex-prefeito de Vitória, do Cidadania] firmou parceria com a iniciativa privada para restauração do Santa Cecília. Outro prédio que será entregue para pessoas de baixa renda é o Residencial Consolação, no bairro Consolação, também por causa do debate provocado por nós”, recorda.

No final de 2016, as famílias da ocupação Chico Prego ocuparam a Fazendinha, na região da Grande São Pedro, para a qual chegou a ser idealizado um projeto de conjunto habitacional popular por alunos do curso de Arquitetura da Universidade Federal do Estado (Ufes), renegado pela gestão do então prefeito Luciano Rezende (Cidadania).
Posteriormente, as famílias foram para a Casa do Cidadão, em Maruípe; de onde seguiram para o prédio do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários (IAPI), no Centro. De lá, foram retiradas para que o prédio fosse reformado e destinado ao Programa Minha Casa, Minha Vida – Entidades, o que acabou não acontecendo, devido aos cortes do governo Bolsonaro (PL) de subsídios para a faixa mais baixa de renda do programa.
Depois disso, o Edifício Sagres, no Centro, foi o novo local de moradia das famílias, seguido da quadra da Piedade e do Santa Cecília, de onde saíram após conseguir aluguel social, para, então, irem para a Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Irmã Jacinta Soares de Souza Lima. “A gente não viu outra opção. Estávamos para ser despejados, com três meses de aluguel atrasado, fora contas de água e luz. Entre ficar num espaço desse jeito ou morar na rua, preferimos ficar aqui com nossas famílias”, disse Rafaela na ocasião.
As unidades do Santa Cecília serão entregues para famílias de baixa renda dos bairros Piedade, Moscoso, Fonte Grande e Santa Clara, que tiveram que deixar suas casas em áreas de risco ou de interesse ambiental, contempladas por meio do Projeto Terra Mais Igual, da Prefeitura de Vitória. Quinze dessas famílias são pessoas que saíram do Morro da Piedade devido à violência. Elas visitaram os apartamentos em fevereiro deste ano.

Algumas delas conquistaram o aluguel social judicialmente, por meio da atuação da Defensoria, por intermédio do Instituto Raízes. Em março de 2019, a DPES ingressou com um agravo de instrumento com pedido de antecipação de tutela recursal, para que o benefício fosse pago em caráter de urgência.

O pedido foi apreciado e deferido pelo desembargador Jorge do Nascimento Viana no mesmo mês.Entretanto, a PMV e o Governo do Estado recorreram da decisão. Em novembro de 2019, o Tribunal de Justiça do Estado (TJES), por meio da 4ª Câmara Cível, declarou procedente o pedido de aluguel social. A votação dos desembargadores foi unânime em favor da comunidade.

Mais Lidas