Infiltrações, problemas rede elétrica e falta de manutenção afetam patrimônio histórico e importante ponto turístico de Vitória
Chega o verão e com ele cresce o fluxo de turistas ao Espírito Santo. Um dos mais importantes locais para quem vem em busca de conhecer a cultura capixaba é o galpão das Paneleiras de Goiabeiras, cujo ofício foi o primeiro patrimônio imaterial reconhecido a nível nacional, em 2002, tendo sido revalidado como tal recentemente, no ano de 2021. Porém, o local, que concentra a maior parte das atividades das paneleiras hoje em dia, tem sido motivo de constante insatisfação por estas detentoras do saber tradicional.
O terreno pertence à Superintendência de Patrimônio da União (SPU), mas o atual galpão foi construído pela Prefeitura Municipal de Vitória (PMV) em 2011 e é cedido à Associação das Paneleiras de Goiabeiras, que existe desde 1987.
A prefeitura mantém segurança 24 horas e guias de turismo que oferecem informações na entrada. Porém, a limpeza do local, que é de constante trabalho e circulação, é uma preocupação, já que a associação se sustenta apenas das contribuições consideradas “simbólicas” das paneleiras ocupantes das cabines de produção e venda, com R$ 40 mensais cada. O total mal dá para pagar as contas como a de energia, quanto mais para obras estruturais mais complexas, como a da parte elétrica, nem para manter funcionários ou para fazer a limpeza constante.
Em 2021 foi feita uma obra de R$ 70 mil pela prefeitura que incluiu troca do piso do mezanino, substituição de peças soltas e estruturas danificadas da rampa de acesso, vedação externa em vidro, entre outras coisas. Uma obra que definitivamente não agradou as paneleiras nem resolveu de fato os problemas, que continuam ou tendem a voltar, já que infiltrações persistem.
Do lado de fora do galpão, à beira do manguezal, onde chega de barco o barro vindo do Vale do Mulembá e a casca de árvore do mangue, matérias-primas para a confecção das panelas, também há dificuldades, já que quando chove a lenha que fica descoberta molha, assim como o próprio local de queima das panelas, o que termina por atrasar a finalização da produção.
“É muita falta de respeito com a cultura. Quem vem à Vitória e não sabe o que é a moqueca capixaba e as panelas de barro? Mas para conseguirmos alguma coisa é muita humilhação, tem que ficar pedindo, implorando. Fazemos parte da história viva do Estado, tem que respeitar nossa história”, diz Heloisa Helena Ferreira, tesoureira da Associação.
Ela diz que as paneleiras estudam alugar espaços do galpão para conseguir fundos e melhorar a gestão do local, como é o caso de uma pequeno stand para vendas de artesanato local e o mezanino para bebidas e petiscos, já que a estrutura de cozinha não comporta algo mais elaborado em termos gastronômicos. Para isso, seria necessária a instalação de um toldo externo para que a chuva deixe de cair dentro do local, já que a última obra da prefeitura não solucionou a questão. Ações como a de ponto de artesanato e de alimentação ajudariam também na retenção dos turistas no espaço por mais tempo e na elevação também de seus gastos na região.
Os desafios são grandes e demandam não só maior atenção do poder público em todas esferas, mas também um maior nível de organização de todas as paneleiras para garantir a manutenção da tradição do ofício. Levantamento do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), responsável pelo reconhecimento e proteção dos patrimônios nacionais, aponta que o número de paneleiras associadas vêm caindo ao longo do tempo.
Atualmente, segundo Heloisa Helena, ocupam o galpão 32 paneleiras mais seus ajudantes, o que totaliza cerca de 40 a 45 pessoas trabalhando no local diariamente. Além disso, há outras trabalhadoras que se dedicam ao ofício da feitura das panelas de barro desde suas casas. Essa, aliás, era a tradição, sendo as panelas produzidas nos quintais. Porém, o crescimento das famílias, o processo de urbanização e a pressão imobiliária acabou fazendo com que muitas famílias de paneleiras perdessem o espaço para produção.
“Se, de um lado, o Galpão acabou por gerar uma nova forma de organização do trabalho e alterar a antiga dinâmica de comercialização das panelas, por outro ele também facilitou o acesso aos produtos, dando visibilidade para um público mais amplo (principalmente turistas) e concentrando as atividades de produção e venda num espaço único”, diz o parecer técnico da Comissão de Revalidação do patrimônio imaterial.
O relatório aponta modificações nos padrões de sociabilidade do grupo, na organização social do trabalho, na transmissão dos saberes, na relação dos detentores com o território de Goiabeiras e locais de produção, na forma de acesso às matérias-primas. Como toda cultura e bem cultural, mesmo que tradicional, vai sofrendo impactos das mudanças da sociedade, que podem representar riscos à manutenção das atividades ou caminhos para readaptação a uma realidade mutante.
O Iphan vem trabalhando para organizar efetivamente e formalizar um plano de salvaguarda do patrimônio imaterial do ofício das Paneleiras de Goiabeiras, que seja elaborado de forma participativa com as guardiãs deste patrimônio e possa prever diagnóstico, diretrizes e ações de curto, médio e longo prazo, num plano que não seja estático, mas dinâmico, podendo ser atualizado ao longo de seu desenvolvimento. Pela centralidade que ocupa hoje na produção e comercialização, as melhorias no galpão devem ser um dos pontos de grande relevo nesses debates, que devem prezar por discutir temas em torno dos quatro eixos da política de patrimônio imaterial que são: mobilização e alcance social; articulação e gestão participativa; difusão e valorização cultural; e produção e reprodução cultural.