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Governo do Estado protagonizou retrocessos ambientais em 2024

Medidas privatistas abriram caminho para exploração e degradação

O ano de 2024 foi marcado por decisões do governo estadual que fragilizaram a proteção ambiental e abriram caminho para a exploração da natureza de forma insustentável, como têm apontado movimentos sociais e ambientalistas. Entre as ações mais controversas, estão o Programa Estadual de Desenvolvimento e Uso Sustentável das Unidades de Conservação (Peduc), que prevê a concessão de seis parques estaduais por 35 anos para exploração turística, a criação do Fundo Estadual de Compensação Ambiental (Fecam) e a entrega de serviços de saneamento por meio de Parcerias Público-Privadas (PPPs).

A negligência dos órgãos responsáveis pela gestão da qualidade do ar também contribuiu para o agravamento da poluição ao longo do ano, causada principalmente pelas empresas Vale e ArcelorMittal. A previsão é que, nesse mês de dezembro, os índices alcancem os níveis mais altos dos últimos anos, colocando a saúde da população e o meio ambiente em risco.

Movimentos sociais, ambientalistas e especialistas apontam que as ações da gestão liderada pelo secretário, Felipe Rigoni, representam uma continuidade da política de desmantelamento das iniciativas de controle, fiscalização e conservação ambiental, com impactos negativos na gestão pública dos espaços naturais e na conservação da biodiversidade.

Comercialização dos parques

Instituído pelo Decreto nº 5409-R em junho de 2023, o Peduc abrange seis importantes unidades de conservação: os parques estaduais de Itaúnas, em Conceição da Barra, no norte do Estado; Paulo César Vinha, em Setiba, Guarapari; Cachoeira da Fumaça, em Alegre, na região do Caparaó; Forno Grande e Mata das Flores, em Castelo, no sul do Estado; e Pedra Azul, em Domingos Martins, na região serrana. Um leilão para a concessão dessas unidades está previsto para o primeiro semestre de 2025

Em agosto deste ano, foram divulgadas na mídia, antes de passarem por consulta pública ou estudos de impacto ambiental, as primeiras propostas da modelagem econômica elaboradas pela consultoria Ernst & Young, contratada por R$ 8,6 milhões sem licitação. Estruturas como tirolesas, teleféricos, restaurantes, hospedagens e estacionamentos para centenas de veículos foram propostas em áreas sensíveis, e especialistas alertam para impactos significativos à fauna e flora locais. Eles apontam que, devido à sua pequena extensão e fragilidade, os parques não suportariam o impacto das novas instalações e do aumento expressivo do fluxo de turistas, necessário para viabilizar os lucros da concessão.

Além disso, as unidades de conservação estaduais enfrentam pressões antrópicas, invasões e atividades predatórias. Neste ano, vários incêndios intensificaram a fragilidade dos parques. No Parque Mata das Flores, mais de 100 hectares foram queimados durante a última semana de agosto, entre a área do parque e a zona de amortecimento, já fragilizada por secas anteriores. Em setembro, o Parque Estadual Paulo César Vinha e o Parque Pedra Azul foram temporariamente fechados devido a queimadas que causaram danos significativos à fauna e flora locais, com a morte de muitos animais e o deslocamento de outros.

Mobilizações populares têm marcado oposição à comercialização e urbanização das áreas de conservação. No último dia 12 de dezembro, ambientalistas, moradores das comunidades do entorno, movimentos sociais e pessoas preocupadas com o futuro das áreas protegidas se reuniram no Centro de Vitória em um ato unificado que exigiu a revogação do programa e substituição do secretário Felipe Rigoni, acusado de priorizar interesses privados em detrimento do bem coletivo e do meio ambiente. Em carta aberta ao governador, Renato Casagrande (PSB), os manifestantes destacaram a necessidade de pôr fim à prática de nomear representantes de interesses empresariais para cargos estratégicos.

Movimento em Defesa das UCs

A resistência terá continuidade e um novo ato foi convocado para o próximo dia 11 de janeiro, às 8h30, na entrada do Parque Estadual Paulo César Vinha.

Novo fundo ambiental

Outro ponto de crítica é o novo fundo ambiental criado pelo Projeto de Lei 409/2024, de autoria do Executivo, que institui o Fundo Estadual de Compensação Ambiental (Fecam), aprovado em regime de urgência pela Assembleia Legislativa e sancionado pelo governador no último dia 27. Com um orçamento inicial de R$ 37 milhões provenientes do Instituto Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), o fundo centraliza a gestão de recursos de compensação ambiental, retirando o poder de deliberação dos conselhos das Unidades de Conservação.

