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O mau exemplo urbanístico da Praia da Costa

E então disse Aristóteles: “A discussão tem que ser rápida. Se esperarmos um ou dois anos, vocês me desculpem, mas nós somos incompetentes”.

 
Obviamente não se trata do filósofo grego. Ufa. Como se verá, da sapiência helênica, o atual presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Espírito Santo (Sinduscon) só herdou o nome.
 
Aristóteles Passos Neto cometeu as palavras acima, o microfone em punho, durante a concorrida audiência pública realizada em 11 de abril no Centro de Vila Velha para debater o Plano Diretor Municipal (PDM). 
 
Desde que 13 artigos do PDM-2006 foram considerados inconstitucionais pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), o licenciamento de projetos imobiliários está suspenso no município. E os empresários do ramo imobiliário, por sua vez, estão de cabelo em pé. 
 
 
O Projeto de Lei 009/2013, propondo alterações nos artigos, foi elaborado, mas não ainda aprovado, para contornar temporariamente o impasse. Só depois disso poderá ser reinaugurada uma discussão sobre o novo PDM de Vila Velha, que, segundo representantes do Ministério Público Estadual (MPES) presentes à audiência, levará cerca de 30 meses.
 
Isso aí, 30 meses, informação que levou um estupefacto Aristóteles a proferir a tal sentença. E ante a pamonhice geral, grande pensador que é, receitou o dinamismo – ou, termo que sua classe adora – a proatividade empresarial: propôs fazer em “dois ou três meses” uma discussão que pede pelo menos dois anos. Para que rimar amor e dor?
 
Bem, e o que a Praia da Costa tem a ver com isso? Tudo. E com uma dose generosa de ironia: ou não o há no fato de que exatamente o bairro nobre do município, e um dos mais restritos do estado, sirva de modelo ao que Vila Velha não quer ser no futuro, ou pelo menos não deveria, em questões urbanísticas?
 
Poderíamos muito bem cair no discurso “classe média sofre”, ignorando fatos muito mais sofríveis da ordenação urbana de Vila Velha – vide, por exemplo, Terra Vermelha, Ulisses Guimarães ou João Goulart, onde uma ação primordial como o calçamento de rua ainda hoje é quase uma utopia.
 
Não é o caso, porém. A Praia da Costa tornou-se talvez o caso mais emblemático da gulodice do mercado imobiliário capixaba. A cada vez que você for a Vila Velha pela Terceira Ponte, contemple a paisagem a sua esquerda: aquele monótono paredão de vidro e concreto que nos veda a visão do mar não brotou do nada.
 
Seu exemplo nos serve, sobretudo, para analisar a discussão de um novo PDM para Vila Velha e os pontos polêmicos deste sob uma perspectiva mais crítica. Neste momento os mesmos olhos ávidos que um dia desejaram a Praia da Costa, anseiam por áreas de paisagens naturais como o Retiro do Congo e Jacarenema. 
 
Na quinta-feira (5), o Fórum Popular em Defesa de Vila Velha (FPDVV) foi à Câmara Municipal destacar alguns pontos controversos do PL. Entre eles, o que diz respeito à Zona de Ocupação Restrita (ZOR). Caso o texto seja mantido, a ocupação da ZOR – Jacarenema e região do Congo – poderá ter o mesmo coeficiente de ocupação que as Zonas de Ocupação Prioritária (ZOP), que orienta bairros como Itapuã e Praia da Costa.
 
Ou seja: o que não se quer para Jacarenema, região do Congo e áreas semelhantes, é justamente o que se quis para a, cof!, Copacabana capixaba.
 

A Praia da Costa tal como a conhecemos hoje é filha da Terceira Ponte e do primeiro Plano Diretor Urbano (PDU) de Vitória, instituído em 1984. O PDU balizou a ocupação de Vitória segundo a capacidade de fornecimento de infraestrutura pelas concessionárias – serviços de água, luz, telefone. 

 
Ao mesmo tempo que atingiu-se o limite, a Terceira Ponte era inaugurada. Resultado: o empresariado rumou para o outro lado da baía. Vista para o mar e fator efetivo de mobilidade urbana – lembrando que Vila Velha era uma clássica cidade-dormitório, com a capital, como hoje, concentrando as atividades econômicas – ajudariam a inflar a então pacata Praia da Costa. 
 
Desde então o bairro vivencia uma realidade que mais dramaticamente se estendeu à Grande Vitória nos últimos 10 anos: um adensamento imobiliário que orienta-se antes pelas pretensões das incorporadoras e, só depois, pelo planejamento do poder público. 
 
Para a TV, outdoors e cadernos de imoveis, o ar que se respira na Praia da Costa ainda é o da sofisticação e da qualidade de vida. A premissa não é de todo equivocada, especialmente em comparação com os demais bairros de Vila Velha. Mas há um quê de artificial nesse paraíso.
 
O fator mobilidade urbana que valia duas décadas atrás, quando da inauguração da Terceira Ponte, se degradou. O delírio imobiliário que acometeu o bairro de lá para cá o fez crescer menos como um bairro que como um amontoado de caixotes de concreto. Expansão imobiliária e mobilidade urbana, como costume ocorrer na Grande Vitória, se chocaram frontalmente.
 
Mais gente, mais carro: a frota veicular cresceu exponencialmente, superando a capacidade de absorção da ponte. Se um dia foi a solução, hoje o fator mobilidade urbana é a grande dor de cabeça do bairro. Em certos horários, a estreita caixa das ruas já não assimila tantos veículos. 
 
Por dia, 30 mil carros cruzam a intersecção das avenidas Hugo Musso e Champagnat. Entre 7h e 9h de cada dia útil, uma extensa fila de carros se estende pela Hugo Musso até a boca da ponte. A volta para casa, agora pela Champagnat, não é menos arrastada. 
 
Dependendo onde se more, o ruído do trânsito é estressante; o de outro prédio sendo erguido é pior ainda (ainda são muitos); a ventilação, insolação e iluminação são seriamente comprometidas.
 
Incríveis 450 prédios espalham-se num espaço geográfico limitado. São 45 mil moradores, sem contar os oito mil empregos gerados pelas 240 lojas e as 33 mil pessoas que frequentam diariamente o Shopping Praia da Costa. 12% dos moradores são idosos; 25% manifesta alguma dificuldade de mobilidade.
 
O fator “supermercado” é uma das distorções de uma ocupação predatoriamente residencial. Uma boa parcela dos moradores é atendida apenas por um: o Extra Plus da Champagnat (que não dispõe de estacionamento). Como segunda opção, voltando-se algumas quadras, no Centro, há o Carone. 
 
Em qualquer uma das alternativas, supermercado é serviço de consumo básico e coletivo, muitos moradores precisam tirar os carros da garagem, levando-nos à velha história: carros fora da garagem significam mais trânsito nas ruas. 
 
Há, portanto, um fundo de verdade na anedota canela-verde que brinca que, se todos os moradores da Praia da Costa resolverem deixar os prédios e tomar as ruas, vai faltar rua. Jacarenema e entorno que se cuidem.

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