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Mexer no PDU pode custar caro aos vereadores

Os vereadores de Vitória terão que pensar bem antes de alterar o texto do novo Plano Diretor Urbano (PDU), que deve chegar à Câmara em dezembro para votação. 
 
Após nove audiências públicas e 18 assembleias territoriais ao longo de dois anos, o que produziu mais de mil sugestões físicas e virtuais ao texto, os moradores e a área técnica da Secretaria de Desenvolvimento da Cidade (Sedec) obtiveram êxito admirável essa semana, no Encontro da Cidade, ao aprovar uma minuta de feitio comunitário e técnico, que suplantou a cobiça empresarial e privilegiou a qualidade de vida. 
 
A diferença crucial é que, desta vez, um êxito em outras ocasiões meramente formal transformou-se em trunfo político: pela primeira vez, os moradores tiveram voto no processo de revisão do PDU. O Encontro da Cidade, realizado segunda (14) e terça-feira (15), teve composição tripartite de delegados: foram 81 vagas para os poderes públicos federal, estadual e municipal; 81 para o setor produtivo; e 81 para os moradores das nove regiões administrativas da cidade. Segundo a Prefeitura de Vitória, o encontro registrou um índice de participação comunitária de 31%. Perdeu para o poder público (45%) e superou o setor produtivo (24%). 
 
Enquanto isso, na revisão de 2006, quando se aprovou o plano vigente, quem mora na cidade foi apenas ouvido.
 
O êxito pode ter sido admirável, mas sentimento entre os moradores não é de jogo ganho. Satisfeita com o encontro, a delegada da Regional 3 – Bento Ferreira, Christiane Lopes Machado, sabe que o jogo decisivo será, mesmo, na Câmara. O que ela sabe mais ainda é a colossal responsabilidade que os vereadores terão se quiserem alterar o texto. Para ela, mudanças agora significam contrariar os moradores. 
 
“Eu acho que esse encontro foi um instrumento democrático. Mas a gente sabe que a luta continua. A briga de cachorro grande agora vai ser na Câmara, que é onde o poder econômico, sem dúvida nenhuma, está guardando as armas para brigar. De qualquer forma, acho que esse avanço aqui foi grande porque [os vereadores] terão quer ir contra o desejo da comunidade. Isso já aumenta a dificuldade para eles também”, destaca.
 
Delegado da Regional 8 – Jardim Camburi no Encontro da Cidade, Evandro Figueiredo também afugenta ilusões. “Nós vencemos o primeiro tempo. E, no primeiro tempo, o debate foi técnico”, pondera ele, para quem o cenário perfeito seria a transformação da área verde do Aeroporto de Vitória na Avenida Norte Sul em Zona de Proteção Ambiental (ZPA). 
 
Para a etapa complementar, na Câmara, o líder comunitário promete pressão para preservar o texto. “Nós vamos fazer mobilizações comunitárias maciças na Câmara. Todas as votações serão precedidas de mais de mil moradores dentro da Câmara para fazer pressão popular para que esse PDU, que hoje é técnico, seja mantido”, enfatiza. 
 
Expediente tão válido quanto imprescindível. A Câmara é o elo mais fraco na corrente de disputas e interesses que cercam o principal instrumento organizador da expansão de Vitória. É a instituição mais sujeita às pressões de setores desgostosos com a minuta aprovada – especialmente o imobiliário. Por outro lado, em tempos de Operação Lava Jato, ceder um fruto de anseios comunitários à setores privados é receita infalível de ruína política.
 
O delegado da Região 5 – Praia do Canto, Armando Fontoura, também destaca a necessidade de vigiar a Câmara. “A final do campeonato agora é na Câmara. Nós estamos convocando as comunidades para fiscalizar os vereadores, porque cada vereador pode simplesmente ignorar tudo o que foi feito até agora, o que foi debatido no Conselho [Municipal do PDU], pelos técnicos, pela sociedade”. 
 
A minuta do novo PDU mal foi parida, mas o relator do projeto na Câmara, Davi Esmael (PSB), já colocou as asas para fora nos jornais. Posicionou-se com firmeza e convicção contra a proposta que proíbe remembramento de lotes em áreas superiores a 250 metros quadrados, mantida expressivamente pelos moradores em votação no Encontro da Cidade. Como justificativa, recorreu a um velho e vago eufemismo: defendeu o “interesse público”.
 
É saudável lembrar que, durante a votação da proposta no Encontro da Cidade, a única rejeição formal veio do delegado do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Espírito Santo (Sinduscon-ES), o engenheiro civil e dono de construtora Luiz Carlos Menezes. “É contra o progresso. Engessa quem quer trabalhar, produzir e gerar empregos”, disse o engenheiro. 
 
