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Meninas são as principais vítimas de estupro, mas faltam políticas específicas 

Apesar do número crescente de casos, TCE aponta falhas estruturais do governo e municípios

A maioria das vítimas de estupro no Brasil são meninas de até 14 anos. No Espírito Santo, onde a média de casos de violência sexual registrados foi de quatro por dia em 2023, 74% têm até essa idade, mas o Poder Público não desenvolve políticas específicas, nem identifica no orçamento os investimentos em prevenção e enfrentamento das violências que atingem essa população no território capixaba. A análise é apresenta no Relatório Técnico da Auditoria Operacional realizada pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE).  

Entre maio e outubro deste ano, o Núcleo de Controle Externo de Avaliação e Monitoramento de Outras Políticas Públicas Sociais conduziu uma auditoria, que identificou falhas nas estruturas e medidas adotadas pelos governos estadual e municipais para combater e minimizar todos os tipos de violência que afetam meninas e mulheres no Espírito Santo. Os dados serão detalhados nesta sexta-feira (6), às 13h30, durante o evento Consciência e Ação – Combate à violência contra mulheres e meninas, na sede do órgão, na Enseada do Suá, em Vitória.

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em 2023 foram registrados no Brasil 72,4 mil casos de estupros de mulheres e de vulneráveis (com idade até 14 anos), o equivalente a um novo caso a cada sete minutos e meio.  

No Espírito Santo, o cenário é alarmante: foram 1,4 mil casos, representando um aumento de 9% em relação a 2022 e de 34% em relação a 2021. O Estado apresenta a pior taxa da região Sudeste, com 75,8 ocorrências por 100 mil habitantes, superior à média nacional de 69,3 por 100 mil. Em 2024, o Painel de Monitoramento da Violência contra a Mulher, da Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesp), registrou 1,2 mil casos de violência sexual, sendo 916 contra vulneráveis. 

Marcelo Casal/Abr

Falhas estruturais 

Apesar da exposição desproporcional de meninas e adolescentes à violência sexual, o relatório técnico do Tribunal de Contas alerta que as falhas nos planos, programas, estruturas, serviços e ações de enfrentamento mantêm as vítimas insuficientemente protegidas pelas políticas públicas. 

O órgão destaca que os programas estaduais têm se mostrado incapazes de atender todos os tipos de violência e perfis das vítimas, com destaque para meninas e adolescentes, que formam a maioria das vítimas de violência sexual e carecem de iniciativas específicas. Essa lacuna está diretamente ligada à ausência de um diagnóstico que analise a violência por tipo ou perfil das vítimas, o que impede a priorização de públicos-alvo nas políticas públicas. 

A situação evidencia a urgência de fortalecer a rede de proteção e acolhimento, desenvolver políticas específicas para meninas e adolescentes e adotar uma gestão integrada, baseada em dados confiáveis. O cenário é agravado por estatísticas alarmantes: os índices de feminicídio, homicídio de mulheres e violência sexual por 100 mil habitantes no Espírito Santo estão acima da média nacional, posicionando o Estado como o pior da região Sudeste. Além disso, os casos de violência doméstica, incluindo delitos previstos na Lei Maria da Penha, ameaças e descumprimento de medidas protetivas, continuam a crescer de forma significativa. 

Entre diversas falhas estruturais e de gestão no enfrentamento à violência contra mulheres e meninas, destaca-se a falta de atendimento adequado para todos os tipos de violência, além da ausência de um diagnóstico regionalizado que permita compreender as especificidades do problema em diferentes localidades.  

O documento também evidenciou a carência de metas e indicadores claros para ações de enfrentamento e prevenção, assim como a falta de integração dos resultados de monitoramento e avaliação das políticas públicas nas leis orçamentárias. Além disso, não há uma política de capacitação permanente, nem campanhas educativas regulares, e as fontes de financiamento para essas iniciativas não estão devidamente especificadas no orçamento estadual. 

O relatório também aponta a falta de coordenação intergovernamental e entre as secretarias, órgãos responsáveis, agravando as deficiências no atendimento à violência sexual, que foi criticado por nove municípios capixabas. O Espírito Santo não possui uma base de dados padronizada, unificada e acessível, essencial para orientar estudos, campanhas de prevenção e o desenvolvimento de políticas públicas mais eficazes. Entre as falhas apontadas por órgãos e municípios durante a auditoria, destacou-se a ausência de hospitais próximos com capacidade para realizar atendimentos especializados. 

Embora seja reconhecido como um grave problema de saúde pública, devido aos distúrbios mentais e físicos muitas vezes irreversíveis gerados por violências sobrepostas e acumuladas, a Secretaria Estadual de Saúde (Sesa) também não dispõe atualmente de um setor específico responsável por tratar da violência de gênero.  

A interação entre a Secretaria Estadual das Mulheres (Sesm), a Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesp), a Sesa e outros órgãos é tão limitada que, durante a auditoria, a equipe questionou a utilização dos recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), destinados ao enfrentamento à violência contra a mulher em 2023. A Sesm informou que havia solicitado informações à Sesp, mas, até o momento do levantamento, não tinha obtido qualquer resposta. 

A equipe do TCE também apontou a falta de planejamento para a formação e capacitação permanente dos profissionais da rede de atendimento às vítimas de violência contra mulheres e meninas, o que compromete a identificação precoce e correta dos casos, aumenta os riscos para as vítimas devido ao atraso nas intervenções, além de desencorajar a busca por ajuda nos serviços disponíveis. 

Avanços e recomendações 

Uma reivindicação histórica do movimento feminista no Espírito Santo, a criação da Secretaria Estadual das Mulheres (Sesm) foi considerada um avanço histórico, mas ainda enfrenta limitações em sua articulação e coordenação de políticas públicas, tanto em nível estadual quanto municipal. A integração do Programa Mulher Viver + ao Programa Estado Presente em Defesa da Vida e a atuação da Câmara Técnica do Pacto Estadual de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres também representam avanços importantes na governança dessas políticas, conforme análise do órgão.  

O relatório do TCE apresentou 18 recomendações à Sesm, incluindo aprimorar a coordenação estratégica entre os órgãos envolvidos, criar uma estratégia de comunicação integrada e permanente, e desenvolver um planejamento abrangente para a capacitação dos profissionais da rede de atendimento. Também foi sugerida a realização de campanhas educativas contínuas, a elaboração de cartilhas informativas, a coleta de dados regionais para subsidiar políticas, e o desenvolvimento de bases de dados unificadas para monitorar os casos de violência contra mulheres e meninas. Outras ações incluem a promoção de estudos interseccionais e o fortalecimento de iniciativas voltadas à prevenção da violência sexual contra crianças e adolescentes. 

Os municípios capixabas apresentam uma estrutura organizacional fragilizada para implementar políticas de enfrentamento à violência contra mulheres e meninas, com a atuação concentrada nos grandes centros urbanos, o que gera uma cobertura desigual nas áreas menos urbanizadas. Apenas o município de Serra conta com uma secretaria exclusiva para o tema, enquanto outros, como Cariacica, Baixo Guandu e Barra de São Francisco, possuem secretarias não exclusivas, e Vitória e Santa Maria do Jetibá têm subsecretarias e coordenadorias exclusivas.  

Além disso, 23 municípios não têm políticas públicas específicas voltadas para o enfrentamento à violência. A falta de coordenação entre o Governo do Estado e os municípios resulta em ações isoladas e ineficazes. A Lei 14.899/2024 exige a elaboração de planos de metas para enfrentar a violência doméstica, mas a execução fragmentada prejudica a implementação eficiente dessas políticas. 

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