Professor Mauricio Abdalla é um dos autores de obra apresentada em evento de lançamento da Escola de Fé e Política
Em tempos de desesperança como os atuais, ter fé é uma questão fundamental para seguir adiante. Embora associada à religião, a fé tem muitos sentidos e possibilidades. Mesmo se não mover montanhas, move as pessoas, em direção a transformações, sejam pessoais ou coletivas. A partir de reflexões de teólogos e pensadores de linha progressista ligados à Igreja Católica, foi lançado nesta semana no Espírito Santo o livro Teologia da história e ação transformadora, em evento online que marcou também o primeiro ato da Escola de Fé e Política, criada pela Arquidiocese de Vitória.
A obra reúne artigos de 12 autores, o mais notável deles Leonardo Boff, filósofo, teólogo, escritor e professor. Outro é o professor de Filosofia da Universidade Federal do Estado (Ufes) Mauricio Abdalla, que traz o texto intitulado “Utopia e o Reino de Deus”.
“O livro busca levar a uma reflexão sobre sociedade, ação política e teologia engajada, para entendermos o momento que vivemos dentro de um sentido histórico”, diz Abdalla, para quem o bolsonarismo e o governo Bolsonaro criam uma certa perplexidade em muitas pessoas. Para o professor e filósofo, para muitos, especialmente os mais privilegiados, mesmo que insatisfeitos, a tendência é desistir de tudo.
Para ele, a fé e a mística, que não necessariamente precisam estar ligadas à religião, são importantes. “Mesmo diante de todo o obscurantismo, acreditamos porque a fé vai além da razão”, diz. Abdalla enxerga a necessidade de superar certa empolgação ingênua, que pode ser comuns em jovens militantes, como o fatalismo e descrença de ex-militantes mais antigos, sendo importante compreender as dinâmicas da história, para que tanto jovens como velhos militantes sigam atuando e acreditando na transformação para um mundo melhor não só no Reino dos Céus pós-morte, mas também na construção deste na terra.
No âmbito do cristianismo, o filósofo aponta que tem crescido tanto entre católicos como entre evangélicos, uma teologia que tende para o lado mais individualista e espiritualista, retirando todo o conteúdo social da fé. Apesar de considerar significativa a mudança de perspectiva representada pelo Papa Francisco, ele entende que as transformações não têm impacto tão imediato na Igreja, já que muitos líderes, como bispos e arcebispos, foram indicados pelos pontífices anteriores. Porém, avalia que a agressividade da reação ultraconservadora, como é o caso do Brasil com o governo Bolsonaro, tende a provocar rearticulação na igreja em torno de certos valores como a solidariedade e o amor ao próximo.
“Hoje temos pessoas que agem mais como Herodes mas falam em nome de Deus, fazendo arminha com a mão. Não faz sentido”, analisa, considerando que segundo o cristianismo, Jesus foi um camponês rebelde da Galileia que tentou construir o reino de Deus na terra por meio da partilha e divisão dos bens e que nem a morte foi suficiente para detê-lo, pois ressuscitou.
O livro Teologia da história e ação transformadora, que tem como organizadores Degislando Nobrega de Lima, Durval Ângelo Andrade e Paulo Fernando Carneiro de Andrade, pode ser adquirido por meio de contato pelo e-mail [email protected].
Escola de Fé e Política
A chamada Escola de Fé e Política Dom Silvestre Luís Scandian foi criada pela Arquidiocese de Vitória, coordenada pelo arcebispo Dom Dario Campos, para a formação de lideranças para fortalecer a atuação social da Igreja Católica.
Lançada pouco antes do início da pandemia, em 2020, as atividades da escola acabaram tendo seu início suspenso devido ao momento de isolamento social que demandava a não realização de atividades presenciais. Agora, diante do avanço na vacinação, a perspectiva é de dar início ao primeiro curso anual em 2022, mas isso ainda depende de como estará a situação sanitária até lá.
“A proposta é que a Igreja ofereça um serviço permanente de formação”, diz o padre Vitor Cézar Zile Noronha, coordenador-geral da escola, que tem Maurício Abdalla como coordenador pedagógico. O carro-chefe será o curso anual para cerca de 40 pessoas, entre clérigos e leigos, com quatro módulos presenciais durante o ano e atividades entre eles. “Não é um curso de formação de políticos do ponto de vista institucional e eleitoral. Mas focado no estímulo à atuação política à luz do evangelho”, afirma o coordenador-geral.
Além do curso de formação, também devem acontecer eventos, debates e elaboração de cartilhas, como uma sobre a importância do voto, que está sendo preparada. No curso e demais atividades, devem ser abordadas questões como realidade brasileira, atuação política no âmbito da sociedade civil e do estado, importância dos movimentos sociais e atuação em conselhos.
A escola homenageia em seu nome Dom Silvestre Luiz Scandian, que foi arcebispo de Vitória entre 1984 e 2004 e faleceu em 2019.