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Poliglota: candidata se qualificou em 4 línguas em 3 meses

Entre 14 de março e 19 de junho de 2014, a primeira colocada na concorrência para concessão de 108 novas placas de táxi em Vitória, Rosiane de Oliveira Puppim, qualificou-se em quatro línguas estrangeiras, em três níveis diferentes. Mais uma proeza da candidata que alcançou a primeira colocação no certame para um serviço cujo quantitativo feminino é irrisório.

Em 40 dias, Século Diário visitou cerca de 30 pontos de táxi em Vitória, um universo de 342 placas, em que trabalham cerca de 500 defensores. Praticamente não encontramos defensoras. Ouvimos falar de cerca apenas 10. 

Proeza semelhante alcançaram os candidatos Allan Jones Martins Mattos, Rosiel Guimarães, Fernando Almeida Gomes e Elielson de Freitas Maia, respectivamente segundo, terceiro, quarto e quinto colocados no certame. Somam-se a este pelo menos mais três casos de candidatos contemplados com permissão que se fizeram poliglotas em questão de dias.  

 
As informações constam em ação apresentada ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) por um grupo de taxistas que solicitava a imediata suspensão do edital. 
 
A ação contesta a estratégia utilizada pelos licitantes: a inscrição em cursos online de língua estrangeira. São instrumentos duvidosos de ensino à distância que prometem o melhor em menos tempo. O Instituto Politécnico de Ensino a Distância (Iped), o Learncafe.com e o Buzzerd.com foram os mais requisitados. 

“Minimamente, podemos afirmar que a Comissão de Licitação deixou de avaliar satisfatoriamente os certificados apresentados. Aceitando documentos, expedidos por sítios de educação a distância de procedência duvidosa, com licitantes que se capacitaram em 3 línguas, 6 níveis diferentes em apenas um mês, ou mesmo em 2 línguas em apenas 1 dia”, defende a ação, que chegou a provocar o sobrestamento da licitação. Os autores conseguiram as informações por meio da Lei de Acesso à Informação. 

 
O relator da processo, conselheiro Rodrigo Chamoun, decidiu-se pelo seu arquivamento por entender que a matéria foge à competência conferida à Corte de Contas. “[…] não conheço da Representação, ante a inexistência de interesse público a ser tutelado pela Corte de Contas, tratando-se o processado, de defesa de interesses particulares de licitantes perante a Administração Pública”, manifesta-se o relator. A decisão foi publicada no Diário Oficial do TCE de segunda (7) 
 

Rosiane concluiu os cursos de inglês avançado, espanhol e italiano entre 14 e 31 de março. Entre 23 de maio e 7 de junho, concluiu o de italiano intermediário; entre 19 de maio e 2 de junho, concluiu o de francês; entre 7 e 19 de junho, o de inglês técnico. Os cursos valeram 10 pontos à candidata, sem os quais ela despencaria para a 123° posição, ficando em cadastro de reserva.
 
O caso de Allan Jones Martins Mattos é atípico: não há informação nos certificados a respeito do período dos cursos. Rosiel Guimarães, entre 29 de abril e 12 de maio de 2014, o candidato capacitou-se em nível básico em italiano e inglês e em nível intermediário em espanhol em inglês. Rosiel obteve oito pontos, sem os quais sairia da terceira para entrar no cadastro de reserva.
 
Na quarta posição, Fernando Almeida Gomes qualificou-se em níveis diferentes de três línguas em apenas dois meses. Entre maio e junho de 2014, matriculou-se no Cursosvirtuais.net, Unieducar e Busuuu.com. Sobre o curso de inglês realizado entre 2 de agosto e 2 de setembro de 2011 não paira dúvidas: foi feito no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). Também obteve oito ponto aqui, sem os quais iria para o grupo de reserva.
 
Elielson de Freitas Maia capacitou-se em alemão com carga horária de 50 horas. Entre 3 de março e 1° de junho de 2014, qualificou-se em espanhol intermediário e italiano básico e intermediário nos cursos E-Profissionalizando, Enfoque Capacitação e Prime Cursos. Elielson ganhou 15 pontos, sem os quais iria pelo menos para a 226° posição, ficando longe mesmo da área de cadastro de reserva.
 
    

 

Outro exemplo. O candidato da 74° posição, Herverton Ribeiro qualificou-se em inglês, italiano e espanhol em 40 dias, entre 22 de maio e 1 de julho de 2014, igualmente pelo Iped e Learncafe.com. Os de italiano e  espanhol foram realizados de forma concomitante, entre 22 de maio e 6 de junho. 
 