O PDU ainda pode estar longe da Câmara, mas já não é tão difícil traduzir o que Davi entende por interesse público. A proposta do remembramento é uma espécie de antídoto contra a especulação imobiliária nas regiões de baixa renda de Vitória e, portanto, um de seus frutos mais perversos: a expulsão branca. Por tabela, pode conter a moléstia da falta de moradia, que já acomete a capital capixaba em ocupações que ocorrem desde abril e, hoje, dominam prédios vazios no Centro. 
 
A proposta recebeu elogios, com ressalvas, da professora do Departamento de Arquitetura da Ufes, Clara Luiza Miranda, delegada da instituição. “Ela manteve a tipologia de parcelamento. E foi defendida pelo secretário. Achei muito positivo isso do secretário de Obras e Habitação [Sérgio Sá], que não tem se manifestado com a questão das ocupações em Vitória. Mas ali ele apareceu”.
 

Já durante o Encontro da Cidade o relator do mais importante instrumento urbanístico da Capital deu mau exemplo. No segundo dia de votação das propostas à minuta, no auditório da Prefeitura de Vitória, o político evangélico distribuiu santinhos pelo local em campanha pela aprovação de uma proposta que liberava a construção de megatemplos religiosos nas áreas de baixa renda de Vitória.

Percorreu todo o recinto com os folhetos nas mãos. Acomodado na cadeira, acompanhou aflito a votação; roía as unhas. Só relaxou quando a proposta foi aprovada. Davi fez lobby por interesse público?

 
Outras propostas já alvejadas por vereadores são a faixa de recuo no Canal de Camburi, a proteção do Morro da Gamela e o zoneamento do Álvares Cabral. A primeira reduz de 15 para 8 metros as faixas de recuo no local para desenvolvimento de futuros projetos de requalificação urbana e no Encontro da Cidade recebeu defesa ardorosa da secretária executiva da Sedec, Ana Cláudia Buffon, para quem a área é de “interesse paisagístico” para a cidade. O vereador Mazinho dos Anjos (PSD) qualifica a proposta de “desapropriação indireta”.
 
O neófito Sandro Parrini (PDT) levantou-se contra a proposta que protege a visada do Morro da Gamela, entre as avenidas Reta da Penha e Leitão da Silva. A minuta do PDU inclui o Morro da Gamela na lista pré-definida de 16 elementos dos Planos de Preservação da Paisagem de Vitória. 
 
A minuta também classifica a área do Clube Álvares Cabral, em Bento Ferreira, como Zona de Proteção Ambiental 3 (ZPA 3). Como um colossal projeto imobiliário assedia o tradicional clube, a proposta é contestada.
 
Mas não são apenas os moradores que podem oferecer resistência a mudanças no PDU. Uma análise do Encontro da Cidade dá certas sinalizações do que a própria gestão Luciano Rezende (PPS) parece acalentar em relação ao PDU.
 
À titular da Sedec, Lenise Loureiro, coube estritamente o papel de condução do encontro. Convocar a defesa das propostas, conceder réplicas e tréplicas, sanar dúvidas, proferir resultados. Já para a etapa definitiva, isto é, o embate de ideias na defesa das propostas originais, a prefeitura escalou um batalhão técnico: a secretária executiva da pasta, Ana Cláudia Buffon; a gerente de Gestão Urbana de Vitória, Maressa Mendes; a procuradora municipal, Patrícia Marques Gazola; e a subsecretária de Gestão Urbana, Clemir Meneghel. 
 
Sintomático. Luciano Rezende concluiu o primeiro mandato e inicia o segundo apenas com esboços de legados consistentes para a cidade. A Orla Noroeste, em Santo Antônio, e o Parque Tecnológico, em Goiabeiras, têm forte potencial: uma por requalificar uma das mais exuberantes paisagens do Estado; a outra pode refundar a matriz econômica da cidade. Mas ainda não deixaram a superfície das ideias.
 
Para o bem ou para o mal, o PDU vai integrar esse inventário. A bandeira que as técnicas da Sedec sacudiram, no entanto, é a da manutenção do discurso de equidade e revitalização do texto da minuta, que, por exemplo, de certa forma dessacraliza as aristocráticas Ilha do Boi e Ilha do Frade. A cidade é igual para todos. 
 
Mas a fronteira decisiva para a gestão Luciano Rezende parece se encontrar, mesmo, no remembramento. É o ponto que pode carimbar inapelavelmente o estigma do elitismo que há tempos assombra o prefeito. 
 
A legislação em áreas de Zona Especial de Interesse Social (Zeis) – zona que abarca aquelas referidas pela proposta de remembramento – é muito mais “permissiva” que as demais. Conclusão óbvia: unir autorização de remembramento à legislação mais flexível das Zeis é juntar fome e vontade de comer – o que é tudo o que o poder imobiliário gosta. Daí para Vitória virar uma Mônaco capixaba, basta um pulo.

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