Decisão do prefeito de Vitória Lorenzo Pazolini favorece o transporte privado individual
“A Linha Verde significava o início de uma democratização das vias das ruas”, diz o urbanista Fernando Mathias, integrante do coletivo Pedalamente, que discute mobilidade urbana. Segundo ele, iniciativas similares têm sido implementadas em diversas cidades do mundo ao longo das últimas décadas para priorizar o transporte coletivo. Uma vantagem da Linha Verde apontada pelo urbanista é justamente o baixíssimo custo de implementação, apenas com uso de sinalização vertical e horizontal, sem necessidade de obras viárias e grandes investimentos.
Em entrevista à imprensa, o novo prefeito declarou que sua equipe fez pesquisas na época da campanha eleitoral que mostravam que “a cidade de Vitória não desejava mais a existência da Linha Verde, tendo em vista que ela não tem se mostrado eficaz na resolução do problema do trânsito da cidade”. Também alegou que seu antecessor não debateu a implementação desta linha com a sociedade. Outro problema apontado pelo novo prefeito seria a falta de fiscalização, embora a gestão anterior apontasse que ela ocorria por meio de um circuito de câmeras.
“Um contrassenso que perdurou tempo demais e que resolvemos com a volta da faixa à normalidade”, disse Pazolini. O que seria “normalidade” dentro da mobilidade urbana parece um ponto passível de discussão. O título da matéria do portal da prefeitura é curioso: “Extinção da Linha Verde melhora trânsito na praia de Camburi”. Melhorou para quem? A resposta é fácil: para os motoristas de carros com menos de três pessoas. Para os usuários do transporte público, o trânsito deve ter “piorado”, ou seja, suas viagens estarão mais longas. “Isso é ainda mais preocupante nesse momento de pandemia, no qual seria ideal que o cidadão ficasse o menor tempo possível dentro do transporte coletivo”, pontuou Fernando Mathias.
Para justificar a decisão, o secretário de Transportes, Trânsito e Infraestrutura Urbana de Vitória, Alex Mariano, declarou que não havia estudos que apontassem ganho de tempo ou vantagens no uso da Linha Verde, embora a prefeitura também não tenha apresentado estudos que provem o contrário. Solicitamos à gestão municipal dados ou a pesquisas que indicassem o embasamento da decisão do prefeito, mas nada foi enviado.
“A vontade da grande maioria dos moradores deveria ter sido considerada, mas caminhamos agora para dar boas soluções à mobilidade da capital”, disse o secretário. Porém, sem os dados fica difícil saber quem era essa “grande maioria” ou quem foi consultado nessa análise, já que os critérios da pesquisa podem indicar um ou outro resultado.
Sem dados técnicos, a opção de extinção da Linha Verde, parece ter sido política – e legítima, pois inclusive foi apresentada em campanha. Atende à pressão de parte dos moradores do município. O que não quer dizer que não seja questionável. Fernando Mathias avalia que apenas a opinião dos moradores do entorno é insuficiente para definir uma política de mobilidade que atinge toda cidade e o âmbito metropolitano, já que Vitória é um ponto crucial para a movimentação das pessoas na Região Metropolitana.
Na época de início da implementação, em 2018, o prefeito Luciano Rezende respondeu explicitando o cerne da questão, após a Linha Verde ter sido suspensa pela ação judicial de moradores de Jardim Camburi, Mata da Praia e Bairro República. “Essa é uma opção que a cidade vai ter que fazer: quer continuar dentro dos automóveis ou buscar o transporte coletivo? O mundo inteiro está buscando o transporte coletivo e em nenhum lugar é fácil essa mudança”.
O então prefeito reconheceu que o trânsito na região já era complicado antes da separação da faixa ter início, e esta não foi exatamente colocada como uma solução definitiva para o transporte, mas como marco de um novo paradigma para pensar a mobilidade. O que está em jogo de fato, aponta Fernando Mathias, é a prioridade ou não do transporte coletivo sobre o veículo individual, já que além do transporte público, o projeto estimulava também a carona solidária, ao permitir o fluxo de carros com três pessoas ou mais. Como ressaltou o próprio secretário Alex Mariano, se tratava de uma faixa compartilhada e não de uma faixa exclusiva.
Agora, o prefeito Lorenzo Pazolini prometeu que abrirá um debate amplo com a sociedade para definir os melhores rumos para a mobilidade da capital, além de apontar a necessidade de estudos técnicos, sem deixar de reconhecer que faixas exclusivas ou compartilhadas possam ser utilizadas em outras vias, assim como seguem sendo utilizadas em dois trechos próximos ao acesso à Terceira Ponte, embora com extensões menores.
Politicamente, porém, o encerramento da Linha Verde sem apresentação de uma outra alternativa que a substitua parece indicar que esse tipo de iniciativa sai enfraquecido.