Vitória é de quem: das pessoas ou das empresas imobiliárias? Quem planeja a cidade: o poder público ou poder imobiliário? Desde que, na esteira da implantação do projeto do Sistema BRT (vias exclusivas para ônibus), anunciou-se o corte da Praça do Cauê, em Praia de Santa Helena, e a transmutação de armazéns da Codesa, no Centro, em estação de ônibus, Vitória discute até que ponto ela é, e deseja ser, humana e acolhedora para seus moradores. Vitória é de quem: das pessoas ou dos carros? Das pessoas ou dos prédios?
São questões que reaparecem no artigo Respira, Vitória! do economista e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Arlindo Villaschi, publicado nesse domingo (30) em A Gazeta. Especificamente, Villaschi parte do princípio da consolidação do crescimento físico da Ilha do Mel. O que tinha de expandir – no início e na segunda metade do século XX, como destaca o artigo – já se expandiu.
Restaram algumas poucas áreas livres. Villaschi destaca três: a Zona de Equipamentos Especiais – 8 (ZEE-8) na região do Shopping Vitória, o Álvares Cabral e o estádio do Vitória, ambos em Bento Ferreira. Localizadas em regiões estratégicas e valorizadas, são todas alvo da gula imobiliária.
Este ano, Século Diário repisou algumas vezes esta notícia: Jardim Camburi, o bairro que mais cresce na Grande Vitória, justamente por ser o foco da fúria imobiliária, quer rever o próprio crescimento, via revisão do Plano Diretor Urbano (PDU). A multiplicação indiscriminada de prédios, residenciais ou comerciais, especialmente na última década, esgotou a capacidade viária do bairro. Há engarrafamento para entrar e para sair de Jardim Camburi nos horários de pico.
É pensando nos impactos sobre a circulação viária que Villaschi, por exemplo, como já faz há algum tempo, defende na área da ZZE-8 a criação do Museu do Mar e do Aquário Municipal; outra parte funcionaria como uma expansão da Curva da Jurema, à qual seria integrada por uma praça.
A qualidade de vida e a convivência social também poderiam ser prioridade em Bento Ferreira, “bairro praticamente sem praças”, como lembra o artigo. Villaschi toca em um ponto importantíssimo: no passado, o critério de transferência dessas áreas pelo poder público foi o uso para esporte e lazer, ou seja, para uso coletivo, o que valeria questionar a legalidade dos fins que o poder imobiliário quer dar a tais áreas.
O maior exemplo de que, quando o planejamento de uma cidade fica antes a cargo das empresas imobiliários que do poder público e cidadãos, está do outro lado da ponte: a Praia da Costa, em Vila Velha, e, indo pelo mesmo caminho, a região de Itaparica, atual menina dos olhos do setor.
Hoje a Praia da Costa é um paredão caótico de concreto; predatório, o crescimento não poupou nem a única área de convívio social: as sombras dos espigões se estendem pela areia antes mesmo do entardecer, maculando a lindeza de uma das mais belas praias urbanas do Espírito Santo. O trânsito, nem se fala. A partir das 17h de qualquer dia útil, uma fila de carros se forma na Avenida Gil Veloso para tomar a Rua Diógenes Malacarne: reflexo do crescimento irracional do Parque das Castanheiras na última década.
A reflexão de Villaschi é, portanto, fundamental. Não é à toa que as Ruas de Lazer que cortam a cidade aos domingos e feriados são um sucesso para crianças, mulheres e homens; como não é à toa as infatigáveis solicitações dos cicloativistas por mais e melhores ciclovias. São indícios eloqüentes de que a cidade deve ser feita antes para pessoas que para carros ou prédios. Não é o que acontecerá se Vitória for deixada ao sabor e capricho dos cimentocratas.