Magid Saade, baluarte da fotografia no Espírito Santo, morreu no último dia 1° de julho. Completaria 97 anos no próximo dia 13. Foi um dos idealizadores, o mais fervoroso entusiasta e o último integrante vivo do Foto Clube do Espírito Santo (FCES), associação de fotógrafos amadores fundada em 23 de maio de 1946 que reuniu nomes como Pedro Fonseca, Érico Hauschild, Dolores Bucher, Ugo Musso, Décio Lírio e Finn Knudsen, formou uma geração de fotógrafos e produziu um dos mais ricos acervos iconográficos do estado. A FCES chegou a ter mais de uma centena de associados.
As primeiras experiências com a fotografia vieram ainda na infância, registrando familiares. O entusiasmo juvenil se tornou um imperativo de vida no início dos anos 40, quando conhece outros fotógrafos – profissionais, como Ugo Musso, um de seus grandes amigos, e Francisco Quintas Júnior – e amadores, como Roberto Viana Rodrigues e José de Almeida Rebouças.
Em 1945, jovens fotógrafos que praticavam amadora e solitariamente a arte de fotografar se reuniram para organizar o evento que seria o embrião do Foto Clube do Espírito Santo: a I Exposição de Arte Fotográfica de Amadores, em dezembro, em uma loja na Praça Oito, no Centro de Vitória.
O FCES nasceu em 23 de maio de 1946. Era a manifestação capixaba do período áureo do fotoclubismo no Brasil, entre as décadas de 40 e 60. Como qualquer fotoclube, se propunha a ser um local de troca de experiências e ampliação de conhecimentos sobre a fotografia. Uma iniciativa ideal para a Vitória dos anos 40, uma cidade em que o ensino da arte fotográfica dependia antes da transmissão informal de conhecimento técnico-estético (do mais para o menos experiente) e do autodidatismo (em manuais e livros) do que de instituições de ensino formais (inexistentes).
Houve, no entanto, um catalisador do espírito fotoclubista local: a Empório Capixaba, loja de equipamentos e material fotográfico inaugurada na primeira metade da década de 40 que se tornou ponto de convergência de amadores e profissionais. Ali, por exemplo, Ugo Musso trabalhou como atendente.
O bancário Magid Saade era um integrante modelar do Foto Clube do Espírito Santo. Tinha na troca de experiências e na leitura as principais fontes de conhecimento, que se expandiram com os primeiros cursos do fotoclube, ministrados pelo médico oftalmologista capixaba José de Almeida Rebouças e pelo engenheiro civil carioca Roberto Vianna Rodriguez na Universidade do Povo, projeto idealizado por Renato Pacheco para oferecer cursos diversos às comunidades.
De início um assistente da dupla, Magid passou a substituto. Aos poucos, assumiu sucessivos cursos, que fixaram-lhe ainda mais a disciplina dos estudos. “Os cursos eram divididos em duas partes: uma primeira parte mais teórica e outra mais prática, em laboratório, com duração média de três meses, sendo duas aulas semanais de uma hora e meia cada”, registra Cláudia Milke Vasconcelos, em sua dissertação de mestrado sobre o FCES apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes da Ufes.
Empunhando sua Herdade, câmera da década de 20 com o formato do negativo 6,5 x 11 centímetros que o acompanharia por toda a sua trajetória, tinha uma atração especial pelo mar.
“Eu comecei com muita praia. Minha propensão era marinha. Tinha os que fotografavam pessoas e os que fotografavam natureza morta. Table top, que era a fotografia tirada em cima da mesa. Teve um tempo que tiravam fotografias de paisagem. Nós aprendemos muito de composição com os pintores: Rembrandt, Renoir, Taylor. Agora, a gente não admitia fotografia de pessoas com distorção”, disse em entrevista a Século Diário, em 2008, por ocasião de uma exposição em Vitória que reuniu imagens do FCES.
Na mesma entrevista, contou por que ainda não aderira às seduções da era digital.
“A digital ainda não chegou ao ponto que eu cheguei no preto e branco. Para eu chegar nisso eu tenho que gastar mais de R$ 20 mil, mas eles estão se adequando. O poder de definição eu tenho mais na máquina tradicional do que na digital, mas eu acredito que em pouco tempo eles vão se adequar. Eu quero dominar a máquina, não quero que a máquina me domine. Isto está se acelerando de um maneira que é infinito. Pena eu estar nos meus 88 anos, que eu não possa entrar mais tanto nessa era digital”.
O FCES organizou 26 edições dos famosos Salões Capixabas de Arte Fotográfica, sendo os primeiros de âmbito nacional, e os de 1948 a 1978 de cunho internacional, estes inclusive reconhecidos pela Federação Internacional de Arte Fotográfica (FIAP). Magid guardava os catálogos dos salões ocorridos nos anos 70, que reuniam, além de amadores de todo o Brasil, centenas de trabalhos de estrangeiros. O salão de 1975, por exemplo, recebeu mais de três mil inscrições.
A entidade realizou ainda 45 cursos de Iniciação à Arte Fotográfica, iniciativa fundamental para o ensino e propagação da prática fotográfica no estado.
Descendente de libaneses, Magid Saade nasceu em Vitória em 1920. O pai retornou ao Líbano em 1930, onde morreria, infortúnio que impõe à mãe a missão árdua de criar sozinha os oito filhos. Casou-se em 1951 e teve três filhos, Fernando, Ronaldo e Marcelo. Em 1996, foi acometido por um câncer no intestino, que venceu.
Profissionalmente, era contador no Banco do Brasil, onde entrou em 1940 e se aposentou em 1970. Ainda no banco foi convidado para ser professor do curso de Ciência Contábeis da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Teve incursões no esporte também. Magid foi não apenas remador do Saldanha da Gama, como também diretor, secretário geral e assistente técnico de remo. Foi assistente técnico de basquetebol no clube para reerguer o esporte em Vitória.
Na definição de fotografia que deu na entrevista a Século Diário, Magid aponta como, para ele, a prática ultrapassava a mera apreensão da realidade: “A fotografia é uma arte. Ninguém pode contestar isso, não, apesar de alguns quererem considerar como arte gráfica. Se você não tiver o olho dedicado ao assunto, não fizer leitura do assunto, não dá. Tem que ter sensibilidade artística. Ganhei um prêmio com uma fotografia tirada aqui dentro de casa. Tirei de uma flor”. Fotografar é criar.
A partir de 1952, Magid Saade presidiu o FCES até 2002, zelando pelo acervo guardado numa sala de 40 metros quadrados ao nono andar de um edifício na Avenida Governador Bley, no Centro de Vitória, sede da entidade.
*A primeira imagem foi extraída da dissertação de mestrado de Cláudia Milke Vasconcelos: é Magid dando um curso de fotografia na década de 70 na sede do FCES. A foto pertence ao acervo da entidade.