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O papel da mão de obra negra na construção de Vitória

Movimento histórico apaga a contribuição não branca para o desenvolvimento da Capital

Iphan

Na Cidade Alta, a Igreja Nossa Senhora do Rosário faz parte de um dos principais pontos turísticos do Centro de Vitória. O tombamento como patrimônio histórico preserva a identidade cultural da edificação, erguida ainda no Brasil escravocrata, mas não consegue dar nome às mãos pretas que a construíram. A falta do registro dos corpos escravizados que ergueram o monumento faz parte de um contexto de apagamento da contribuição não branca para o desenvolvimento de cidades brasileiras.

O tema foi objeto da dissertação de mestrado do geógrafo Vanderson Moreira Silva Alves, que pesquisou a produção do espaço urbano de Vitória, entre o final do Século XIX e meados do Século XX. Doutorando em Geografia pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), ele explica que negros escravizados tiveram um papel fundamental no desenvolvimento da capital capixaba, do ponto de vista econômico, cultural e populacional.

As condições demográficas mostram o espaço ocupado pela exploração da mão de obra escravizada em território capixaba. “Em termos populacionais, na época, os escravos representavam mais de 27% do total da população do Espírito Santo. A gente tem um quantitativo considerável de escravos dentro do Estado, que até então era província”, explica o professor, informando que, em Vitória, o quantitativo de escravizados era de um pouco mais de 22% em relação à população total da Capital.

Apesar de serem destinados, em maior volume, ao trabalho rural e agrícola, aqueles escravizados que estavam dentro do perímetro urbano da cidade eram utilizados para ofícios como a construção civil e a carpintaria. Obras como a construção da Igreja Nossa Senhora do Rosário, reformas na capela de Santa Luzia e casas construídas na região do Parque Moscoso e Cidade Alta foram marcadas pelo suor preto.

Iphan

“Eles movimentavam essa economia da capital capixaba e as construções. Os reparos, melhoramentos, a maior parte era realizada por escravos (…) A gente tem a participação do escravo em construção de casas, lojas comerciais, abertura de vias, iluminação pública e saneamento básico, mas não o registro nominal deles”, explica o professor.

Diferentemente de construtores europeus, como o italiano André Carloni, que até hoje são lembrados, a contribuição não branca para o desenvolvimento de Vitória foi apagada pelo racismo ao longo do tempo. “O escravo era considerado como um bem, né? Ele era contado nos inventários da época como um bem, então dificilmente a gente tem o registro nominal, dizendo: ‘fulano construiu essa casa”, ressalta Vanderson.

Ele prossegue: “Muitas vezes acontece do serviço mais pesado, braçal, ser feito pelo escravo, e o construtor, o artista europeu, era quem levava o nome pelo fato de fazer a ornamentação final, o acabamento, o entalhe, o ornamento (…) Era muito mais status na época ter uma obra feita por um por um artista italiano, um construtor italiano ou um construtor europeu, do que apresentar como um trabalho de um escravo”, declara.

Um Brasil apagado

Longe de ser pontual, o contexto de Vitória faz parte de uma conjuntura racista, em que se tem uma tentativa de esquecimento do passado escravocrata nas cidades brasileiras. Nesse processo, leva-se também nomes fundamentais, como o do arquiteto escravizado Joaquim Pinto de Oliveira (1721-1811), mais conhecido como Tebas, de São Paulo.

Apesar de ter renovado a arquitetura e as fachadas das igrejas paulistas no Século XVIII, a estrutura branca não permitiu que o nome dele fosse lembrado nos livros de história. Somente em 2018, Tebas foi homenageado pelo Sindicato dos Arquitetos no Estado de São Paulo, com base em documentos oficiais reunidos pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), e depois em 2020, pela Prefeitura de São Paulo, que instalou um monumento com seu nome na Praça Clóvis Beviláqua, no Centro da cidade.

Prefeitura de São Paulo

“O escravo teve participação importante na construção da cidade, não só de Vitória, mas das maiores do Brasil. No Rio de Janeiro, São Paulo, ele foi amplamente utilizado para isso”, aponta Vanderson.

Apesar das estratégias de apagamento dessa história que não foi protagonizada pelos brancos, resquícios do suor negro continuam presentes em pontos específicos como a Igreja Nossa Senhora do Rosário, a Nossa Senhora do Rosário dos Pretos.

“A cidade de Vitória foi crescendo dessa forma [utilizando a mão de obra escravizada] até chegarem os grandes projetos urbanísticos lá no final do Século XIX, depois da abolição da escravatura, que foram remodelando a cidade. Então, a gente teve muitas demolições e desconstruções para poder modernizar a Capital, e isso foi apagando esses resquícios, mas na parte turística, a Igreja Nossa Senhora do Rosário é a mais emblemática”.

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