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Moradores do Boa Vista se dizem abandonados pela prefeitura

Aos desabrigados e desalojados no acidente que atingiu cerca de mil pessoas em Morro da Boa Vista apenas três informações interessam: quem terá acesso ao aluguel social, quem poderá retornar a suas casas e quando poderá fazê-lo. São informações que a prefeitura de Vila Velha protela sem oferecer explicações às famílias. Inicialmente, a prefeitura prometera divulgá-las na última terça-feira (19). Promessa não cumprida. A data foi transferida para essa sexta-feira (22). Mas o silêncio permaneceu.
 
A prefeitura, agora, garante o anúncio para esta terça-feira (26). A paciência dos atingidos está se esgotando. “Do contrário, vamos partir para o protesto”, afirma Eduardo Amorim, que hoje mora em Jaburuna com a mulher e as duas filhas em um imóvel de três cômodos cedido por parentes. A família é uma das mais de 200 que a pedra de 3 mil toneladas que assolou a região no dia 1° de janeiro expulsou de casa. Outras 23 ficaram desabrigadas. Ao todo, 941 pessoas tiveram que deixar suas residências.
 
Quase um mês depois, ele desabafa com indignação. “É uma situação precária. O sentimento é que a gente está largado. Ninguém fala nada”. A sensação de abandono está provocando outro: o abandono do abrigo municipal improvisado na escola Jairo de Mattos. Após o acidente, a escola recebeu 42 famílias. Na segunda-feira (18), havia 35. Nessa sexta-feira, o número caiu para 27.
 
Outro fator comprometedor se avizinha: as aulas da Jairo de Mattos têm início marcado para 4 de fevereiro.
 
A situação do morador traça um bom painel das ações de assistência da prefeitura e do sentimento dos moradores atingidos. O acidente, claro, desestabilizou as rotinas familiares. No caso de Amorim, primeiro, pais e filhas se separaram. Eles foram para o abrigo; elas foram para a casa de uma tia em Jardim Marilândia. 
 
A caçula não assimilou os novos hábitos. No lar, dormia toda noite colada ao pai. Passou a ter febre todas as noites, perturbação que a família atribui a um quadro de estresse emocional. “Como você vai explicar toda essa situação a uma criança de quatro anos?”, questiona. Reagrupar a família foi a solução encontrada para reaver a saúde da menina. 
 
Uma breve corrida pelo site da prefeitura de Vila Velha sugere que o prefeito Rodney Miranda (DEM) está mais preocupado com as obras de contenção das pedras no Morro da Boa Vista do que na assistência aos desabrigados e desalojados. As informações sobre as intervenções no morro – a implantação do teleférico de carga para transporte de equipamentos e materiais ao topo do morro, a amarração de cabos de aço na rocha do cume para evitar novos deslizamentos – são precisas.
 
O fato da semana também foi relacionado às obras na região: o anúncio feito pelo governador Paulo Hartung (PMDB), guia político do prefeito Rodney Miranda (DEM), sobre o repasse de R$ 2,5 milhões ao município para dar seguimento às obras de demolição e contenção de rochas. A solenidade revestiu-se de tom mais político que prático, já que o governador não mede esforços nem recursos para levantar a bola do prefeito, candidato à reeleição em uma disputa que promete ser duríssima. 
 
Depois da viagem aos Estados Unidos em meio às chuvas que assolaram Vila Velha no final de 2013, Rodney tenta a todo custo recuperar seu capital político junto aos canelas-verdes. O cientista social Acácio Augusto, que desenvolve uma pesquisa na Universidade de Vila Velha (UVV) sobre riscos socioambientais em Vila Velha, também traça um quadro desalentador sobre a conduta da prefeitura com os moradores. “Eles estão à mercê do desconhecimento e despreparo para enfrentar a situação. Não receberam [os moradores] apoio de assistência social e não têm assistência jurídica”, analisa.
 
Se de um lado a assistência oficial é falha, do outro, a presença resvala em arbitrariedade. Ele lembra ameaça da prefeitura de acionar o Juizado da Infância e Juventude para a retirada compulsória das crianças moradoras do “Polígono do Risco”. Uma pressão – que reputa “maldosa” – para forçar a saída dos moradores.
 
O pesquisador vem acompanhando a rotina dos atingidos desde os primeiros dias após o acidente e lista um rosário de problemas. O principal é o que classifica de impasse da prefeitura na oferta de informações sobre aluguel social e retorno às casas aos atingidos. Também aponta prestação precária de assistência social da prefeitura e despreocupação com assistência psicológica. Cita crianças traumatizadas, que já não podem ouvir um barulho sem ficar muito assustadas.
 
