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Invisíveis’ aos olhos do governo, movimento das mulheres de PMs segue na frente de quartéis e batalhões

O movimento de familiares e amigos de policias militares, que impede a saída de viaturas em quartéis, batalhões e unidades da PM na Grande Vitória e no interior do Estado, entrou no 13º dia de resistência – e em luto, pela morte do soldado André Monteiro, assassinato a tiros durante um assalto na Serra nessa quarta-feira (15). Nem mesmo o sol forte ou ameaça de sanções judiciais impede que as mulheres continuem resistindo em acampamentos improvisados no acesso do Quartel do Comando Geral (QCG), em Maruípe, na Capital.

Se antes, a principal reivindicação do movimento era o reajuste salarial dos militares, defasados há mais de sete anos. Hoje, as mulheres cobram a anistia total aos policiais que são acusados de incitar a paralisação, classificada pelo Estado como “revolta armada”. Nessa semana, o governo anunciou a instauração de procedimentos que podem causar a expulsão de até 155 militares, em sua maioria, praças (soldados, cabos e sargentos).

Na tarde desta quinta-feira (16), a reportagem de Século Diário percorreu as ruas de Vitória para conferir o clima do movimento, já que as imagens dos acampamentos das mulheres de PMs nos postos de resistência são cada vez mais raras na grande mídia. Foi possível ver que os piquetes na porta dos quartéis continuam firmes. Com uma diferença: é visível o menor número de familiares e amigos em relação aos primeiros dias do protesto, iniciado na noite da sexta-feira, dia 3, e que se alastrou por todo o Estado nos dois dias seguintes.

A explicação, segundo elas, é de que algumas das mulheres tiveram que retornar às suas atividades (trabalho, escola, família), o que reduziu o contingente de voluntárias – que se revezam em escalas nos acampamentos, seguindo uma disciplina quase militar. Durante o dia, elas têm companhia de policiais e bombeiros militares de folga, que fazem a espécie de “segurança” ou oferecem suporte às mulheres – que nos primeiros dias chegaram a sofrer ameaças de agressões físicas por parte da população, tomada pelo sentimento de revolta com o movimento e o desejo pelo retorno do policiamento às ruas.

De acordo com o relato das manifestantes, é cada vez mais raro elas sofrerem agressões verbais – enquanto a reportagem esteve nesses locais, ouviu manifestações de apoio por condutores de veículos que passavam pelo local, sobretudo, no Quartel de Maruípe. Elas afirmam receber até mesmo doações de populares – de mantimentos a produtos de higiene.

Na porta do 1º Batalhão da PM, próximo ao Quartel, o grupo de mulheres “enfeitou” as tendas que a abrigam com bexigas na cor preta para lembrar a morte do soldado André Monteiro, que atuava no Grupo de Apoio Operacional (GAO) no 6º Batalhão da PM, na Serra, origem de todo o movimento. “Estamos todas de luto. Ele é mais uma vítima dessa violência e o culpado disso tudo é o governador Paulo Hartung”, afirmou uma das manifestantes, que dizia a se sentir como “mãe de todos os militares”.

Nesse mesmo batalhão, acompanhamos uma cena rotineira na vida daquelas mulheres: um veículo das Forças Armadas, repleto de militares do Exército, passa pelo local e faz fotografias do acampamento com um celular. Essa mulher disse que, pelo menos, três vezes ao dia, eles passam pelo local “só para saber se elas continuam lá”. Fora isso, não há qualquer outra interação entre os manifestantes e apoiadores dos PMs estaduais e integrantes das tropas federais no Estado.

A mesma cena se repetiria em frente ao Batalhão de Missões Especiais (BME), próximo ao acesso à Rodovia Serafim Derenze, em Maruípe, onde policiais da Força Nacional chegaram a se enfileirar próximo ao muro da unidade, e nas imediações do 4ª Batalhão da PM, na região do Ibes em Vila Velha. Neste ultimo, três veículos do Exército passaram lentamente do outro lado da rua, com todos os seus ocupantes lançando olhares para o piquete no principal acesso ao quartel.

Além de dar visibilidade ao protesto dos militares, os acampamentos têm outra função estratégica: impedir o acesso às viaturas e outros equipamentos, tais como armas e munições, que continuam dentro dos batalhões. Hoje, não existem mais tantos homens dentro dos quartéis, desde que o comando da PM ordenou que os policiais se apresentassem em locais externos, ou seja, nas ruas.

No deslocamento entre as unidades da PM em Vitória e Vila Velha, a reportagem observou a existência de policiamento somente nas áreas centrais, como o Centro de Vitória, cuja parte do efetivo da PM que retornou às ruas foi deslocada – em sua maioria, de policiais que atuavam na área administrativa e foram remanejados para o policiamento a pé, sem exibir grande “traquejo” com a função. Nas principais ruas e avenidas, o ritmo frenético de carros e motos só era interrompido pelos poucos veículos das Forças Armadas, que praticamente desfilavam durante suas patrulhas nas ruas.

Enquanto o governo do Estado segue tentando vender a população uma imagem de que a situação estaria voltando ao normal com o retorno gradativo dos policiais às ruas.  É possível ver que as áreas mais carentes – e violentas – seguem sem policiamento. A reportagem passou pelos morros do Bonfim, pelas regiões da Vila Rubim, em Vitória, e de São Torquato, em Vila Velha, sem encontrar policiamento.

Apesar de serem tratadas cada vez mais como “invisíveis” pelo governo, o movimento de mulheres segue agora com uma nova “palavra de ordem”: sustenta! A expressão é comumente usada no meio militar, servindo como uma espécie de grito de guerra de motivação quando o policial está próximo de desistir de uma missão ou teste, seja por fadiga, fome ou outro tipo de privação, como o sono. Neste momento, o instrutor ou colega grita: “sustenta”. Já é possível ver o termo em camisas usadas por mulheres no movimento – precedida de uma hashtag, muito usada hoje nas redes sociais.

É esse sentimento que fortalece as mulheres que seguem acampadas em frente aos quartéis, protegidas apenas por tendas de praia do sol intenso durante a parte do dia e à noite e das constantes pancadas de chuva que comuns no verão. Mesmo com a recusa da última proposta das mulheres pelo governo, que abriam mão do reajuste em favor da anistia e de melhorias nas condições de trabalho dos PMs, elas continuam dispostas a impedir a saída de viaturas e armamentos dos quartéis por muito mais tempo. Até o momento, não há qualquer indicativo de uma nova reunião entre as partes.

Questionadas sobre a eventual pressão que vem de fora do governo, como do próprio Poder Judiciário, que ameaça de multa um grupo de dez mulheres – identificadas pelo serviço de inteligência da PM – pelo descumprimento da decisão pela “desobstrução imediata” da porta dos quartéis, elas dizem não temer as consequências judiciais: “O nosso movimento não tem mais rostos, mas sim uma causa”, resumiu uma delas. Hoje, elas se reúnem em torno de uma palavra: sustenta!

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