O prefeito de Vitória Luciano Rezende (PPS) mudou o que não era para mudar. Se existia uma coisa que em Vitória funcionava minimamente bem nos bairros carentes, era o sistema de transporte público. Mas aí veio o Integra Vitória. O projeto da prefeitura de integração do transporte municipal, que começou a operar sábado (3), anarquizou um sistema de estrutura e dinâmica consolidadas entre a população de baixa renda. A rotina virou incerteza.
É o que mostra os primeiros dias úteis de funcionamento do Integra Vitória – já apelidado “Estraga Vitória”. “O morador se acostumou com comodidade. Ele saia de casa e já sabia que ônibus pegar e onde descer para ir ao shopping, à escola, à praia”, diz Ronald Ribeiro, morador de Itararé.
Antes confortavelmente atendida pela linha 031, que levava idosos para o Centro Municipal de Especialidade no Parque Tancredão, em Mário Cypreste, ou estudantes para as escolas, ou trabalhadores para seus respectivos serviços, a comunidade agora está abandonada. A linha foi extinta e as novas implantadas, 018 e 020, complicaram o que era fácil. Em Bairro da Penha, a situação é semelhante com a extinção da linha 031A. No Bairro Bonfim, idem já que foi extinta a linha 074.
O sistema é amparado no método da baldeação. O usuário pega um micro-ônibus e desembarca em um ponto de integração, pagando apenas uma passagem. Foram criadas 16 linhas e outras tantas, abortadas. Mas o que o Integra Vitória tem de boas intenções, tem de improviso. Ribeiro diz que o projeto pegou a comunidade de surpresa. A prefeitura não se reuniu com os moradores, não submeteu o projeto à opinião de quem depende dos ônibus. Resultado: do improviso para o caos, foi um pulo.
O morador que esperava um ônibus, agora espera dois: pega o micro-ônibus no bairro e faz a baldeação no ponto do Campo do Caxias, na Avenida Maruípe, aguardando um próximo que não sabe, agora, que hora vai passar. E quando vem, eis outra reclamação recorrente, vem superlotado. Um abaixo-assinado que já conta com 300 assinaturas já está circulando no bairro contra as mudanças.
Ribeiro também conta uma ironia. O projeto prejudicou as professoras do Centro Municipal de Educação Infantil (Cmei) Rubens Duarte de Albuquerque, em Itararé. Sem conhecer o novo sistema, chegaram atrasadas. É a prefeitura jogando contra o patrimônio.
Em Bela Vista, os moradores estão revoltados. “Demos até segunda-feira [12] para a prefeitura resolver a situação, senão, vai ter protesto”, diz o morador Ismael Pastorini. Segundo ele, a situação está péssima. As linhas 051 e 052, segundo ele as mais antigas da cidade, foram extirpadas. Uma atravessava a Avenida Vitória, outra ia pela Avenida Beira-Mar. Agora os moradores devem fazer a baldeação no Tancredão.
“Em outras linhas que passam por aqui, 212, 213, 124, eles não mexeram, porque passam em bairros nobres, Jardim Camburi, Mata da Praia, Jardim da Penha”, critica. Ainda na região, conta Ismael, o Integra Vitória prejudicou bairros como Morro do Quadro e Santa Tereza. Além do protesto, os moradores também preparam um abaixo-assinado exigindo o retorno das linhas 051 e 052.
Robinho da Ilha, o presidente do Conselho Popular de Vitória (CPV) e liderança de Ilha do Príncipe lembra a luta que foi para implantar as linhas 031 e 046, também extintas. Por isso, para ele o projeto prejudicou os bairros periféricos de Vitória. “O projeto mudou a estrutura nesses bairros”, diz.
O prefeito de Vitória parece refém do afã de entregar um projeto de envergadura à cidade, algo que, passados três quartos de seu mandato, ainda não conseguiu. Na área de mobilidade, Luciano Rezende apostou suas fichas no Sistema BRT (vias exclusivas para ônibus), projeto apresentado pelo ex-governador Renato Casagrande para alterar o modelo de transporte público na Grande Vitória. Mas o governo mudou e o BRT foi relegado.
Luciano ficou sozinho no ponto. Daí sacou projetos como faixas exclusivas para ônibus e táxis e o Integra Vitória. O projeto de integração foi apresentado como uma revolução na mobilidade da Capital ao oferecer viagens mais rápidas e baratas, diminuindo o tempo de espera nos pontos e ampliando os deslocamentos.
Por ora, deu-se justamente o contrário. O Integra Vitória apenas se vale do verniz modernizador embutido no discurso da integração. Ou seja, não executa os objetivos primordiais do modelo: racionalizar o sistema, gerando economia para a sociedade, mas melhorando a qualidade do serviço, preservando o que interessa ao usuário, que é conforto, freqüência de linhas e custo razoável.
Redução de frota e de custos em detrimento da cidade é bom apenas para os empresários. Quem certamente está gostando do Integra Vitória é o Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Espírito Santo (Setpes).
Também vale questionar a implantação de modelo integrado de transporte em uma cidade de dimensões acanhadas como Vitória. A Capital capixaba não dispõe de espaço suficiente para um sistema tronco-alimentado, modelo que não à toa funciona bem – claro, com suas limitações – em escala metropolitana via Sistema Transcol. Aqui, a integração se justifica: o usuário paga uma passagem para ir de Praia Grande, em Fundão, a Setiba, em Guarapari.
Há ainda mais uma questão importante que não foi esclarecida pela prefeitura de Vitória: qual a porcentagem dos usuários do sistema municipal de transporte que realmente precisa pegar dois ônibus? Só uma pesquisa origem/destino para dizer.
O Integra Vitória parece ter estabelecido uma complexidade desnecessária ao sistema. Os problemas levantados no primeiro dia útil de operação não são pontuais, se espalham e se repetem em todas as regiões contempladas. Moradores de São Cristóvão, Tabuazeiro, Jesus de Nazareth, Parque Moscoso, Caratoíra e Resistência também relatam problemas. O sistema deve se adaptar à cidade e não o contrário.