Cita também a precariedade da assistência médico-ambulatorial. Os casos de idosos se destacam. Muitos com problemas de saúde deixaram suas casas às pressas e para trás seus remédios. Para atendê-los, há apenas um ou dois enfermeiros, número que não se mostra suficiente.
 
O café da manhã foi dos temas controversos do abrigo. Era servido pontual e inflexivelmente às 8h30. O cronograma da prefeitura não previu um óbvio ululante: muitos atingidos precisavam sair horas antes para trabalhar. Amorim, de novo, nos serve de exemplo. “Cansei de sair sem tomar café da manhã”, conta ele, que vai trabalhar às 5h30
 
A alimentação de almoço e janta também causou constrangimento entre os atingidos. A prefeitura contratou duas empresas para o serviço, uma delas a Sabor Original. A empresa presta o mesmo serviço para o Instituto de Atendimento Socioeducativo do Espírito Santo (Iases). Segundo ele, houve quem se sentisse diminuído por receber a mesma alimentação fornecida para unidades de internação, referindo-se a baixa qualidade dos alimentos que geralmente é servido às pessoas que estão em privação de liberdade. “O fato de ser pobre sugere que qualquer tipo de assistência já é suficiente”, conclui.
 
A contratação de empresa para fornecimento e preparo de alimentação guarda uma denúncia. É que a Vigilância Sanitária vetou a utilização da cozinha da escola, que, a mesma que vinha há anos preparando merenda escolar para os alunos da Jairo de Mattos.
 
O abandono do abrigo, portanto, não seria um imprevisto. “A escola esvaziou não porque houve solução”, continua. Justamente o contrário. À falta de informação somam-se as inconveniências de viver em um espaço que não foi projetado para funcionar como abrigo. O local é quente e mal ventilado, não há quantidade suficiente de banheiros, não há local para lavagem da roupa. 
 
Fora as inconveniências de dividir por longo período o mesmo espaço com inúmeras pessoas, dormir em salas de aula e obedecer horários rígidos para saída e retorno, para desjejum, almoço e janta.
 
Um desabrigado que preferiu não se identificar desabafou à reportagem. “Aqui não é abrigo, é uma escola. Não vão conseguir nos atender”, disse. Breve, porém certeira. Ele informa ainda que no início houve reclamação sobre a qualidade da comida servida. A reclamação foi ouvida e o serviço foi melhorado. Reforça também as mesmas dificuldades de se adaptar à nova rotina, lamentando principalmente a rigidez dos horários. “Até para ir na igreja tem que pedir liberação”, exclama em tom incrédulo o fiel da Assembleia de Deus.
 
MPES abre inquérito
 
O Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES) instaurou inquérito civil para apurar as causas e as consequências do deslizamento no Morro da Boa Vista. Vai verificar também se ele poderia ser evitado e, ainda, se houve omissão, negligência, ou dolo na conduta dos responsáveis, tendo em vista que riscos de deslizamentos haviam sido constatados desde 2012 por meio de relatório da Secretaria de Defesa Social do município.
 
Em 2013, a Promotoria de Justiça Cível de Vila Velha já havia instaurado portaria para apurar a situação da Defesa Civil do município para estruturação da mesma, que apresentava deficiência nas estruturas física e de pessoal.
 
O laudo apresentado pela Defesa Civil Estadual apontou causas naturais para o deslizamento. O órgão verificou um processo que os geólogos chamam de meteorização das rochas, ou desgaste da rocha, processo resultante de intemperismo.
 
Apesar dos esforços para sanar lambanças políticas, o caso do Morro da Boa Vista arranhou novamente o prefeito Rodney Miranda. A Coordenadoria Municipal de Defesa Civil (Comdec) da prefeitura arquivou em julho de 2015 um processo sobre riscos de desmoronamentos no morro. O processo foi realizado durante a gestão do antecessor Neucimar Fraga (PSD). O documento, protocolado pela Comdec na prefeitura em 11 de dezembro de 2012 e endereçado para a Secretaria de Defesa Social, identifica 56 famílias da área em situação de risco.
 
Dois relatórios foram elaborados pela Comdec, com apontamentos do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), no dia 10 de dezembro de 2012, descrevendo o perfil habitacional na área e, principalmente, indicando riscos. Foram identificados vários imóveis erguidos próximo a “blocos rochosos soltos”, sem condições de “habitabilidade, salubridade e estabilidade”.

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