As cerca de 30 lideranças comunitárias que compareceram à audiência pública nessa quinta-feira (7) para discutir o aumento da frota dos ônibus de Vitória saíram da Câmara de Vereadores sem garantias de que o sistema municipal voltará ao normal.
A Prefeitura de Vitória apresentou muita disposição para o diálogo, mas nenhuma para confrontar a política de corte de custos e aumento de lucro das empresas concessionárias, que está por trás da redução de frota. Embora convidados, os empresários não foram, enviaram representante, que seguiu a cartilha da classe nessas ocasiões: proteger-se em um conjunto simplista de eufemismos e subterfúgios para justificar os cortes de gastos. Há quase dois meses moradores da capital capixaba reclamam de demora e superlotação dos ônibus.
Esse cenário ficou evidente quando um morador instou o representante do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado (Setpes) Jaime Carlos De Angeli a normalizar o serviço, ou seja, colocar ônibus nas ruas. De Angeli foi seco: “Sugiro aguardar as conclusões do grupo instituído pelo prefeito”. Referia-se ao Grupo de Trabalho Intersetorial (GTI), que vai fazer um diagnóstico do serviço. Formado por representantes da prefeitura e das empresas, o grupo excluiu a participação popular. No entanto, a fala de De Angeli expôs uma espécie de cumplicidade entre empresários e prefeitura representada pelo GTI.
Momentos antes, o mesmo morador, Uanderson Davi, do bairro Universitário, criticara a corte de ônibus que atendem a região e a tentativa de abrandar o problema com reajustes de horários – para ele, nula. Indignado, deu um recado duro e direto: “Infelizmente, se diálogo não resolve, protesto resolve. Vamos fechar a Serafim Derenzi”. O presidente da Associação de Moradores do Centro de Vitória, Everton Martins, relatando a redução das linhas 125 e 202, faria coro: “Se tiver que parar a Serafim Derenzi, vai parar a Jerônimo Monteiro e a Princesa Isabel também”.
As comunidades não parecem dispostas a esperar as boas intenções do GTI.
Desde que propôs a audiência, o vereador Fabrício Gandini (PPS), aliadíssimo do prefeito Luciano Rezende (PPS), a qualificou como tentativa de formalização de um pacto entre poder público, prefeitura e moradores para contornar o problema do transporte em Vitória. Em sessão semana passada, até ameaçou lançar a culpa sobre as concessionárias. Bravata. O que houve realmente foi um pacto, no entanto entre empresas e prefeitura. Os moradores ficaram de fora. Aliás, os empresários nem compareceram: mandaram De Angeli, também coronel da reserva da Polícia Militar do Espírito Santo.
Não faria sentido uma audiência convocada por aliados do prefeito submeter empresários a constrangimento. Desde o início, a mesa buscava imprimir um tom de diplomacia e ecumenismo ao encontro. A questão da redução de frota viraria um problema sem rosto, cuja solução só seria alcançada com a “união de forças” entre poder público, empresas e moradores: pura encenação teatral para eximir empresas e prefeitura.
Primeiro a falar, o representante dos empresários fez de sua intervenção um vale de lágrimas. “Nós também somos vítimas”, lamuriou. Derramou no plenário argumentos simplórios e simplistas para justificar o serviço – como aquele segundo o qual a passagem de Vitória é uma das mais baratas do Brasil, em comparação com São Paulo, Florianópolis ou Rio de Janeiro.
Argumento no entanto demolido inúmeras vezes ao longo da audiência: lembram-lhe de que um percurso em Vitória é muito menor que na maioria das demais capitais, o que torna a passagem da Ilha do Mel uma das mais intragáveis do país. Citou o aumento da gratuidade, a queda de passageiros, a evasão (pulo de roleta), os custos altos dos insumos. Por fim, produziu a velha pérola dos eufemismos para redução de frota e conclamou os presentes a aceitar o sofrimento: “O que houve foi um reequilíbrio da oferta com a demanda”.
Representante da Prefeitura de Vitória, a secretária interina de Transportes, Joseane Zoghbi, destacou o recém-instalado Grupo de Trabalho Intersetorial (GTI), formado por representantes da Secretaria de Transportes, Trânsito e Infraestrutura Urbana (Setran), Secretaria da Fazenda, Setpes e das empresas permissionárias, para fazer diagnóstico sobre a situação atual de permissão do contrato de transporte público municipal.
Mas o GTI excluiu de participação o personagem principal do assunto: a sociedade civil. Há, ainda, suspeições sobre o trabalho do GTI. O grupo é coordenado por Adriana Sossai Zaganelli, servidora comissionada da Setran e companheira política de Luciano Rezende desde os tempos do prefeito na Câmara de Vitória. A atuação de Adriana também é questionada no caso dos táxis, em cujos contratos de permissão há indícios fortes de fraude. Adriana é gerente de fiscalização de transportes.
Citou também ações que serão efetivadas ou estão em análise, como o retorno do ponto final em Jardim Camburi; novo itinerário no Romão; análise para aumento de frota do 121; análise para aumento de frota e readequação de itinerário nos bairros Conquista e Resistência. Evocou, bem ao gosto do prefeito, o cenário econômico geral de queda de arrecadação e ajuste fiscal. “Isso tem que ser levado em consideração”, disse, num tom afável de quem pede compreensão.
Mas respostas palpáveis para solucionar a redução de frota Joseane Zoghbi também não ofereceu.
Para o presidente do Conselho Popular de Vitória (CPV), Robinho da Ilha, representando as comunidades na mesa, o cenário atual de redução de custos da empresas é efeito do projeto Integra Vitória, que tinha semelhante objetivo. “Foi uma mexida que até hoje não se consertou”. Em seguida, criticou a ausência dos empresários na audiência. “Eles não estão aqui porque não querem mexer nos seus milhões”, disse.
A representante do movimento negro, Drica Monteiro, sugeriu: “Quer Transparência? Então vamos abrir as planilhas”. O morador de Estrelinha, Domingos Cardoso, ironizou as comparações tarifárias do otimista De Angeli: “Pago R$ 2,70 para fazer esse percurso, que é minúsculo, e fiquei 49 minutos na Rodoviária”, disse, em um dia que queria ir ao Centro. Joel da Conceição, da Associação de Moradores de Itararé, disse que as professoras de uma escola municipal de educação infantil estão chegando atrasadas todos os dias por conta da política de redução de frota.
Após ouvir de De Angeli que as planilhas das empresas têm acesso livre para qualquer cidadão, o líder comunitário de Jardim Camburi e membro do Conselho Municipal de Transporte e Trânsito (Comutran) de Vitória, Evandro Figueiredo, rebateu com dureza: “É uma falácia dizer que as planilhas são públicas”. Evandro cobrou uma planilha detalhada: a quilometragem de cada linha, quantos passageiros por linha e horário, quantos são beneficiados com gratuidade, entre outros itens. Apontou também uma contradição na justificativa empresarial para o rejuste tarifário: o aumento, destacou, foi requerido por razões de equilíbrio econômico-financeiro, mas, em seguida, veio a redução de frota.
O que restou da audiência pública foi um encaminhamento visivelmente aquém das demandas dos moradores: inclusão da participação popular no GTI; contratação de empresa para fazer auditoria no contrato dos ônibus; integração do sistema municipal com o Sistema Transcol. O pacto de Gandini teve êxito. Mas Robinho da Ilha reverberou o sentimento dos moradores: “A sociedade não vai esperar o GTI”. A volta imediata dos ônibus é demanda urgente: para os moradores, o problema dos ônibus de Vitória tem rosto, e muito bem definido.