O projeto gerou divergências entre parlamentares e entidades ambientais, que alertam sobre o risco de mercantilização da natureza, enfraquecimento das Unidades de Conservação e redução da participação popular no controle ambiental. A deputada estadual Iriny Lopes, que apresentou emendas à matéria, lamentou a rejeição de suas propostas de ajustes e destacou os problemas da medida: “O projeto desvirtua o fundo, desrespeita as leis estaduais, não está em conformidade com o decreto nacional sobre fundos, e cria uma subconta sem previsibilidade legal. Isso é um risco para o meio ambiente e reforça a desconfiança na política de preservação do Espírito Santo”, enfatizou.

Privatizações no saneamento

O Tribunal de Contas do Estado (TCES) autorizou, recentemente, a Companhia Espírito-Santense de Saneamento (Cesan) a seguir com um leilão bilionário para Parcerias Público-Privadas (PPPs) no setor de esgotamento sanitário, que prevê investimentos de R$ 6,78 bilhões ao longo de 30 anos, abrangendo 43 municípios. O projeto divide-se em dois lotes: um de R$ 4,91 bilhões, que cobre a Grande Vitória e outras cidades do norte, e outro de R$ 1,87 bilhão, voltado para municípios menores do interior.

O modelo de concessão administrativa garante à Cesan o controle tarifário, mas delega à iniciativa privada a operação, manutenção e ampliação do sistema de esgotamento sanitário. Especialistas apontam que a medida pode levar à precarização do serviço e resultar em efluentes inadequadamente tratados, o que prejudica a qualidade ambiental, além de comprometer a garantia do acesso universal e de qualidade à água e ao esgoto para toda a população.

Após a autorização do leilão, o governo enviou à Assembleia Legislativa o Projeto de Lei Complementar 57/2024, que reorganiza a Secretaria de Estado de Saneamento, Habitação e Desenvolvimento Urbano (Sedurb) e cria novas estruturas com intuito de regular a operação das empresas e implementar as mudanças no setor. A medida, no entanto, foi criticada por entidades como o Observatório Capixaba da Água e do Meio Ambiente, que ressaltam o aumento dos gastos públicos em benefício do setor privado, com a criação de uma Subsecretaria de Política Estadual de Saneamento e de Apoio Regional e duas gerências para coordenação da Política Estadual de Saneamento Básico, que facilitam a entrada de empresas privadas no setor no Estado.

Poluição crescente

Nos últimos meses, a poluição do ar no Espírito Santo atingiu níveis alarmantes. Em outubro de 2024, os índices de poluição atmosférica em áreas urbanas de Vitória alcançaram patamares históricos, com concentrações de poeira e material particulado elevados. As estações de monitoramento do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), em locais como Jardim Camburi, Ilha do Boi e Praia do Canto, indicaram que a poluição deste final de ano pode ser a maior já registrada desde o início dos monitoramentos.

O agravamento da poluição é causado principalmente pelas atividades industriais do Complexo de Tubarão, operadas pela Vale e ArcelorMittal. De acordo com a entidade Juntos SOS Espírito Santo Ambiental, apesar dos acordos para redução dos impactos firmados há seis anos, as medidas adotadas têm se mostrado ineficazes. Essa poluição tem gerado sérios impactos na saúde pública, com aumento de problemas respiratórios e doenças associadas à exposição a poluentes. Moradores de bairros como Carapina e Cidade Continental relatam a presença constante de pó preto, oriundo das emissões industriais, desde o início de dezembro.

Com a chegada do verão e o agravamento das condições climáticas, especialistas alertam que o problema tende a se intensificar. A ineficiência dos Termos de Compromisso Ambiental (TCAs) e a falta de ações concretas das autoridades aumentam a percepção de que as políticas públicas ambientais estão sendo negligenciadas, colocando em risco a saúde da população e o direito social ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Continuidade

Não é a primeira vez que o governo toma medidas prejudiciais ao meio ambiente no apagar das luzes de um ano para o outro e em meio ao recesso parlamentar. Em dezembro do ano passado, foi aprovada a Lei Complementar nº 1.073/2023, chamada “Lei da Destruição”, que estabelece um novo modelo de licenciamento ambiental e foi alvo de protestos de servidores do Instituto Estadual do Meio Ambiente (Iema) por seu viés autoritário e por enfraquecer o processo fiscalização ambiental. Em 2024, o governo do Estado continuou a protagonizar uma política de beneficiamento de interesses privados em detrimento da preservação e do bem-estar das comunidades locais.

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