Rubinho Gomes
Há mais de 35 anos conheço Marco Ortiz e sua família e acompanhei a criação de seus filhos, enquanto paralelamente eu criava os meus. Não preciso falar sobre o quanto compartilhamos em tantas experiências na vida, mas posso garantir que foram elas que forjaram o caráter de nossas crianças, que desde muito cedo aprenderam o básico sobre as lutas cotidianas que devemos travar todos os dias, e os princípios éticos que devem reger as relações entre as pessoas. Nos últimos 10 anos, durante quase todos os dias, almocei no Sol da Terra, inclusive na última terça-feira (19), quando saí de lá cerca de três horas antes do deslizamento de terra, pedras, árvores e lama que soterrou três décadas de difusão da cultura natural por este médico que estuda na prática o poder curativo dos alimentos e das forças espirituais que atuam sobre as pessoas, dos ensinamentos compartilhados por ele que resultaram em ótima saúde para todos nós, mesmo envelhecendo naturalmente todos os dias.
Nos intervalos das refeições no Sol da Terra, conversas memoráveis sobre tudo: política, música, comunicação, eventos culturais, pontos de cultura. E ali mesmo compartilhamos shows como o histórico último de Jorge Mautner-Nelson Jacobina ao vivo no palco do Sol da Terra, tendo a casa de madeira da família Ortiz funcionado como camarim. E ali mesmo gravamos documentários sobre o Festival de Guarapari, a família se acostumou a hospedar os índios quando vinham de Aracruz para participar das apresentações do “Auto de Frei Pedro Palácios”, peça dirigida por Marco Ortiz, que sempre fez o papel do Frei ao lado do ator Paulo de Paula representando Vasco Coutinho ou outro nobre português quando vieram colonizar o Espírito Santo. Marco aliás, fez uma apresentação especial vestido como frei no Convento da Penha em memorável vídeo dirigido por Roberto Burura para a TV Gazeta. As lembranças de nossa convivência se fragmentam parecendo a vida que ficou debaixo da terra que desceu da Gruta da Onça.
Por essas coincidências da vida, na véspera do soterramento do restaurante, a conta Sol da Terra no Facebook reproduziu a imagem de uma banquinha parecida com uma quitanda colorida de frutas e verduras (únicos produtos em oferta) com uma placa onde se lia “Farmácia”. A representação, que recebeu inúmeros comentários, foi bruscamente interrompida pela notícia do deslizamento, o que gerou imediatamente uma corrente de solidariedade para a família Ortiz. Mas o post, na verdade, reproduziu o que as refeições diárias de comida natural significam para as pessoas que desfrutam desse privilégio: garantia de saúde e longevidade, sem precisarem de outros “remédios”.
Tenho certeza de que a família Ortiz vai superar mais este revés, sobretudo diante dos desafios que tem superado ao longo dos últimos anos: só pessoas forjadas na luta cotidiana, nas lições de vida e liberdade que marcaram nossos últimos anos, na transição da ditadura militar para a democracia, na transformação do espaço de um restaurante diferenciado em tudo no ponto de cultura onde pontificavam no palco todas as semanas as performances musicais dos estudantes da Faculdade de Música do Espírito Santo (Fames) como a dupla Dori e Leo, Jura Fernandes, Big Bat Blues Band, Lion Jump, Alexandre Lima, Giuliano Gauche, Dante Ixo, e tantos outros. Sim, vamos virar o jogo e mostrar nossa união uma vez mais. Para melhor juntar as nossas forças é só repartir o pão e mostrar que somente juntos somos fortes.
Uma ocasião em que enfrentava um problema, Marcão surpreendeu os frequentadores do Sol da Terra com uma placa onde se lia: “O Amor tudo Resolve”. E não será diferente: é ele quem vai resolver mais uma vez…