Lideranças questionam imposição do acordo e defendem a devida consulta prévia
Em meio a protestos e críticas, comunidades indígenas do Espírito Santo reivindicam a realização de audiências públicas para discutir a repactuação do crime socioambiental da Samarco/Vale-BHP. Excluídas das negociações do acordo, considerado insuficiente diante dos impactos enfrentados em seus territórios, elas cobram que o Ministério Público Federal (MPF) garanta a realização dos debates antes de serem consultadas formalmente sobre a adesão ao modelo proposto.
O termo de repactuação destina R$ 8 bilhões para recuperação de terras de Indígenas, Povos e Comunidades Tradicionais (IPCTs), após consulta prévia e informada sobre o modelo, com um prazo de um ano e seis meses para que as lideranças decidam sobre a adesão ao pacto. Nas comunidades Tupinikim e Guarani do Espírito Santo, em Aracruz, norte do Estado, ficou definido a alocação de mais de R$ 1,5 bilhão em ações de reparação aos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), em 2015.
Após a assinatura do acordo, há um mês, representantes das aldeias Comboios, Córrego do Ouro, Areal, Amarelos, Boa Esperança e Nova Esperança se reuniram com procuradores do Ministério Público do Espírito Santo e Minas Gerais, em Belo Horizonte, com objetivo de serem informados sobre os detalhes a ações de reparação nas comunidades. Na ocasião, foi informado o compromisso de visita às aldeias para apresentar o acordo e ouvir as demandas diretamente.

Desde então, as lideranças indígenas têm cobrado o agendamento das audiências públicas nas aldeias, com a presença da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), do Ministério Público do Estado (MPES) e da Secretaria da Casa Civil do Espírito Santo.
“Essa repactuação gerou muitas dúvidas. Para poder explicar para a nossa comunidade, nós precisávamos ter conhecimento do que foi tratado, então, nada melhor do que trazer as autoridades para assembleias internas. Estamos cobrando isso porque não participamos da construção do termo de repactuação e não vamos tomar as decisões em nome da comunidade sem que as explicações sejam compartilhadas”, pontuou um dos representantes da aldeia Tupinikim de Comboios, Toninho de Comboios.

Entre as principais preocupações em relação à repactuação, a secretária da Comissão de Caciques, Josi Tupinikim, questionou como foi feito o cálculo para definição dos valores da reparação e o que foi levado em consideração no processo. “A outra questão é se caso as comunidades decidirem não aceitar a repactuação, o que está garantido em relação aos direitos dos povos Tupinikim e Guarani?”, acrescenta.
Josi ressaltou a importância de garantir que a consulta às comunidades seja realizada sem imposições e reforçou que precisam ser ouvidos com a realização das assembleias antes da consulta formal, para que possam tomar uma decisão consciente e o direito à reparação seja garantido independentemente da adesão ao modelo proposto, de modo que a autonomia dos povos tradicionais seja respeitada “Os povos indígenas devem ser de fato ouvidos e as suas posições respeitadas para que a consulta realmente aconteça”, afirmou.

Segundo o MPF, a consulta será conduzida pela União e, caso decidam aderir, as comunidades terão a responsabilidade de definir os projetos que serão realizados com os recursos destinados. A repactuação em Brasília foi assinada sob protestos dos indígenas das aldeias Tupinikim e Guarani de Aracruz contra a decisão tomada sem participação das comunidades tradicionais, o que faz o processo de consulta previsto no acordo perder a função de deliberação, limitando os povos a apenas a serem informados sobre o que já foi decidido.
Os grupos consideram as negociações conduzidas em sigilo um desrespeito aos seus direitos e autonomia, especialmente quanto à garantia de consulta prévia, livre e informada conforme a pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Além disso, argumentam que a reparação, após nove anos de omissões e impunidade, é insuficiente para atender às necessidades das comunidades, impactadas em seus modos de vida, organização política, segurança alimentar, saúde e outros direitos fundamentais.