Texto: Flávia Bernardes
Fotos: André Alves
Ao ouvir um estrondo ensurdecedor, Marcos Ortiz, assustado, pensou num primeiro momento que um avião estivesse caindo sobre sua casa e restaurante. Sua reação instintiva foi juntar seus quatro filhos (o quinto não mora com ele) e correr para a parte mais baixa da casa para se abrigar. Segundos depois, sentindo a terra literalmente tremer sob seus pés, achou mesmo que o fim do mundo, como previam as profecias, havia chegado com um pouco de atraso. Logo depois, ele descobriria que um deslizamento implacável de terra havia sepultado 28 anos de trabalho na arte de preparar alimentação saudável, não para simples clientes, mas para amigos. É assim que ele via os comensais que “batiam ponto” diariamente no restaurante Sol da Terra.
Segundo o filho mais novo, Gabriel Ortiz, parecia que o prédio da frente estava “desabando em cima de tudo”. A tragédia, resultado das fortes chuvas que castigaram a Grande Vitória nessa segunda e terça-feira (18 e 19), devastou o restaurante e mais três casas vizinhas, inclusive a dos Ortiz. O local era ponto de encontro tradicional de quem prestigiava a alimentação saudável, a base de produtos orgânicos. A destruição do espaço comoveu clientes e amigos que não param de chegar ao local com votos de solidariedade e esperança à família Ortiz. Enquanto uns ofereciam seus ombros, outros clamavam por justiça, responsabilizando o poder público pela omissão.
Marco Ortiz, médico naturalista e ambientalista, por sua vez, apesar do caos, demonstrava serenidade. Ele preferia festejar que todos saíram ilesos da tragégia e olhar as perdas materiais com otimismo, vislumbrando um recomeço em breve.
Ambientalista das antigas, Marco Ortiz denunciou por diversas vezes – inclusive oficialmente à Prefeitura de Vitória – o assoreamento que corroía a terra no morro que jazia atrás do seu restaurante. Segundo ele, os últimos ofícios foram protocolados há três anos, porém, voltaram a ser protocolados e encaminhados à Defesa Civil no ano passado. No ofício, Ortiz pedia um muro de arrimo e o desvio do esgoto vindo das residências localizadas acima para o bueiro central do Parque Gruta da Onça, vizinho à sua propriedade, localizada no Centro de Vitória.
“Tinha uma água descendo constantemente e ao lado uma grande árvore. Pedimos o muro de arrimo e o desvio do esgoto que era despejado ali. Pedimos também uma ação para que o lixo não fosse jogado no morro. Da última vez, o ofício foi para a Defesa Civil, mas não tivemos resposta”, contou ele.
Embaixo da lama, calcula Ortiz, ficaram suas tartarugas e a “energia” captada durante anos de trabalho: o feng shui que energizava os clientes, a música durante os almoços e o quadro com fotos de clientes ilustres, como Cássia Kiss, Milton Nascimento,Gilberto Gil, Jorge Mautner, Lucélia Santos, entre tantos outros.
A história do Sol da Terra se confundia com a de Marco Ortiz. Talvez por isso ele olhasse os escombros do 9° andar do edifício de frente ao seu restaurante – um dos lares oferecidos por amigos e vizinhos para abrigá-lo – ainda tão desolado. Ele parecia procurar em meio à lama e ao lixo que desceram da encosta, fragmentos da sua história tão intensamente vivida ali.
“Em 86 viemos para Vitória, morei na casinha ao lado do restaurante durante a construção. Não tínhamos nem chão, nem teto, as mangas caiam no prato do cliente. Depois coloquei uma lona e fomos indo até que chegamos ao ápice físico com o revestimento de cerâmica, a música, o feng e ao ápice da qualidade do alimento que fornecíamos”, recorda Ortiz.
Naturalista desde 1973, quando foi apresentado ao livro Macrobiótica Zen, de George Ohsawa, a preocupação dele é até hoje tornar palpável para todos a boa alimentação, e sobretudo, mostrar que há sim como se manter saudável sem remédios.
Foi assim que há 33 anos nasceu o primeiro restaurante no Centro de Vila Velha e que há 28 funcionava no Centro de Vitória, na Rua Barão de Monjardim.
“Nós éramos jovens, primeiro formamos a Cooperativa Naturalista do Espírito Santo, depois veio o restaurante do Alcides pra quem eu emprestei minhas próprias panelas e minha cozinheira, depois nasceu o Aquário, o Sempre Vida e era sempre eu que dava as palestras iniciais para a abertura dos restaurantes”, conta ele.
As histórias são comemoradas pelos amigos que articulam uma saída para o naturalista. Entre as iniciativas está a realização de eventos culturais em prol da reconstrução do local. Os amigos também defendem que Ortiz mova uma ação judicial para cobrar do poder público por sua omissão, diante do risco iminente denunciado pelo naturalista.
Ele ouve cauteloso, sorri, mas não tira os olhos do lamaçal. Saudoso, mesmo interrompido minuto a minuto por um abraço apertado de um amigo, ele já calcula os prejuízos e pensa em uma forma de recomeçar. “Eu tenho que saber quais serão os rumos traçados doravante”, diz ele ainda em dúvida se será possível reaproveitar algo do pouco que restou.
Do restaurante, além da fidelidade de amigos e frequentadores, restaram apenas lembranças e a recente memória de que tudo poderia ter sido evitado.
Além do restaurante, situado na Rua Barão de Monjardim, no Centro de Vitória, três apartamentos e duas casas foram comprometidos com o deslizamentos e as famílias tiveram que deixar os imóveis por recomendação da Defesa Civil.
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