Os candidatos Alex Ignácio Nogueira (32° posição), Scheila de Souza Pereira (40°), Vanessa Barreto Madureira (11°) são os outros casos. Scheila se qualificou em inglês básico e intermediário e espanhol básico e avançado. Para os últimos três cursos, ela precisou de apenas algumas horas: 26 e 27 de junho de 2014 para inglês intermediário, 29 de junho para espanhol básico e 29 e 30 para espanhol avançado.  Todos esses cursos foram realizados no Buzzerd.com.
 
“Ao elaborar o edital a Comissão de Licitação deixou de inserir requisitos objetivos para que se pudesse avaliar se o licitante realmente é capaz de manejar, de maneira correta, a língua correspondente ao diploma apresentado. A rigor, ao permitir que os licitantes possam apresentar qualquer tipo de diploma, o certame criou uma legião de taxistas poliglotas, ou de licitantes que possuem apenas o certificado entregue”, sustenta a denúncia.
 
Como já mostramos nessa série de reportagem sobre o mercado de táxi em Vitória, cada um desses novos permissionários fará jus a pelo menos R$ 3 mil – sem dirigir o táxi, colocando apenas defensores. Se dirigir, entre os cinco há defensores que efetivamente trabalham, o condutor pode expandir esse montante.
 
A “Comprovação de conclusão de cursos de língua estrangeira” é um dos critérios de julgamento da licitação. 
 
A comprovação de cursos específicos de língua estrangeira em nível básico vale dois pontos; à apresentação de certificados correspondentes dois idiomas diferentes será atribuída mais dois pontos com limite máximo seis. Nível acima do básico (intermediário, avançado, fluente, conversação, entre outros) ganhou três pontos; a apresentação de certificados de dois idiomas diferentes valia mais pontos, com o limite de 9 pontos. 
 
O julgamento da proposta técnica e a respectiva atribuição da notas técnicas dos licitantes foram realizados por uma comissão técnica nomeada pelo secretário de Transportes, Trânsito e Infraestrutura Urbana de Vitória. Esse caso da pontuação por cursos online lança forte suspeição sobre a Setran na condução da licitação. No mínimo, paira a desconfiança de que o processo licitatório – embora, como mais de uma vez destacaram os taxistas, tenha contemplado um número expressivo de defensores que efetivamente trabalham – contou com clara ingerência externa em casos específicos. 
 
A secretaria conta hoje com cerca de 132 servidores, dos quais 45 são comissionados. Ou seja, 34% do quadro de servidores da Setran é composto por cargos em comissão. Considerando os celetistas e estagiários, o número sobe para 62 cargos não-efetivos, ou seja, 46,9%. Uma organização de trabalho sintomática para uma secretaria que orienta e fiscalização os serviços de transporte públicos de Vitória – o coletivo e o individual. 
 
Uma carga expressiva de comissionados facilita manifestações de omissão programada – como indica a licitação dos táxis.
  
A sessão de segunda-feira (7) da CPI da Máfia dos Guinchos, na Assembleia Legislativa, mostrou também como a Setran age para preservar o mercado do táxi em Vitória para beneficiar quem domina as permissões.
 
Nos dias em que Século Diário circulou pelos pontos de Vitória, choveram reclamações contra o assédio de taxistas de outros municípios em pontos de Vitória e contra aplicativos eletrônicos como EasyTaxi e 99Taxi, que facilitam tal assédio. Como choveram reclamações, choveram histórias de defensores que, na metade do expediente, com diárias para pagar de R$ 200 a R$ 230, não haviam cumprido um terço da meta. Contavam isso com resignação: aquele seria mais um dia de pagar para trabalhar. 
 
Por outro lado, há o depoimento do guarda municipal de trânsito de Vitório Gilson Coelho Pereira, acusado de realizar abordagem arbitrária contra um taxista de Cariacica em um posto de gasolina. Segundo depôs uma taxista do mesmo município em sessão anterior, o taxista estacionara o veículo nas dependências do posto para um lanche. Foi acuado por guardas municipais e conduzido para uma delegacia.
 
Pressionado pelos membros das comissões, Gilson confirmou que as abordagens da guarda municipal extrapolam as vias públicas para atingir também áreas privadas, como um posto de gasolina. 
 
Ou seja, afugentar taxistas de outros municípios também significa instalar um regime de reserva de mercado e não desestabilizar as operações do lucrativo negócio do táxi de Vitória. Tudo indica que sejam abordagens para proteger um grupo específico de permissionários.
 
Na quinta reportagem da série, que será publicada na próxima segunda-feira (14), será apontado como a sistematização do negócio do táxi ultrapassa os grandes permissionários e donos de placa – como Carlos Agne, Josias Siqueira e Ataíde Mateus – e cerca de suspeições a liderança do prefeito Luciano Rezende (PPS).

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